por Louis Skorecki
O senhor Edouard já não está com as fúrias. Foi o Jacques que disse. Primeiro pensámos que era uma brincadeira, mas tem ar de ser verdade. Jacques viu-o a sair do Classik, aquele cinema de bairro que faz noites com danças ao fim-de-semana. Estava a falar sozinho, a falar de Arthur Penn, ria sozinho. Caroline franziu a testa, disse que era muito preocupante. Não, disse Jacques, eu falei com ele, ele vai bem, está feliz da vida, é tudo. Estava a falar de Arthur Penn?, perguntei eu, isso não parece dele, sempre o detestou. Agora adora-o, disse Jacques num tom seco. Caroline franziu a testa, disse que era mesmo preocupante. Jacques disse que não. Porquê?, perguntei. Porque não, disse Jacques, irritado. Desde quando é que duvidam da minha palavra? Nós acreditamos em ti, disse Caroline, nós acreditamos em ti. Não, não acreditam nada, disse Jacques. O senhor Edouard adora Arthur Penn, acrescentou ele, está feliz, e é tudo. E foi-se embora sem dizer uma palavra.
Uma hora depois, no café, voltamos a pensar naquilo que Jacques nos disse, até que o senhor Edouard entra como uma flecha. Não amar Penn, é um escândalo, diz ele como se soubesse que tínhamos acabado de falar sobre isso. Revi o Alice's Restaurant, esse filme que toda a gente acha uma palhaçada hippie, é um filme perfeito. Ficamos de boca aberta. O senhor Edouard detesta Dylan, detesta Arlo Guthrie que sempre considerou um Dylan de segunda, detesta o desleixamento hippie. O que é que se passa com ele? Até Lourcelles reconhece a importância de Penn, diz finalmente o senhor Edouard. Aí, fico perplexo. O Lourcelles?, pergunto eu, não estará enganado? O senhor Edouard saca calmamente o Lourcelles do bolso. Lê. «Com Alice's Restaurant e Quatro Amigos, Arthur Penn evidencia-se como o melhor cronista cinematográfico dos anos 60 e como o digno sucessor de Kazan.» Não haja dúvida, já não é o mesmo.
in «Libération», 21 de Novembro de 2005.