segunda-feira, 28 de junho de 2010

Abba Zaba



Song before song before song blues / Babbette baboon (2x) abba zabba zoom / To shatter the noon Babbette baboon (2x) / Comin' over pretty soon Babbette baboon / Run run catch her soon doctor dawn sunshine on Babbette baboon / Mother say son she say son you can't lose with the stuff you use / Abba Zabba zoom Babbette baboon (2x) / Run run morning soon Indian dream tiger moon / Yellow bird fly high go battle sky to shatter the moon / Babbette baboon gonna catch her soon Babbette baboon / Song before song before song blues / Babbette baboon abba zabba zoom (2x) / To shatter the noon abba zaba zoom / Gonna zaba her soon / Babbette baboon abba zabba zoom (2x) / Gonna catch her soon....

Simplesmente Lars



Lars von Trier nasceu a 30 de Abril de 1956, em Copenhaga. Fosse esse o pior dos seus pecados, mas não, resolveu tornar-se realizador (Ah, o horror, o horror...), resolveu transbordar os ecrãs e os festivais com as saladas saloias disfarçadas de arte que são os seus filmes. Ele nasceu, aliás, para provar que nem tudo o que é recebido e aplaudido em festivais é Cinema e que nem todo o realizador é autor - ele não é só a meta, é a partida e o caminho da decadência artística, é símbolo máximo da podridão cinematográfica e da pobreza mental. Se Trier é Cinema, eu não gosto de Cinema, se Trier é Arte, eu vou ali e já venho.
E tudo começou com a trilogia da Europa, depois veio a "Golden Heart" e a "USA", tudo catalogadinho e explicadinho pelo Trier em pessoa. Estas trilogias temáticas aproximam-no, aliás, de um Rossellini, não tenho dúvidas. Anticristo seria o primeiro filme da "trilogia do olho do cú" - perdão, perdão, do olho do ânus - profundíssima e extenuante viagem ao centro (ao cerne, diria até) de todo o ser humano, a viagem é árdua, sim, mas o deleite e o prazer são sem fim. Começar um filme com uma PIÇA a ir e a dar, em SLOW MOTION e ao som de, não, não, Handel (HANDEL, a audácia, a audácia!!) e acabá-lo no cimo do monte de forma perfeitamente apoteótica, em sintonia com tudo, faz-nos pensar que talvez Trier tenha razão, talvez. Talvez a Mulher não seja tão boa rês como se pinta, senão não calçava os filhos ao contrário, é que quer dizer isso não se faz, não é? E, cereja no topo do bolo, a tesourada ao CLÍTORIS, não fosse Lars von Trier o cineasta da ruptura (ZUC, já está!). Artística, metafórica e literal. FENOMENAL! O artista tem nome: LARS VON TRIER...

Mas eu sou muito esquisito, não liguem..

"Por amor de Deus, o artista é um bom artista, não havia necessidade.." (Diácono Remédios, provedor da Herman Enciclopédia)

"Longa sessão terapêutica de um casal - refugiado no "Éden", claro - para tentar distinguir a sexualidade da culpabilidade que no prólogo lhe foi associada (por negligência "orgástica", digamos), "Anticristo" vive de psicoterapia sobre-explicada, diálogos cheios de retórica (profundamente maçadores) e cenas de sexo agressivo. Começa como Bergman, aproxima-se de Cassavetes, rouba ideias (a bruxaria ligada ao desejo feminino) a um velho filme dinamarquês (o sublime "A Feitiçaria Através dos Tempos", de Benjamin Christensen, que von Trier obviamente conhece), acaba à tesourada tipo Oshima. Pena já não estarmos em 1975. "Anticristo" não é um filme feito para se ver, é um filme feito para se falar sobre ele. Oferece a cana, o anzol e o isco: tem imenso para "interpretar", fará furor em sessões com "debate".." (Luís Miguel Oliveira)

Leitura recomendada: "O mau gosto reina" / "o pior realizador do mundo", ou, "prontos", críticas positivas ao filme: Anti-cristo / "Anticristo": o último reduto / Anticristo (2009)

sábado, 26 de junho de 2010

"The Grapes of Wrath" - 1940



Introdução
Se bem que não seja, de todo, dos meus filmes preferidos de John Ford1, The Grapes of Wrath é um filme cuja importância e qualidade (estética, formal) não pode ser posta em causa. Para os americanos tem um valor incalculável, foi mesmo um dos primeiros 25 filmes a ser seleccionado para preservação pela Biblioteca do Congresso, em 1989 e é ainda hoje uma intensa reflexão sobre as feridas do pós-Grande Repressão e os receios do pré-Guerra, quando se sentia a sua iminência.
A esse propósito exploro a noção de compromisso que penso ter existido ao fazer o filme e que, no fim de contas, permitiu que um realizador da ala direita fizesse a adaptação de uma obra de um escritor da ala esquerda2. O filme acaba por não se poder catalogar como de esquerda ou de direita, sobretudo por representar os sentimentos completamente genuínos de uma família a passear pelo abismo da pobreza, da fome e da morte.
Ford sempre preferiu os cenários naturais aos de estúdio e isso oferecia características documentais e realistas aos seus filmes e nem é preciso citar Monument Valley, basta lembrarmo-nos da Irlanda de The Quiet Man. Mas em The Grapes of Wrath ao naturalismo opõem-se também aquelas sombras e escuridão aterradoras e, às vezes, até fantásticas. É muito interessante esta aparente contradição.
John Ford disse a Cecil B. DeMille numa reunião da Directors Guild que fazia westerns3 e essa pequena frase fez passar a ideia , que continua a ser alimentada um pouco por toda a crítica, de que ele só fazia westerns. É que pensando assim, o que seriam filmes como Donovan`s Reef, How Green Was My Valley?, o já citado The Last Hurrah ou este The Grapes of Wrath?
Um compromisso histórico e social - uma renúncia (à) política:
My eyes have seen the glory of the coming of the Lord,
He is tramplig out the vintage where the grapes of wrath are stored
Antes de mais, e situemo-nos por um instante nos anos idos de 1939 e 40, anos gloriosos em Hollywood, ressalvo o facto de terem sido Darryl Zanuck e John Ford a adaptar a maravilhosa mas radical obra de John Steinbeck. Houve um certo desconforto da parte do produtor em associar o seu nome ao comunismo explícito da obra e era (e ainda é) muito curioso que tenha sido um republicano ferrenho a realizar a adaptação fílmica da importantíssima obra de Steinbeck. documento vivo da Grande Depressão.
O que se supõe desta estranha conjuntura, apesar de achar que a obra de Ford foge a demagogias políticas, é que haja uma consciencialização política, sim, mas acima de tudo humana, em relação aos tempos em que se viviam, no mesmo ano em que Chaplin, por exemplo, usou o burlesco como arma anti-nazi e pela altura em que Lang assinou a trilogia judicial (Fury, You Only Live Once e You and Me, todos com Sylvia Sidney). O comunismo, aliás, às portas da segunda Guerra Mundial e muito ironicamente, era bem visto e não perseguido, é um aparte que não resisto a fazer notar. Nunca é demais fazer notar a hipocrisia que reinava (e reina, ainda) em Hollywood.
O filme é muito diferente do livro, quanto mais não seja pelo seu final, negríssimo e controverso no livro e encorajador no filme. Há toda uma poética e uma brutalidade que não me parecem passar para o grande ecrã mas que estavam presentes no livro.
A obra de Ford foi um sucesso em 1940, Henry Fonda e a família (os “Joads” do filme) abarcavam em si uma espécie de consciência comum e todos os medos e receios de uma geração. É um filme importantíssimo para compreender tanto o Cinema americano como a própria América e suas convulsões e atribulações, marcando um passo importante tanto na representação de personagens adultas, maduras e em constante reflexão, como daqueles que dizia Godard serem os grandes temas, de Lang a Wilder.
A feitura do filme via-se como necessária e não se duvida por um só momento que Ford ou qualquer outro dos envolvidos (a fotografia diz tanto, mas tanto, nunca sendo apenas um utensílio ou um instrumento cénico, Henry Fonda é assombroso e os diálogos perfeitamente memoráveis e secos - conscientes) acreditavam naquilo que diziam, faziam e mostravam no filme. São de ressaltar, por exemplo, os monólogos de Tom Joad (Henry Fonda) e Ma Joad (Jane Darwell): quando dizem que “vão estar lá” ou que “são o povo” tocam qualquer pessoa, emocionalmente. De repente, aqueles personagens atingem um altar quase mítico, heróico, pois carregam às costas toda a raça humana. Como o povo que não mais deixará de existir e persistir, também Tom e Ma Joad persistirão na memória colectiva (pelo menos, a americana) e na cultura popular. São símbolos máximos dela.
E The Grapes of Wrath é um filme partidário, sim, mas da Humanidade.
Um documentário expressionista:
É muito comum, em filmes de John Ford, ver paisagens abertas, planos longos; sempre que possível, Ford descarta o diálogo em prol da imagem respeitando a integridade do plano, do enquadramento. Em busca de uma representação naturalista, quase documental, do Homem e do espaço4 que o rodeia, dum mundo não fabricado mas captado e o mais real possível.
As filmagens em exteriores muito contribuíam para este realismo, para este “documentarismo” fordiano que nada tem de documental por ser fordiano, os olhares e os gestos de Fonda (e não só), as sombras e as luzes impedem-no. O que surge desta dualidade é uma documentação fantástica do real, um documentário expressionista que um Lang, por exemplo, não desdenharia. A realidade é, em momentos emotivos, distorcida pela câmara de Ford, a fotografia de Gregg Toland e a interpretação de Fonda – a sequência inicial à luz das velas é disso um perfeito exemplo, quão horríveis não são as reacções de Muley (ah, aqueles olhos de terror) e a sua estória.
É por esta altura que se descobre que o Governo, ou antes, ninguém mas uma ameaça invisível, usurpa as terras de todas aquelas famílias de Oklahoma, obrigando-os a abandonar as terras. E aqui se vê o poder que a terra tem em três personagens, endoidecendo-as ou prendendo-as ao natural, mesmo. É este amor desmedido à terra que obriga Muley a ficar, o avô a não conseguir partir e a avó a não conseguir chegar. Que se transmite como?
Ford saberá5 mas passa provavelmente pela mitificação e exaltação desses espaços abertos e do seu poder hipnótico nesses três personagens, aquelas panorâmicas lentíssimas e desoladoras e a sedução dos planos fixos da paisagem. Voltando a Tom e Ma Joad, que são as mais importantes personagens do filme – é aliás a sua relação e amor que mantém a família unida – vivemos muitas das suas profundas tristezas através do retrato cru das suas experiências complementado pelas suas emotivas reacções (plano geral vs. Plano pormenor), seja através de transições subtis de ângulo de câmara e de mudança de intensidade de luz (a técnica ao serviço da arte, nunca o contrário). A acção e a reflexão, o acontecimento e a sua respectiva reacção emotiva e, claro, isto não acontece apenas em The Grapes of Wrath,mas também em The Searchers, creio eu com ainda mais intensidade. Ford era um arquitecto6 que trabalhava tanto com a maior das montanhas ou o maior dos desertos como com a mais expressiva face humana, os mais expressivos olhos. E não será o Cinema de Ford uma tentativa de equiparar o grande ao pequeno, o real ao fictício?
The Man who Shot Liberty Valance era precisamente sobre isso, um estudo corrosivo sobre a verdade e a lenda – e aquelas personagens têm tanto que se lhe digam – when legend becomes fact print the legend. Falar sobre dualidades em Ford era tarefa assaz trabalhosa e ingrata, pois tudo em Ford parece ter o seu negativo ou o seu complemento, às vezes os dois ao mesmo tempo. Tom e Ma Joad complementam-se e unem os outros, o ex-padre Jim Casy é quem baptiza Tom Joad e por duas vezes: primeiro baptizando-o, mesmo, e depois fazendo um baptismo simbólico – é por Casy que Joad diz aquelas belíssimas palavras finais e por quem abandona uma família para proteger outra mais numerosa. Que seja o segundo baptismo, o revelador, por um padre que desistiu de ser padre, é simbólico, parece-me (não é sob a alçada da religião, do Cristianismo, ou de Deus, que Joad “vê a luz”, mas através do Homem). Joad e Casy, no fim do filme, tornam-se um e o mesmo, espiritualmente.
Um Ford atípico?
The Grapes of Wrath é tão atípico e típico como qualquer outro Ford porque a sua comparação se faz, não pelo género mas pelo autor. Assim, não há filme mais fordiano que este. Que se tenha perpetuado o mito (lá está o mito, outra vez) que Ford fazia apenas westerns, não só por sua culpa mas também pela de alguns críticos7, é muito injusto. O que passa de filme para filme não é Monument Valley ou John Wayne mas a repetição de temas, entre os quais a existência de dualidades de que já aqui se tratou: Passado/Progresso, Verdade/Lenda, Documentário/Expressionismo e nunca, mas nunca cowboy/índios como muitas vezes se pensa e diz, estupidamente.
Que têm Ethan Edwards e Tom Joad de tão diferente? Ambos regressam a uma casa desfeita e ambos a tentam reconstruir, ambos partem e ficam destinados a wander forever beetween the winds. A Tom Joad não se fecha porta alguma e há na sua partida muito mais liberdade. Aprisiona-se num destino com rumo, sim, mas sem família. Edwards não tem rumo nem família, é mais infeliz, talvez.
Nada de diferente há na ameaça social invisível que atormenta os Joads, nada de diferente na inadequação dos personagens àqueles tempos, ao progresso, em relação a outros filmes do cineasta. Os temas crepusculares são tipicamente fordianos os motivos e os personagens tipicamente fordianos, também.
Apesar de não equiparar Ford a um Hawks ou um Ozu (e quantas semelhanças há entres estes três), reconheço que em Ford não há incongruências nem inconsistências estéticas ou formais. É um autor porque outra coisa não sabia ser...
Conclusão:
The Grapes of Wrath é um dos filmes mais representativos de John Ford, um compromisso político histórico, com enormes ambições humanistas e sociais, sempre cumpridas. É um documentário expressionista de enorme valor e, quiçá, filme arquétipo do neo-realismo.
Símbolo de uma geração e que ultrapassa gerações, The Grapes of Wrath é um prodígio de filme que deve ser visto e revisto até à exaustão....
1. Esses, são My Darling Clementine, The Last Hurrah e Fort Apache – coisas de um tempo saudando um outro tempo, chamam-lhes crepusculares. Fonda e Tracey como homens que já não se podem suportar existir, esmagados pelas garras dementes do progresso.
2. Referência ao início da crítica de Roger Ebert para o Chicago Sun-Times: “John Ford's "The Grapes of Wrath" is a left-wing parable, directed by a right-wing American director”.
3. “My name is John Ford, I make westerns. I don`t think there`s anyone in this room who knows more about what the American public wants than Cecil B. DeMille – and he certainly knows how to give to them... But I don`t like you, C.B. I don´t like what you stand for and I don`t like what you`ve saying here tonight”, foi o que disse Ford quando DeMille e uma facção da Directors Guild o tentaram persuadir a demitir Mankiewicz, então presidente da Guild, por simpatias comunistas.
4. “Não faria um western nos cenários dos Estúdios.. Penso que poderemos dizer que a verdadeira estrela dos meus westerns foi sempre a paisagem”, palavras de Ford que, por acaso, são sobre os seus westerns, mas que podiam ser sobre, quiçá, qualquer dos seus filmes.
5. “Quando um filme é bom, tem muita acção e pouco diálogo. Quando conta a sua história e revela as personagens numa série de imagens simples, bonitas e activas, e fá-lo com o mínimo de diálogo possível, então o meio do cinema está a ser usado no seu melhor” - palavras de Ford que, de resto, vão de encontro a o que um Welles ou um Bresson defendiam: a procura que o Cinema tem de perpetuar pela sua especificidade, fazer-se valer por si só.
6. “It is wrong to liken a director to an author. He is more like an architect, if he is creative. An architect conceives his plans from given premises-- the purpose of the building, its size, the terrain. If he is clever, he can do something creative within these limitations.” - mais uma frase Ford, aqui a atacar a teoria do autor.
7. “Não sendo um western ou um filme de guerra, é muitas vezes olhado como um objecto “atípico” ou “secundário” na trajectória de John Ford”, disse João Lopes sobre The Last Hurrah, aquando do seu lançamento em DVD.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Words of Advice for Young People




Well here are a few simple admonitions for young and old. / Never intefere in a boy-and-girl fight. / Beware of whores who say they don't want money. / The hell they don't. / What they mean is they want more money. Much more. / If you're doing business with a religious son-of-a-bitch, / Get it in writing. / His word isn't worth shit. / Not with the good lord telling him how to fuck you on the deal. // Words of advice for young people? / If, after having been exposed to someone's presence, / You feel as if you've lost a quart of plasma, / Avoid that presence. You need it like you need pernicious anemia. / We don't like to hear the word "vampire" around here; / We're trying to improve our public image. / Building a kindly, avuncular, benevolent image; / "Interdependence" is the keyword / "Enlightened interdependence" // Life in all its rich variety, take a little, leave a little. / However, by the inexorable logistics of the vampiric process / they always take more than they leave // Now some of you may encounter the Devil's Bargain, / If you get that far. / Any old soul is worth saving, / At least to a priest, / But not every soul is worth buying. / So you can take the offer as a compliment. / He tries the easy ones first. / You know like money, / All the money there is. / But who wants to be the richest guy in some cemetary? / Money won't buy. / Not much left to spend it on, eh gramps? / Getting too old to cut the mustard. // Well time hits the hardest blows. / Especially below the belt. / How's a young body grab you? / Like three card monte, like pea under the shell, / Now you see it, now you don't. / Haven't you forgotten something, gramps? / In order to feel something, / You've got to be there. / You have to be eighteen. / You're not eighteen. / You are seventy-eight. / Old fool sold his soul for a strap-on. / Words of advice for young people?

terça-feira, 22 de junho de 2010

Salò(ios)

  • That movie is not fine. The ending word lies!!! But seriously it is a good film if you can apreciate it however I can't and find it a little bit sick
  • "FINE" is Italian for "The End" you fucking retard

segunda-feira, 21 de junho de 2010

"Bitter Victory" - 1957


Ray, outra vez...

Entre pesquisas e visitas, deparei-me com isto, análise (carta de amor, diria) de João Bénard da Costa a um filme que, nos últimos tempos, e de maneira quase tão profunda como "Only Angels Have Wings", me marcou irreparavelmente... Na altura confundiram manifestações complexíssimas de emoções com falhas narrativas. Sobre honra e desonra, sobre coragem e cobardia, sobre distâncias e escorpiões. Sobre três pessoas: David Brand, Leith e Jane Brand...



"De novo Jean-Luc Godard reaparece nas minhas histórias.

Já amava – tanto e tanto – Nicholas Ray. Já tinha visto muitas vezes Johnny Guitar. Mas ainda não tinha visto Bitter Victory, com estreia mundial no Festival de Veneza de 1957, em Setembro, mas só apresentado em Portugal em Maio de 1958, no Éden, quando me veio parar às mãos o número 79 (Janeiro de 1958) dos Cahiers du Cinéma. Nesse número, saiu, por baixo de uma fotografia de Richard Burton (grande plano da cara, com o deserto em fundo e um par de botas ao lado), o texto que se chamou Au-delà des étoiles, «crítica» a Bitter Victory de Nicholas Ray, filme que, na mesma edição, Godard considerou o melhor de 1957.

Era esse texto, era, o que começava assim:

«Havia o teatro (Griffith), a poesia (Murnau), a pintura (Rosselini), a dança (Eisenstein), a música (Renoir). Agora, há o cinema. E o cinema é Nicholas Ray.»

Lembro-me que li esses versos - talvez os que mais citei e recitei em vida minha – no dia em que fiz 23 anos. Tive de aguentar quase quatro meses até os poder confrontar com o modelo e até poder repetir, em conhecimento de causa, «não é cinema, é melhor do que o cinema». Depois – nestes quase quarenta anos decorridos – quantas vezes revi eu Bitter Victory, quantas vezes escrevi sobre ele? Não sei. Mas sei seguramente que é o filme de Nick Ray que melhor conheço (depois de Johnny Guitar), que é o filme de Nick Ray em que mais reflecti e sobre que mais escrevi (mais do que Johnny Guitar), e que é o filme de Nick Ray a que, subjectiva e subterraneamente, mais coisas me ligam.

Dele, apetecia-me poder dizer o que Truffaut disse de Johnny Guitar. «Este filme teve mais importância na minha vida do que na vida de Nicholas Ray.»

Mas sei demais para o poder dizer de coração ao pé da boca. Bitter Victory, primeiro filme de Ray longe de Hollywood (co-produção franco-alemã, rodada na Líbia com um fortíssimo investimento da Columbia), foi o filme com que Ray sonhou voltar a casa triunfante, para que não mais se repetissem azares como os que havia conhecido na sua obra precedente (The True Story of Jesse James). Em vez disso, só conheceu raivas e desesperos. Apesar dos ditirambos dos Cahiers, Bitter Victory foi um flop e o que se passou durante a rodagem contribuiu, mais do que todo o passado, para lhe arruinar uma reputação que, na América, já não era famosa. Gavin Lambert, um dos argumentistas, contou que, quando o reencontrou em Paris, no fim das filmagens, Ray vinha destruído. «Destroçado, traumatizado. Visivelmente, tudo tinha sido horrível. Estava num momento crucial da vida e o desastre acontecera. Os problemas com o álcool... Foi também quando começou a drogar-se muito. Se o filme tivesse corrido bem, toda a vida dele teria sido diferente.» Recordo que Nicholas Ray filmou Bitter Victory aos 45 anos.

Mas foi Truffaut quem falou, a propósito de Nick Ray, dos «grandes filmes doentes». Essa marca da doença, como a da crise, a do malogro, são o cerne da grandeza da obra do homem que, neste mesmo filme, pôs na boca de Richard Burton o verso de Walt Whitman: «I always contradict myself.» E eu julgo que Bernard Eisenschitz viu bem quando, na monumental obra sobre Nick Ray Romain Américain: Les Vies de Nicholas Ray (publicado em 1990, onze anos depois da morte do realizador), escreveu que o que levou a esses extremos de subjectividade sobre ele foi exactamente o ponto extremo de subjectividade em que ele próprio se colocou. Por um lado, no cinema mais moderno, o retorno ao que havia de fundamental no estilo clássico: a autonomia interna do plano e o choque da sucessão deles, para, desta vez, citar Straub. Por outro, o que podia ser «mais do que cinema», ou seja, a relação que ele sempre viu entre este e o inconsciente e que o levou a dar à improvisação – no melhor e no pior – lugar enorme. «Em Hollywood, dizem-nos que tudo está no script. Mas se tudo está no script, porquê e para quê fazer o filme?» «Com Bitter Victory, começa a formular-se a aproximação ao cinema como meio de expressão total. Não sendo Eisenstein e ignorando tudo dos eruditos processos especulativos deste, Nick Ray só o pôde fazer arriscando tudo o que sabia, cedendo em certas passagens para avançar noutras, perdendo o controle. Bigger Than Life, o filme que teria podido ser Jesse James, Bitter Victory, Everglades são filmes de derrapagem, tanto na medida em que são filmes sobre personagens em derrapagem – paranóia, desejo de morte, histeria – como porque a construção deles segue esse mesmo movimento.» (Eisenschitz).

Volto a mim e ao filme, para explicar melhor. Em 1958, eu vi Bitter Victory inteiramente do lado do Capitão Leith (Richard Burton), o mais novo dos dois protagonistas masculinos. Arqueólogo inglês, vivera, muito antes da acção do filme, uma história de amor com Jane (Ruth Roman), que conheceu numa visita ao British Museum, numa tarde em que falaram de estátuas egípcias e assírias. A 25 de Agosto de 1939, no mesmo British Museum, essa história rompeu-se. Foi ele quem a rompeu, incapaz do salto no desconhecido que a paixão necessariamente implica. Teve medo e fugiu.

Reencontraram-se três anos mais tarde, em Bengazi. Jimmy Leith era, agora, capitão do exército inglês e tinham-lhe confiado perigosíssima missão, sob as ordens do major Brand (Curd Jurgens). Na mesma noite, num night-club da cidade, descobre que Jane casou com o major e é agora Mrs. Brand. Quando ficam sós, Leith, como Johnny Guitar, exprime ciúmes tardios e injustos. «Todos temos a memória curta, não temos?» «A guerra é tão dura como o amor.» Mas cala-se quando Jane lhe pergunta: «Jimmy, porque é que não ficaste?» ou quando ela lhe explica que casou com Brand porque «he stand», porque ele, ao contrário de Jimmy, não é homem para desistir ou fugir.

Passado esse prólogo, em que ficamos a saber do passado (um passado à Casablanca, só que foi o homem quem fugiu e não há flash-back), Brand, Leith e os seus homens partem para a missão. Brand porta-se sempre como cobarde. Leith é desmedidamente, romanticamente, herói. Como não estar do lado dele, do lado desse Richard Burton «terno guerreiro», novo demais na terra (embora ruínas do século X sejam demasiado modernas para ele), imponderavelmente belo e imponderavelmente comovente? Apesar dos comportamentos de malogro, como nessa noite no deserto («when or what») em que matou os vivos e salvou os mortos, como ele próprio diz. Do lado dele, não estive só eu e a generalidade dos espectadores. Todos os homens da companhia o amavam também, tanto quanto odiavam Brand, que nem sequer é capaz de assumir a antiga história entre a mulher e o subordinado e nem sequer é capaz de deixar claro que se vinga por ciúmes.


Até ao dia – sempre o deserto – em que Brand viu, distintamente, o escorpião que avançava na areia, em direcção à perna de Leith, adormecido. E não disse nada, nem fez nada. Picado pelo escorpião, Leith passou a ser um morto a prazo, e Brand um chefe cada vez mais desrespeitado e desprezado.


Por fim, Leith sucumbe. Deitado no chão, podre de gangrena, diz a Brand que, se ele não tem coragem para o matar, ao menos não o tente salvar. Depois, vem a tempestade de areia. E é durante ela que Leith brada o «I always contradict myself», quando cobre com o corpo agonizante o corpo do rival e assim lhe salva a vida, enquanto perde a dele.

Tudo do lado de Leith? Só muito mais tarde e muito mais velho, reparei melhor no assombroso diálogo entre os dois homens, antes da tempestade. Depois de ter chamado cobarde a Brand, Leith vai mais longe: «You’re not a man, but an empty uniform, standing by itself.» A câmara faz então uma leve panorâmica sobre o pesado corpo de Jurgens e este responde: «Yes. But I stand.» De novo, a câmara se volta para Burton, que olha o outro, espantado, e fica em silêncio algum tempo (só o vento, só o vento na banda sonora). 

Depois, muito devagar, em grande plano, filmado em plongée, Leith responde: «Yes... Yes...
You stand... And, for the first time, I have some kind of respect for you. You’d better go.» Jurgens pergunta-lhe: «Anyone to notify?» «Mrs. Brand», responde, lentamente, Leith. «Diga-lhe que ela tinha toda a razão e eu não tinha nenhuma.» O vento volve-se em tempestade, Leith salva Brand e fica, no fim, o plano de Leith morto (o mais belo dos planos) com o vento nos cabelos.

Quando os sobreviventes da missão regressam a Bengazi, Brand informa Jane da morte de Leith. Mas, quando ela lhe pergunta se ele, antes de morrer, disse alguma coisa, o marido mente e não transmite a mensagem. Ou seja, deliberadamente oculta o que lhe podia servir de reabilitação, recusando-se a que a sua imagem seja recuperada pela mensagem póstuma de Leith. Diante dos homens e diante da mulher, assume o lado vil. Retira a condecoração que lhe deram e pendura-a num manequim, o tal uniforme vazio. Quem assim se obscurece, ilumina-se, como se iluminou para Leith, quando, ao desejo de morte e de desastre deste, opôs o desejo de vida e de vitória seu. Demorei anos a perceber que «eu fico» pode ser a coisa maior que um homem ou uma mulher tem para dizer ou para dar. E que, apesar de todas as aparências, Brand é um personagem mais forte do que Leith.

Como Godard dizia: «O que é o amor, o medo, o desprezo, o perigo, a aventura, o desespero, a amargura, a vitória? Qual é a importância disso quando olhamos as estrelas?»


Bitter Victory é um filme que nunca se substancia nem se substantiza. Tem o mais portentoso diálogo da história do cinema e as palavras não dizem nada. Tem a mais bela música de filme que alguma vez vi (Maurice Le Roux) e aquela música é um enigma. Tem a voz de Burton, o olhar de Burton, a beleza de Burton e talvez em coisas tão belas não esteja o essencial.

Não sei se é um filme para além das estrelas, como Godard dizia. Mas, nas noites e nos desertos cinemascópicos, a preto e branco, entre um homem que morre e um homem que fica, ambos perdidos no espaço sôfrego do grande formato, é um filme sobre qualquer coisa muito grande, situada muito longe. Foi ao vê-lo – é a vê-lo – que pude e posso perceber o que será esse de profundis donde clamamos para Ti."

Já não era sem tempo...



domingo, 20 de junho de 2010

O cómico e o trágico...


"Numa destas últimas noites vi na televisão alguns filmes antigos de Chaplin, a saber, dois ou três episódios nas trincheiras da primeira guerra mundial e um filme mais extenso, "The Pilgrim", que retoma, com menos felicidade que noutros casos, o tema recorrente de um Chaplin sem culpas procurado pela polícia. Não sorri nem uma única vez. Surpreendido comigo mesmo, como se tivesse faltado a uma jura solene, dei-me ao trabalho de tentar recordar, tanto quanto me seria possível oitenta anos depois, que risos, que gargalhadas me terá feito soltar Chaplin nos dois cinemas populares de Lisboa que frequentava quando tinha seis ou sete anos. Não recordei grande coisa. Os meus ídolos nessa época eram dois cômicos suecos, Pat e Patachon, que esses, sim, eram, para mim, autênticos campeões da gargalhada.
Continuando a reflectir com os meus botões, sempre bons conselheiros porque em princípio não mudam de casa nem de opinião, cheguei à inesperada conclusão de que Chaplin, afinal, não é um cômico, mas um trágico. Repare-se como tudo é triste, como tudo é melancólico nos seus filmes. A própria máscara chaplinesca, toda ela em branco e negro, pele de gesso, sobrancelhas, bigode, olhos como pingos de alcatrão, é uma máscara que em nada destoaria ao lado das representações plásticas do actor trágico. E há mais. O sorriso de Chaplin não é um sorriso feliz, pelo contrário, aventuro-me a dizer, sabendo ao que me arrisco, que é tão inquietante que ficaria bem na boca de qualquer drácula.
Se eu fosse mulher, fugiria de um homem que me sorrise assim. Aqueles incisivos, demasiado grandes, demasiado regulares, demasiado brancos, assustam. São um esgar no enquadramento rígido dos lábios. Sei de antemão que pouquíssimos vão estar de acordo comigo. O caso é que, uma vez decidido que Chaplin é um actor cômico, ninguém lhe olha para a cara. Creiam no que lhes digo. Olhem-no de frente sem ideias feitas, observem aquelas feições uma por uma, esqueçam por um momento a dança dos pezinhos {sic}, e digam-me depois o que viram. Chaplin levaria todos os seus filmes a chorar se pudesse."

José Saramago

Descoberto aqui

sábado, 19 de junho de 2010

Era uma vez...


"Era uma vez um rei que fez promessa de levantar um convento em Mafra. Era uma vez a gente que construiu esse convento. Era uma vez um soldado maneta e uma mulher que tinha poderes. Era uma vez um padre que queria voar e morreu doido. Era uma vez."