quinta-feira, 28 de junho de 2012

terça-feira, 26 de junho de 2012

Brigadoon, Brigadoon...




Blooming under sable skies...

segunda-feira, 25 de junho de 2012

"É raro que um cineasta possa fazer tudo, escrever, realizar, produzir, controlar seu filme de ponta a ponta. E quando ele consegue (os exemplos existem em todos os tempos), não é ele levado a descansar sua atenção em algum canto, obrigado que é a vigiar tantas coisas ao mesmo tempo? O cineasta hollywoodiano da nossa (auspiciosa) época não tinha esses problemas: posto em ação por uma máquina bem oleada, todo o seu trabalho consistia em obedecer, a realizar o que lhe diziam para realizar, ou a desobedecer. Ou seja, para um artista perverso (ou um artesão – não importa o nome), a questão se tornava mais sutil: se tratava de fingir fazer e entregar o pedido, embora insistindo – havia a vontade, a obstinação, a sequência de idéias – em reservar para si, no interior dos limites impostos, algumas zonas francas onde poderia insinuar alguma coisa de diferente, alguns elementos do filme – considerados como menores, ou inapercebidos pelos patrocinadores – sobre os quais era possível, abrigado, sob os olhos cegos dos patrões apressados, um trabalho de toupeira, preciso, lógico, anônimo. Enquadrado de todos os lados e deixado de lado da liberdade de expressão, o metteur en scène podia, se tivesse o desejo – e é este desejo, insano, inútil e vão, um desejo por nada, um desejo por tudo, um desejo de dizer sem dizer, de fazer sem fazer, de estar noutro lugar estando ali, de se exprimir sob pressão, sob a opressão, um desejo derrisório de querer fazer obra, de querer fazer boa imagem e bom coração contra a má fortuna, um desejo de dizer, um desejo que é freqüentemente formulado por fazer um pouco mais que a parte imposta de seu trabalho, um desejo de se expor a riscos, de expor alguma parte, de arriscar alguma coisa, é este desejo que desapareceu, que desaparece do cinema – sim, o metteur en scène podia se ele tivesse o desejo – e talvez agora ele não pode mais – ele podia trabalhar no sublime, na cinzelagem de um detalhe ou na colocação de um olhar, na iluminação de um gesto ou o fluxo do diálogo, na ordenação delicada de uma cena, na menor das coisas: ele podia deixar o seu."

SETE MULHERES (1966)



por João Bénard da Costa

Nos quase cinquenta anos de carreira de Ford (1917-1966), se exceptuarmos o período da guerra (42 a 44) só houve três anos em que não se estrearam filmes seus: 1951, 1954 e 1965. Em 51, andava pela Coreia; em 54, refazia-se do "colapso" da Argosy Productions e duma grave doença; em 65 - ano do seu 70º aniversário - foi de novo a doença que o impediu de filmar quase tudo dum dos projectos que mais amou: Young Cassidy, sobre a vida do grande dramaturgo irlandês Sean O'Casey, regresso à Irlanda e ocasião sonhada para se redimir do que se considerava ser uma "culpa" antiga: ter falhado em 1936 a adaptação do mesmo O'Casey em The Plough and the Stars.

Não quis o destino que assim acontecesse. Pouco depois de iniciadas as filmagens, adoeceu gravemente e o filme foi quase inteiramente rodado por Jack Cardiff (o pouco que havia de Ford foi cortado na montagem por parecer "too sexual"). Apesar disso, o filme estreou-se com o nome de Ford no genérico, como realizador.

E quis o mesmo destino que a sua última longa metragem fosse Seven Women, aparentemente o argumento menos adequado a Ford. Um "cineasta de homens" (com a reputação de ser razoavelmente misógino) terminava a carreira com um filme onde não há qualquer papel masculino relevante; a "paisagem" era a China de 1935, ao tempo da Guerra Civil; e o filme é quase inteiramente rodado em interiores, no espaço claustrofóbico da "United Christian Missions Educational Society". Espaços claustrofóbicos já tinham sido usados por Ford, mas com grupos de homens sem mulheres. Aos Men Without Women (título de um dos seus filmes de 1930) sucediam-se as "Women Without Men". Eis o que baralhou muita gente à época, considerando que o filme pouco tinha de fordiano. E mais baralhou o facto deste católico realizador fazer um filme em que a heroína é ateia e nada acontece que desminta duas das mais terríveis asserções do filme: quando Anne Bancroft (que substituiu à última hora Patricia Neal) responde a um pio apelo à divindade (quando se declara a epidemia de cólera): "I spent years in slum hospitals. New York, Chicago - hellholes some of them. I never saw God come down and take care of anyone"; ou quando, na incrível sequência junto à àrvore, Margaret Leighton, a superiora de crenças firmes, se abre a Anne Bancroft e diz, num dos mais prolongados planos da obra de Ford, apenas isto: "I've always searched for something that... isn't there. And God is not enough". E enquanto o plano escurece cada vez mais, murmura: "God help me. He - isn't enough". E não foi. Aos 71 anos, a escuridão desse inesquecível plano e de sse inesquecível diálogo, faz pensar.

Mas as surpresas não se limitam às duas notas que aflorei de raspão. Este belíssimo e surpreendente filme (que, de novo, tanto faz pensar em Dreyer e que talvez por isso tenha as preferências de Oliveira) reserva-nos muito mais.

Para começar não há sete mulheres, mas oito: Bancroft, Leighton, Robson, Sue Lyon, Dunnock, Field, Lee e Jane Chang, a chinesa Miss Ling. Toda a gente pensou que no título Ford omitia a chinesa. Mas Narboni, numa belíssima crítica ao filme, precisamente intitulada "La Preuve par Huit" coloca uma questão pertinente: não será Bancroft a oitava mulher, o membro excluído do grupo?

Bancroft é, em si, outra das grandes surpresas do filme. Porque sendo a única que claramente assume o sexo (e pronuncia a palavra, para grande horror de Leighton, quando a acusa de no fundo censurar a Betty Field e ao marido terem praticado um acto sexual sob aquele sacro tecto), a única que conheceu o amor (e um amor "ilegítimo", por um homem casado), é a que mais baralha o estatuto ou a identidade sexuais. As "freiras" esperam um médico (e o espectador também). E vemos, em plongé, num plano geral, um vulto, vestido de homem, atravessar a cavalo a porta da missão. Sempre em plano geral, sempre longe, para manter o equívoco, in e off do filme, o vulto desmonta. Corte e grande plano da cabeça, com chaéu à cowboy, vista de trás, a olhar para casa. É só então que em grande plano se volta e a vemos de frente, percebendo que o doutor é doutora. "Are you the doctor?" pergunta Betty Field. O marido tenta diminuir-lhe a decepção e a apreensão, dizendo que pode ser tão boa como um homem. E logo Bancroft acrescenta: "Melhor".

Ao longo de quase todo o filme, Anne Brancoft - apesar de remoques vários - não tira as roupas masculinas, fuma, bebe e praqueja. O inferno (e a exclamação "hell" foi durante tanto tempo tão chocante para ouvidos americanos, que estava proibida pelos Códigos da censura cinematográfica) está-lhe sempre na boca. Noutra sequência decisiva (quando Leighton entra pelo quarto da Dra. Cartwright, cujo nome próprio, como com homens sucede, nunca sabemos), a superiora chama-lhe filha do diabo e acusa-a de ter herdado a concupiscência do dito ("the lust of your father you will do") Bancroft responde-lhe que não se interessa pela concupiscência dela e claramente diz o que o espectador já inferira (na inadjectivável sequência em que Leighton olha atentamente o corpo semi-nu de Sue Lyon adormecida, através do mosquiteiro): "You keep your hands off Emma pondo os pontos nos iis daquela recalcada relação física. A inversão é entre mulheres: a mulher-homem é a mais assumidamente feminina. E a Sue Lyon, Margaret Leighton dirá: "She is different; and difference is evil".

Pode dizer-se que Anne Brancoft descende em linha recta de muitas heroínas de Ford, ditas de moralidade duvidosa e que finalmente revelam, sem qualquer dúvida, a sua dimensão moral: Myrna Loy (The Black Watch, Arrowsmith), Claire Trevor (Stagecoach), Linda Darnell (My Darling Clementine), Joanne Dru (Wagon Master), Ava Gardner (Mogambo), para apenas citar exemplos mais revelantes. Mas todas essas mulheres, como as adúlteras de How Green Was My Valley ou The Sun Shines Bright assumiam a sua culpa, o seu pecado, e, de certo modo, expiavam-no. Anne Brancoft não tem nada disso, assume tudo: "Everything I do, I do too much". E nem sequer vacila quando, no fim, Mildred Dunnock, percebendo o intento do suicídio, lhe pede: "Please don't, it's a sin against God". A única resposta que obtém é: "Then pray for me". Se Anne Brancoft descende dessas mulheres de Ford (que ao contrário do que se costuma dizer, sempre as dirigiu de forma notável, "como Heifetz a tocar um Stradivarius", afirmava com toda a razão Budd Boetticher) descende também, e não estou a querer ser paradoxal, do mais mítico dos seus heróis: John Wayne: Como John Wayne vem do escuro carregando um passado, como Wayne se impõe fisicamente (neste caso a feminilidade em vez da masculinidade), como Wayne assume-se em tensão física e coragem moral até às últimas consequências e até às últimas sequências. E é então - e não deixo de me pasmar de cada vez que vejo isso - que Brancoft "muda de sexo"; ou seja que se veste pela primeira vez de mulher (depois do plano genial em que se vê ao espelho), nas vestes orientais: Tão bela e tão paramentada como a princesa chinesa que antes entrevíramos (num plano igualmente fabuloso cuja necessidade só então percebemos), oferece-se a Tunga Khan com a dignidade e grandeza de Yang-Kwei-Fei, a imperatriz de Mizoguchi. Prepara as chávenas com o veneno e, muito lentamente, em ritual de doação, mas com um sorriso vagamente meigo e vagamente cúmplice, dá a bebida a Mazurki: "So long, you bastard". Sem um corte, a câmara tão imóvel como ela, espera que o chinês morra (cai, desaparecendo do plano) e depois, com a mesma lentidão, bebe o mesmo veneno e atira fora a chávena. A câmara recua num movimento rápido e tudo escurece para que a queda daquele corpo fique invisível. Como Wayne na Desaparecida, sozinha veio de longe, sozinha se afasta para longe.

Depois, há aquele espantoso "septeto" de actrizes, que, todas, ou em mais pequenos grupos, na varanda da missão, na prisão, à mesa das refeições ou no quarto (às vezes com o padre, outras com a criança) perfazem das mais rigorosas, senão as mais rigorosas composições de Ford: os corpos tensos, expectantes, as linhas horizontais e verticais, as diagonais, numa geometria genial. À excepção de Anne Lee (que com Mazurki e Strode são neste filme os únicos e últimos vestígios da gente de Ford) nunca víramos em obras do Mestre essas portentosas actrizes, como Leighton ou Dunnock, como Robson ou Betty Field. E entre elas a ambiguidade de Sue Lyon, conferindo ao grupo a sua especificidade (é aliás extremamente curioso que Ford escolheu nos seus filmes finais - dando-lhe a volta - os dois símbolos mais sexy de Hollywood post-Marilyn: Carroll Baker, a ex-Baby Doll, Sue Lyon, a ex-Lolita).

Depois há aquele padre inexistente ("What kind of man am I?) que se imola em outro "suicídio" igualmente invisível; e os outros homens (os chineses) cuja presença carnal (a sequência da luta livre) esmaga teluricamente - pelo terror e pelo fascínio - aquele "last place on earth", a ilha-navio que a missão é. Olhando-os, Sue Lyon diz: "Now, I know what evil really is", frase extremamente ambígua se nos recordarmos que Leighton lhe ensinou que o mal é a diferença. Depois, há a revolta final de Mildred Dunnock, contra o último rigor-mortis de Leighton. E há as cores de LaShelle .

Mas há acima de tudo Anne Brancoft. Como Sue Lyon diz no fim: "I'll never forget her whenever I live". "O mais belo personagem de Ford" no "mais belo dos filmes".

João César Monteiro dizia que O Último Hurrah era o Gertrud de Ford. A propósito desse filme, não irei tão longe. Mas não tenho qualquer dúvida que Seven Women está algures entre Dies Irae, Ordet e Gertrud. Na cerração dos muitos grandes mistérios.

Como naquele belíssimo poema de Irene Lisboa. de Ford "a ansiedade já esgotada / tornou (lhe) o peito um lago / ou um campo aberto, fundamente cavo / Que venham novas lágrimas após tantos dias rancorosos / E com elas... / mais nada, mais nada, mais nada".

in JOHN FORD, As Folhas da Cinemateca

sexta-feira, 22 de junho de 2012

quinta-feira, 21 de junho de 2012

quarta-feira, 20 de junho de 2012



"(...) - Aquino diz: "Ad pulcritudinem tria requiruntur integritas, consonantia, claritas". Eu traduzi assim: "São necessárias três coisas para a beleza, inteireza, harmonia e claridade". Corresponderão elas às fases de apreensão? Estás a seguir o meu raciocínio?
- É claro que estou - disse Lynch. - Se pensas que eu tenho uma inteligência de excremento corre atrás do Donovan e pede-lhe que te escute.
Stephen apontou para um cesto que um empregado do talho enfiara, invertido, na cabeça.
- Olha para aquele cesto - disse.
- Estou a vê-lo - disse Lynch.
- Para ver aquele cesto - disse Stephen -, a tua mente, em primeiro lugar, separa o cesto do resto do universo visível que não seja o cesto. A primeira fase de apreensão é uma linha de delimitação em torno do objecto a apreender. É-nos apresentada uma imagem estética tanto no espaço como no tempo. O que é audível é apresentado no tempo, o que é visível é apresentado no espaço. Mas, temporal ou espacial, a imagem estética é, em primeiro lugar, luminosamente apreendida como algo autodelimitado e autocontido sobre o fundo incomensurável do espaço ou do tempo que não é essa imagem. Capta-la como uma coisa. Vê-la como um todo. Apreendes a sua inteireza. Isso é a integritas.
- Em cheio! - disse Lynch, rindo. - Continua.
- Depois - disse Stephen -, passas de ponto em ponto, seguindo as suas linhas de forma; apreendes a imagem equilibrada, parte por parte, dentro dos seus limites; sentes o ritmo da sua estrutura. Por outras palavras, à síntese da percepção imediata segue-se a análise da apreensão. Tendo-te apercebido em primeiro lugar de que era uma coisa, sentes agora que é uma coisa. Apreendeste-a como algo complexo, múltiplo, divisível, separável, constituído por partes, harmonioso no resultado das partes e na sua soma. Isso é consonantia.
- Em cheio de novo! - disse Lynch espirituosamente. - Agora, explica-me o que é a claritas e ganhas um charuto. 
- A conotação da palavra é bastante vaga. Aquino utiliza um termo que parece ser inexacto. Desorientou-me durante algum tempo. Poderia levar-nos a pensar que ele tinha em mente o simbolismo ou o idealismo, sendo a suprema qualidade da beleza uma luz de outro mundo, a ideia da qual a matéria é apenas uma sombra, a realidade da qual ela não passa de um símbolo. Pensei que ele quisesse dizer que clritas é a descoberta artística e a representação do desígnio divino para uma determinada coisa ou uma forma de generalização que tornaria universal a imagem estética, fazendo-a ultrapassar em brilho a sua própria condição. Mas isso é conversa literária. Aqui tens como eu entendi as coisas. Depois de termos apreendido aquele cesto como uma coisa e o termos analisado em conformidade com a sua forma e o termos apreendido como uma coisa, fazemos a única síntese que é lógica e esteticamente permissível. Verificamos que ele é aquilo que é e não outra coisa. A claridade de que ele fala é o quidditas escolástico, a característica de uma coisa. Esta qualidade suprema é sentida pelo artista quando a imagem estética é concebida na sua imaginação. Shelley comparou, magnificamente, a mente nesse misterioso instante a uma brasa prestes a apagar-se. O instante em que essa suprema qualidade suprema da beleza, a clara radiação da imagem estética, é luminosamente apreendida pela mente que foi impressionada pela sua inteireza e fascinada pela sua harmonia é a estase luminosa e silenciosa do prazer estético, um estado espiritual muito semelhante àquela condição cardíaca a que o fisiologista italiano Luigi Galvani, usando uma frase quase tão bela quanto a de Shelley, chamou o encantamento do coração."

diálogo de Portrait of the Artist as a Young Man, de James Joyce










Quella Sporca storia nel West (1968)

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Afinal há um novo Verhoeven antes do "novo Verhoeven"*


"When we heard that Paul Verhoeven was working on a mysterious film project that consisted of an 8-part script, composed of contributions from audience participants—accompanied with an alternate, "user-generated", version—we knew we were in for something different. So arrives the trailer for the stripped down Tricked, a film from an auteur who has thus far built his oeuvre with well known actors and sleek production value. For now the official website isn't available in English, so Wikipedia is your best bet for exposition on this so-called "Entertainment Experience"."



via MUBI

*que é como dizer: há Tricked antes de De stille Kracht

quarta-feira, 13 de junho de 2012

terça-feira, 12 de junho de 2012

STREET SCENE - 1931



There's a bluebird in my heart that wants to get out

Charles Bukowski, em Bluebird

"Sail Forth! Steer for the deep waters only.
Reckless, O soul, exploring, I with thee, and thou with me;
For we are bound where mariner has not yet dared go.
And we will risk the ship, ourselves, and all.”

Walt Whitman, in Passage to India - excerto recitado no filme por William Collier Jr.

Do tempo em que os filmes tinham pouco mais de uma hora mas nos diziam tudo. Hoje tentam-nos todos "dizer tudo", não falta realizador que o tente fazer. A diferença, para mim, é que não há em Vidor uma opinião sobre os acontecimentos, a trama parece resolver-se por si e há espaço para as coisas existirem sem segundas intenções. Posso citar as três montagens urbanas que servem de prelúdio, interlúdio e poslúdio à acção em si, que dizem que "as coisas hão-de continuar", que o mundo não pára. Ou seja, a aleatoriedade disto e nisto tudo. Podia ser qualquer outra coisa, podia ser noutro sítio, mas é isto e é aqui. Numa rua de Nova Iorque onde se desbarata e coscuvilha a torto e direito.


"A trama parece resolver-se por si" mas precisa sempre de alguém para a trabalhar. Como? Sabendo de cor o texto. O filme é uma adaptação de uma peça, a estrutura estava delineada, já, mas não saiu um trabalho académico sobre o texto. Porquê? A primeira prova de que Vidor compreende tudo o que está em causa (e que é um dos picos da sua inteligência emocional neste filme) é o regresso do miúdo a casa (antes disto e a espaços, os vizinhos diziam barbaridades sobre a mãe dele estar a ter um caso): a chorar, acabou de andar à porrada, chega e diz aos pais que ninguém lhe pode dizer aquilo, ninguém lhe pode dizer aquilo; Plano amorce, miúdo de costas, pai à esquerda e mãe à direita do plano. "O que é que ele te disse?", pergunta o pai e depois silêncio, o miúdo olha para cima, para a mãe, corta para ela, que baixa a cabeça, e depois para o pai, que percebe tudo. Triangulação soberba e em silêncio disse-se tudo. O plano na mãe é também o plano mais apertado destes primeiros vinte minutos, que quer dizer o quê, exactamente? Há controlo sobre as hierarquias e dos enquadramentos. Eles também contam estórias. Controlo sobre a cadência de tudo isso.


O encontro nocturno entre Rose (Sylvia Sidney) e Sam (William Collier Jr.) é o segundo pico da inteligência emocional de Vidor (o terceiro já aí vem). Aquela conversa nas escadas do prédio. Ele só pensa nela. Vai tudo para dentro dormir e estão lá eles, um para o outro, a falar. Da prisão que é aquele mundo, da felicidade que afinal é tão simples, só é é preciso arriscar um bocadinho. Não dizem tudo porque são interrompidos, primeiro pelo vizinho que está à espera do médico e depois pelo pai de Rose (o mesmo pai de há bocado), que a quer em casa. E levantam-se. Ele pede-lhe um beijo de boas noites e ela dá-lho. E caia eu aqui sem sentidos se não é o beijo mais terno da história do cinema. "You wait and see. You're gonna do big things, someday, i got lots of confidence in you". Jura de amor de seres tão frágeis, seres humanos que só vêem beleza à frente dos olhos. E que são esmagados pelo turbilhão que é a cidade de Nova Iorque...


Terceiro pico: (Até aqui já se anunciou várias vezes que ia haver desgraça, das más línguas às cordialidades mordazes entre vizinhos) Vai tudo ao trabalho. O pai disse no dia anterior que ia numa viagem de negócios. Entra uma violinista no prédio. Steve, o amigo da mãe, circunda as redondezas e esta chama-o da janela porque quer falar com ele. Entra e Sam sai, ao mesmo tempo. Ouve-se um violino a ser afinado. Sam vê a mãe de Rose a fechar a perciana e vai-se sentar, pensativo, nas escadas. O violino começa a tocar, acompanhado ao piano, um prelúdio de Chopin, que se mistura com as rotinas diurnas do bairro. "Olás" e carros, "entrares" e "saires", falatório e vendas de rua. A música pára e há um grande plano de Sam, horrorizado, quando vê o pai a voltar ao prédio. O mundo desaba e esta pequena divagação musical era a calmia absoluta que antecede qualquer desgraça. E esta foi criada apenas por maus olhados e desconfianças. Porque não se chega a saber se a mulher andava a trair o marido ou não. 


Outro apontamento, não sei se foi a cópia que eu vi, mas até faz sentido porque o sonoro estava a começar nesta altura (o filme é de 31), mas o som do filme por ser especialmente rudimentar, tem um efeito demolidor. Quando o miúdo (o irmão de Rose) vem de patins pelo passeio logo no princípio do filme e atravessa a rua, forma-se logo uma sensação de grande instabilidade e desconforto. Uma brusquidão que parece dizer que qualquer coisa de terrível pode acontecer a qualquer momento. Os patins no chão, as buzinas, as obras e já muito no fim, os tiros em off. Coisas que doem, mesmo.


A coisa não acaba bem, é um pré-código, mas é justo o final que diz que "o tempo dirá". "Loving and belonging aren't the same thing": O último sacrifício de Rose, a rapariga que se fez mulher pelas circunstâncias, depois de ter perdido tudo...


E fica tanto por dizer...
Está aqui, inteiro.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

quarta-feira, 6 de junho de 2012

sexta-feira, 1 de junho de 2012


Killer Joe está no 2º pote das estreias mais esperadas de 2012, neste espaço. No primeiro: Low Life (Gray), The Master (Anderson), O Gebo e a Sombra (Oliveira), Holly Motors (Carax), Like Someone in Love (Kiarostami) e Vous n'avez encore rien vu (Resnais). Também no segundo: O Cavalo de Turim (Tarr), Outrage (Kitano), Expendables 2 (West) e To Rome With Love (Allen). No terceiro: Piranha 3DD. Pretende-se, além de esperar tudo isto, ignorar com muito afinco os novos filmes de Michael Haneke, Christopher Nolan e Walter Salles. Talvez se vá ver o Cosmopolis esta semana. E cruza-se os dedos para que isto seja verdade.

"Chama-lhe Sorcerer e já está"



















Uma cena que vale por uma obra inteira. Um camião a atravessar o rio. Só isso. Mas só isso, não, que "isso" são para aí sete minutos de chuva a cair, madeira a ranger, camião a balançar, cordas a ceder, rio a rebentar e grão a resvalar por todo o lado. Daquelas travessias que dizem que a natureza de perto não é flôr que se cheire, que diz-se muito o contrário hoje em dia, mas é no conforto do lar. Aqui é tudo sujo e imundo. Sangue, suor, lágrimas e dinamite. Lama, pedras, troncos e correntes. E a partir dos 40 ou 50 minutos - que a coisa demora muito a arrancar - tudo pode detonar a qualquer momento. E somos brindados com a lembrança de que os Tangerine Dream já foram uma banda, um dia. A cereja no topo do bolo.

Provavelmente não é verdade (não é, mesmo) mas se calhar também não é importante. Eu quero acreditar que é verdade. Foi-se para Israel e inventou-se uma nota de intenções rebuscada para a produção pensar que se sabia o que se estava a fazer e no fundo só se queria era filmar dois camiões a desbravar mato. E desse princípio, fugiu-se às matrizes e buscas da época; porque não, não era mais um filme da "trupe" dos movie brats. Era outra coisa, uma vontade mais pessoal, mais genuína, de não fazer um quadro paternalista de "forças do destino" e de verdades baratas sobre a condição humana. Arriscar tudo sem esperar nada em troca. Vagabundear pelo terceiro mundo com uma câmara às costas. "um filme para eles, um filme para mim. E este é para mim. Chama-lhe Sorcerer e já está".