segunda-feira, 29 de julho de 2013


BBC: (...) Would you say that courage was something that one acquired or something one was born with?

John Ford: Well, how do you expect me to answer that?

BBC: Because... your work... your films... are full of courageous people. Their activities in the war are full of courage... and you chronicle some of the most courageous incidents... in history. You do seem to be... interested in courage.

John Ford: I don't know, I've tried to figure it out. I'm a... I am really a coward. I know I am, so that's why I did foolish things. I was decorated eight or nine times trying to prove I was not a coward. But after it was all over I still knew, I still know, that I was a coward. I've always found that the quiet little man, that no one pays attention to, usually has more guts... Do they use guts in BBC, hmm?

BBC: Sure.

John Ford: ... has more guts and courage than the big blow hard, the big noisy, you know, the big outspoken fellow... It's the little man that does the courageous things.

sexta-feira, 26 de julho de 2013








CHEYENNE AUTUMN (1964)


por João Bénard da Costa

Cheyenne Autumn, penúltima longa metragem de Ford, último dos seus westerns, é, de novo, "o mais belo dos Fords" e já sabem o que quero dizer e provocar.

Pela última vez, o Mestre viajou até Monument Valley, e aos desertos de Mohab e Utah, para esta epopeia final sobre a saga dos comanches. Saga? Para temperar os adjectivos e entusiasmos, que se vão seguir, vale a pena citar o que o realizador respondeu em 1967 a um entrevistador tão apaixonado como eu: "Não queria ser muito abrupto consigo. Não queria ser malcriado. Mas, você sabe, há cinquenta anos que me andam a fazer as mesmas perguntas e ainda não me apareceu ninguém com uma pergunta original. Disse-me que eu era o maior poeta da saga do Oeste. Não sou poeta. Não sei o que seja essa coisa da saga do Oeste. Por mim, diria que tudo isso é merda de cavalo [literalmente horseshit]. Sou só um realizador com a mania de meter o nariz em tudo, de trabalhar que se farta, e de moer a paciência a tudo e a todos".

Assim, salutarmente advertidos, começo por falar das questões extra-cinematográficas que Cheyenne Autumn suscitou, análogas às de Sergeant Rutledge. Se este pareceu (e já disse que pareceu mal, no texto sobre este filme) uma redenção de Ford do racismo anti-negro de que era acusado. Cheyenne foi visto como uma redenção do racismo anti-índio que também lhe atribuíram. Ford disse a Bogdanovich: "Há muito tempo que queria fazer este filme. Matei mais índios do que Custer, Beecher e Clivington todos juntos e as pessoas na Europa querem saber coisas sobre os índios. Em todas as histórias há dois lados. Por isso, decidi mostrar o ponto de vista deles, for a change. Sem papas na língua, nós tratámo-los muito mal. São uma mancha no nosso brasão. Enganámo-los, roubámo-los, matámo-los, massacrámo-los, fizemos-lhes tudo e mais alguma coisa. E, de cada vez que eles matavam um homem branco, meu Deus, tropas para cima deles".

Se Ford matou mais índios (nos seus filmes, evidentemente) do que os três generais exterminadores que cita, penso que nunca os tratou muito mal (e o espectador que se lembre da dignidade de Cochise em Fort Apache ou de Big Tree em She Wore a Yellow Ribbon, para apenas citar alguns exemplos). Mas Cheyenne Autumn é de facto o primeiro western do ponto de vista dos índios, com o Sargento Wichowsky a dizer expressamente que os americanos os tratam como os cossacos aos polacos. Vocês matam-nos só porque eles são índios.

Mas julgo que Cheyenne Autumn está para além destas questões ético-políticas. Porque é principalmente um imenso fresco, uma imensa pintura mural, uma imensa "paixão", reunindo e completando todos os temas duma obra. Coisas destas só acontecem, no fim da vida, a artistas geniais que morreram "cheios de anos". Cheyenne Autumn é o equivalente do ciclo imenso da Scuola di San Rocco, de Tintoretto, da Pietá da Academia de Veneza que Tiziano pintou aos 90 anos, da Missa em Si de Bach ou da Ressurreição de Tolstoi. Em todos os casos, a mesma "Bíblia visionária" daqueles que, como Saint-John Perse, foram capazes de dizer: "grand âge te voici".

Obra à glória dos índios? Tem sido notado que dos 286 cheyennes que iniciam a grande marcha para a terra prometida, nenhum emerge psicológica ou individualmente (até mesmo Sal Mineo, Ricardo Montalban ou Dolores del Rio são sobretudo apontamentos visuais, esquisses de caracteres). Mas o mesmo sucede - e efectivamente neste filme sucede pela primeira vez - aos brancos. Nenhum personagem - nem sequer Widmark - tem essa espécie de emergência.

Por alguma razão, quando convocou para este gigantesco painel todos os sobreviventes da sua "família" (até George O'Brien, que não víamos desde She Wore a Yellow Ribbon e se retirara em 51) Ford omitiu John Wayne. Porque neste filme não há lugar para o grande solista. O que permanece é a humanitas que os envolve a todos, índios e brancos, tanto como as colossais paisagens que os dominam. Todos os personagens (e a psicologia deles) são "engolidos" pelo espaço, dissolvidos numa assombrosa coralidade, a cada nova visão mais grandiosa e serena. Como nas grandes missas ou paixões, há lugar para solistas, mas estes só vivem em função do coro, a quem cabem os princípios e os fins, o fundo e o envolvimento.

Toda a gloriosa galeria de intérpretes do filme está neste, como os solistas no coro. São essencialmente episódicos. E os conflitos pessoais ou passionais são partilhados dum e doutro lado em função da coralidade. Já o filme parece chegar ao fim, quando surge o episódio da morte de Sal Mineo, por velha questão de ciúmes. Enxerto desnecessário? Pelo contrário, eco duma das sequências iniciais, quando Widmark e Carroll Baker, divididos pela corda do sino e pela vara, não são capazes de ultrapassar essas barreiras entre eles (Widmark recorre, como a professora, ao texto escrito para o pedido de casamento). Durante quase todo o filme (Carroll Baker acompanhando os índios), Widmark entregue à sua divisão (shakespeareanamente isolado na sequência da batalha, de pé no meio dos cavalos, "my kingdom for a horse"), os dois não se encontram. A história de amor é só uma reminiscência. Também Sal Mineo pode ficar com a mulher de Montalban e viver com ela quase todo o filme. No fim, isso não lhe será perdoado. Qualquer dessas tensões tem que se consumar.

Desta ausência dum centro psicológico, dum protagonista, proveio a desorientação de muita gente face a este filme, que alguns disseram ser feito de episódios, sem um grande fio condutor. Mas o que são as marchas dos índios, ao longo de 2.500 Km, ou a cavalgada dos brancos, senão precisamente o máximo fio condutor? Como sempre - mas aqui levado a um ponto extremo - tudo é eco e paralelo, colectiva e individualmente, os movimentos de um grupo, arrastando os de outros, morrendo personagens para outros iguais lhe sucederem. É muito no princípio que morrem Tall Tree (e a sequência da "entumulação" do velho chefe índio, com o ritual de Dolores Del Rio e a marcha fúnebre, é um dos momentos mais altos do filme) e George O'Brien, os dois chefes. Os seus sucessores (Montalban ou Malden) são idênticos. Como Pat Wayne restitui o Ben Johnson do início, como Jimmy O'Hara devolve Harry Carey Jr. Os que não morrem, ou seja os que estão presentes do princípio ao fim (e são apenas Widmark, Baker, Montalban e Dolores Del Rio) são apenas sinais de pontuação, o que é sobretudo visível na última, personagem de quem nem sabemos o nome, mas cuja força visual - figura de retórica do colectivo - é incrível, naqueles constantes planos (e a propósito, pasme-se com esse grande plano genial, três vezes repetido, na sequência da neve, de Del Rio de negro e Carroll Baker de castanho). Tudo se funde em Cheyenne Autumn e, exactamente por isso, o fondu é tantas vezes utilizado, no mais insólito (porque inusual) aproveitamento dele na obra de Ford.

Vou-me demorar agora num episódio normalmente apontado como uma das incongruências do filme: a famosa sequência de Dodge City, com Wyatt Earp e Doc Holliday revisitados por James Stewart e Arthur Kennedy. Quem tiver visto My Darling Clementine (com Fonda e Mature nos dois lendários personagens) recordará o tom mítico dessa obra e desses heróis. Vê-los aqui num saloon, a jogar ao poker com Carradine, porquê e para quê? Se se pensar duas vezes, repara-se que a ligação dessa sequência com o "resto da história" vem da entrada de Ken Curtis e do seu bando (também eles eco menor dos Clanton ou dos Cleggs passados, de My Darling Clementine e Wagon Master) na cidade, depois de escalpelizarem o índio e de matarem os búfalos. Essa sequência (a do escalpe) é das mais brutais de Ford e está lá precisamente para vermos como os americanos são cossacos. Ora, quando dão de caras com os "aposentados" Earp e Holliday, o que vai ecoar é a epopeia de outrora, vista agora de outro lado (cada história, tem dois). O que daria para um só filme (duelo de Earp com o bando cruel) é resolvido duma penada com um tiro no pé, Stewart a limpar o impecável casaco e o grande plano do charuto interrompido. A dimensão mítica é trazida ao quotidiano, a epopeia ao fait divers. Porque esses heróis, esses mitos, são agora fait divers, horseshit na tragédia colectiva onde em tempo tomaram o primeiro plano. Primeiro plano não indevido (e por isso voltam a ser grandes actores, grandes stars quem vemos nos papéis) mas primeiro plano que já teve a seu tempo (historicamente e na obra de Ford). Talvez haja nessa breve sequência tanta nostalgia do velho Oeste, como em Liberty Valance: só que até da nostalgia é tempo de nos separarmos. Como Napoleão na Guerra e Paz, os mitos são engolidos pela própria história. O movimento desta engloba-os - por isso lá estão - mas não os protagoniza.

O mesmo sucede com a imagem lincolniana de Edward G. Robinson. O Ministro do Interior tem a cabeça a política prémio e tem que se refugiar no quarto oculto para poder conversar à vontade. Nada há nele (simpático mas banal político) do mito de Lincoln. Mas é no retrato do Presidente que a sua imagem desfocada se espelha ("old friend, old friend o que é que farias?"). Como no fabuloso plano da prisão dos índios no final, os rostos só vêm a primeiro plano pelos buracos de vidro que a neve (ou a névoa) não cobre. O resto é natura.

E essa natura - em cultura dominada e só por cultura legível (pense-se no jantar com a conversa sobre Fenimore Cooper) - é a força dominante, o vértice e o vórtice de Cheyenne Autumn: a fabulosa abertura sobre Monument Valley; o inesperadamente aberto movimento da câmara sobre o bisonte assado no início; o contracampo índios-brancos quando os primeiros sabem da traição; Widmark e as estacas; a passagem do rio; a imensa panorâmica das trincheiras índias, à cavalaria (eco de Stagecoach); a carga dos índios, os céus, oh! Céus; o fogo na planície; o plano dos ossos dos búfalos; a marcha na neve; o comboio visto pelo índio; a fuga da prisão e Karl Malden entre os mortos; Victory Cave, entre tantas, tantas outras coisas de beleza inadjectivável.

Cheyenne Autumn é o filme à glória do espaço.

in AS FOLHAS DA CINEMATECA - John Ford

quinta-feira, 25 de julho de 2013



APACHE DRUMS (1951)


É claro que Hugo Fregonese iria acabar por chegar aos olhos e às graças de Val Lewton. Prova-o a sequência nocturna de Saddle Tramp - como diz o Drew McIntosh aqui -, se não o provavam já as experiências estonteantes ainda na Argentina, Pampa bárbara e Apenas un delincuente, este último "peça tão poética, tocante e dinâmica como um mudo de Hitchcock ou de Walsh". Pois bem, não se anda nada longe disso, como não se anda longe das habilidades e minúcias de um Carpenter, dessa economia e desse saber raros de fazer tanto com tão pouco.

Posso martelar no óbvio e falar já do que Fregonese, Lewton e Charles P. Boyle fazem com a luz na sequência-final, na igreja cujas portas são a primeira coisa que vemos no filme, quando as forças exteriores e interiores se batem desigualmente e desalmadamente. Vinte ou menos minutos que são tempo bastante para um desenlace impossível de tão económico, para coreografias com velas, pistolas e cadeiras, para canções e percussões de guerra, para o breu e para os vermelhos de sangue a invadir as janelas altas tão altas que impedem qualquer defesa e para os terríveis tambores que fecham o espaço e matam aos poucos a esperança. Quando ela já não existe, Sally (Coleen Gray) pede a Sam Leeds (Stephen McNally) para dizer isso mesmo aos restantes e chegam ambos à conclusão que todos os outros hão-de querer "the truth", não há final feliz que desfaça esse desespero ou faça esquecer o ter-se ido tão longe. Que estejam índios do outro lado, não interessa, que este cerco é mais que universal. Receptáculo de todas as metáforas e de todos os medos...

É lá dentro também que se batem e resolvem conflitos antigos e que se fazem provas de valor merecedoras das quatro palavras, "This was a man", do reverendo irlandês do Arthur Shields de vários filmes de Ford. É de espaços tão pequenos, lotados e cercados como este, que nasce uma cidade e é daí que se lançam as sementes de uma sociedade. Depois de muito desespero, suor e sacrifício. Há as personagens serem estereótipos e há as personagens serem arquétipos, como aqui o são.

Já no anterior Saddle Tramp havia um desenlace ambíguo em relação ao destino do seu protagonista (nesse, Joel McCrea; neste, Stephen McNally), livre ou condenado a percorrer paisagens e talvez pensando sempre na frase que assombra o Neil McCauley/Robert de Niro do Heat de Michael Mann (revisto há pouquíssimo tempo e por isso, claro, aqui citado, que Mann não é estranho nenhum a estas andanças): "Don't let yourself get attached to anything you are not willing to walk out in 30 seconds flat if you feel the heat around the corner". Essa ambiguidade talvez seja resolvida em Harry Black, fabuloso filme com um Stewart Granger nos becos mais aguçados da angústia, em que também por uns momentos parece avistar-se porto seguro para lançar amarras. Mas aí tão depressa se avistam como se perdem de vista. Sobram outras coisas. Não tão seguras mas que chegam para passar os dias...

E diz-se "venham os próximos perigos e as próximas aventuras"...

sábado, 20 de julho de 2013

"Hollywood jail"





























































Did you feel pigeonholed by the Hollywood science fiction movies? Is that why you're doing this?
Because I got fed up? Kind of.
Why did you get fed up?
I got fed up because I felt that I had done enough in that direction. And I couldn't get out anymore. Especially after the failure of "Showgirls," then trying to do something normal.
Do you still consider "Showgirls" a failure?
It was a [box office] financial failure. Ultimately it turned out not to be a financial failure at all ... with the video and all that stuff. But, at that time, of course it was a bashing on both sides. It's still the best NC-17 ever! The highest grossing.
Was there any part of you then thinking, Just give it 20 years?
I said that, I think. I said, "In 20 years, it might be different." But that didn't help for the coming years. Ultimately, at that time, they were shocked, of course, to a certain degree. They were also a bit pissed off, I think, that it was so overly sexual and so much nudity-oriented.
It was a little bit like being in Hollywood jail, as they call that. And the only way to escape from that was to go back to where people would still trust me, which was science fiction.
Ben Affleck has spoken about being in Hollywood jail.
Sure, absolutely -- and he succeeded. Very well, in fact. But I felt the same. In fact, when I was a child and was 7 or 8, I liked science fiction. It was in all kinds of magazines -- along with like the one Spielberg did, "Tin Tin" -- but Superman was there and many, many American comic books were translated into Dutch. And I grew up with that. But, there was a lot of science fiction, too. And I loved that at that time. When I became a filmmaker in my 20s, I was much more styled by the French -- Fellini, and stuff like that.
You made a Fellini reference in "Tricked."
Yes, I did. Fellini, for me, is a master in choreography. Choreography of camera and actors and how that works together -- especially in "8 1/2." Which I tried to use in "Showgirls" a lot, but nobody saw that.
I did not hear many Fellini comparisons when "Showgirls" was first released.
I mean, I know that I did it. Not that I tried to copy Fellini. But I felt like using the camera that way -- because you see it all the time on the dressing rooms -- it's all camera move. That's why people say "very elegantly shot." But when you say, "I think it's a very elegant movie," people start to laugh because they think it's filthy. I mean, at that time, those were the reviews. People were writing, "I went to see 'Showgirls' and I had to leave the theater because I had to throw up." That's how it was received.

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