domingo, 16 de outubro de 2011

2ª série dos Planos (XXV)


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De vez em quando, convido bloggers a escolher um plano e a falar, também, sobre ele. O vigésimo quinto convidado é o Narrador Subjectivo d'O Narrador Subjectivo, que escolheu o último plano de Ordet, de Carl Dreyer.




Inger:
A criança. Está viva?

Mikkel: Sim, Inger. Vive em casa, com Deus.
Inger: Com Deus?.... Com Deus?
Mikkel: Sim, Inger.Encontrei a tua fé.

"Dificilmente se encontram filmes com imagens tão belas e requintadas como os que Dreyer realizou, nenhum segundo está a mais, nenhum fotograma é desperdiçado, são sempre plenos de emoção e intenção. Em Ordet, a sua linguagem cinemática atinge o pico, tanto em termos de composição, como em termos de tema, como na relação que estabelece entre ambos. A fé e a religião tomam a dianteira e a forma como as suas personagens encaram a fé e a religião ditam o seu comportamento e destino face às provações e conflitos com que se deparam. Quando a morte bate à porta da família de Morten Borgen depois de um parto difícil e leva o rebento e a esposa do mais velho de três irmãos, Mikkel Borgen, um honesto agnóstico, o filme, já de si cinzento e lânguido, adquire contornos etéreos. A dor e a impotência perante tal destino parecem ditar a inutilidade da esperança humana, da crença em algo superior, sejam princípios, morais ou entidades. As palavras nada dizem. Inger, uma inocente, perdeu a vida a dar à luz e tudo o mais é irrelevante. O dia substitui a noite, mas os relógios pararam.

Resta o funeral. Eis que reentra em cena Johannes, o irmão do meio, louco desde que estudou Kierkegaard, que se julgava Cristo e que estava desaparecido há algumas horas. Finalmente são, oferece-se ainda assim para ressuscitar Inger. Acusado de blasfémia, Johannes argumenta que blasfémia é a falta de fé dos que o rodeiam. "Confia em Deus", diz a Mikkel. E, para espanto de todos, incluindo do espectador, Inger volta a respirar, mexe as mãos e abre os olhos. Mikkel aproxima-se e abraça-a, naquele que é o último plano do filme e o meu preferido após duas horas de suprema mestria visual. Nele, Mikkel faz as pazes com Deus, ao beneficiar da maior bênção possível e imaginária. Ao sentir o rosto da sua mulher encostado ao seu, tudo o que existe volta a fazer sentido para este homem, a vida tem outra vez significado, o certo é certo e o errado é errado, bom e mau, quente e frio, ele volta a saber o que isso é e o que os separa ao sentir o calor da pessoa que mais ama. Dreyer filma de perto e com um enquadramento perfeito enquanto Mikkel, vestido de preto, sorri e Inger, vestida de branco, chora. O tique-taque dum relógio recomeça. Dificilmente se encontram declarações de fé e catarses tão intensas como no simples plano final de Ordet." (Narrador Subjectivo)

O próximo convidado é o Pedro Ponte.

4 comentários:

O Narrador Subjectivo disse...

Obrigado pelo convite, João! Cumprimentos

João Palhares disse...

Obrigado, eu. Belo plano. Não sei se será verdade, mas vendo filmes dos dois não consigo deixar de pensar que o bergman é filho do dreyer, em muitos sentidos, seja a temática ou mesmo a forma de pensar a encadeação de planos..

João Palhares disse...

Filho cinematográfico, claro está. :)

Rafael Barbosa disse...

Outra grande escolha. Um dos melhores finais para um filme.

Cumprimentos,
Rafael Santos
Memento mori