segunda-feira, 29 de agosto de 2011

2ª série dos planos (XX)


I / II / III / IV / V / VI / VII / VIII / IX / X / XI / XII / XIII / XIV / XV / XVI / XVII / XVIII / XIX

De vez em quando, convido bloggers a escolher um plano e a falar, também, sobre ele. O vigésimo convidado é o Diogo F, do A Gente Não Vê, que escolheu o 2º plano de Punch-Drunk Love, de Paul Thomas Anderson:


"Permitam-me, antes de ir buscar o plano, uma pequena introdução ou contextualização. Punch-Drunk Love, para mim um dos "maiores filmes mais subvalorizados", é mais uma obra-prima de Paul Thomas Anderson, que alega que "came right off my stomach". É de uma genuinidade, uma crueza e uma sinceridade que se sentem com a ligeira vibração e a intensa iminência de uma afiada lâmina, trémula, a uma gotícula da nossa veia. Imagino que a ingestão de um refresco no imediato final do filme cause uma sensação bastante similar à mesma acção quando precedida por uma forte, inesperada e fresca dose de mentol. Porque esta história, estes actores (Adam Sandler e Emily Watson) e esta estética são isso mesmo: rompantes, incrivelmente originais, brisas geladas. Anderson alia o seu dotado perfeccionismo kubrickiano à irreverência formal francesa dos anos 60, julgo eu que com particular enfoque em Shoot the Piano Player, de Truffaut, e conta a sua versão da história de amor trágico-cómica, por um lado ainda mais aguçada nas suas próprias preocupações humanas (a solidão e a redenção, nomeadamente), por outro, com um finíssimo balanço entre o realismo e o bizarro.

Estive indeciso entre escolher o primeiro ou o segundo plano e acabei por optar por este último, que introduz precisamente o tal balanço de que falo. O silêncio geral, apenas polvilhado pelo trânsito distante, e a luz fria e tosca, a princípio acinzentada, dão-nos a madrugada fria e sonolenta. Dentro de si, a personagem, num caminhar pesado e lento, aborrecido e solitário como desde logo o senti (claro que já condicionado pelo plano anterior). Mas é precisamente quando a câmara roda sobre ele, contra a sua pose, que simbolicamente nos envolvemos numa mística do eventual objecto da sua curiosidade, que mais se intensifica quando, além, só há o nada e um céu de um cor-de-rosa apocalipticamente sentimental. Chega, aliás, a vislumbrar-se o contraste entre o vermelho e o azul que vai pautar toda película, incluindo em deliciosos efeitos de lens flare. E avançamos em steadycam, um dos recursos mais utilizados pelo realizador, com a atmosfera já misteriosa, calada, com o avançar oscilado. E tudo isto nos cria rugas entre os olhos; tudo isto é estranho. Dois intrometidos pares de luzes, que ameaçam dar início à rotina de uma estrada usual. Mas eis que, como acordar com o som do tiro com que o desastrado invasor não nos soube atingir, um perturbante e surpreendente estrondo, um espalhafatoso capotar de um carro, a cidade que acordou de rompante; ou Barry; ou o filme; ou nós. Bizarro, dream-like reality. Magnífica a forma como, em tão pouco tempo, sem uma linha de diálogo, Paul Thomas Anderson cria uma atmosfera e um tom que não só vão com sucesso enformar todo o filme como se tornarão a sua mais forte imagem de marca, num dos maiores filmes da década de 2000 e, igualmente, um dos mais injustamente esquecidos (se lhe valeu a melhor realização em Cannes, foi completamente ignorado pela Academia, por exemplo)". (Diogo F.)

O Próximo convidado é o Gabriel Passos.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

sábado, 13 de agosto de 2011

2ª série dos planos (XIX)


I / II / III / IV / V / VI / VII / VIII / IX / X / XI / XII / XIII / XIV / XV / XVI / XVII / XVIII


De vez em quando, convido bloggers a escolher um plano e a falar, também, sobre ele. Ao contrário do anunciado no último post dos planos, o décimo nono convidado é o Ricardo Martins, do A Mente de Ricardo Martins, que escolheu o plano do beijo desta cena de Vertigo, de Alfred Hitchcock:




"Escolher um plano favorito é uma tarefa difícil numa História de Cinema rica em momentos que me emocionaram, ao longo dos anos - poderia ser a criação do andróide em Metropolis, a cena final do beginning of a beautiful friendship de Casablanca, ou o momento tenso da destruição da Estrela da Morte, em Star Wars.


Mas creio que o momento que me é mais querido, e que me diz mais pessoalmente (por razões várias que agora não vou discorrer), é o de uma cena quase sobrenatural num mistério de Hitchcock, Vertigo (1958) - trata-se do ressurgir dos mortos de Madeleine (interpretado brilhantemente por Kim Novak, que dá um novo significado à palavra sensualidade) face ao êxtase de Scottie (James Stewart, no papel mais visceral da sua carreira).


Ele beija-a apaixonadamente e vemos um travelling circular em torno deles. Ora, o que na maior parte dos filmes não passaria de um dispositivo fácil para dar ênfase a um encontro amoroso, aqui esse movimento de câmara adquire toda uma proporção metafísica, um autêntico desafio à morte, sendo que Scottie revê ante os olhos dele (e os nossos!) o momento em que beijou a amada falecida pela última vez nos estábulos.


A capacidade do cinema poder mudar as nossas ideias e as nossas emoções está plenamente condensada neste poderoso momento vindo da mente de um dos maiores realizadores que pisaram a face da terra - Alfred Hitchcock."


O próximo convidado é o Diogo F.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

VIDEODROME (1982)



- Sente-se optimista ou pessimista em relação ao futuro do cinema?
- Pessimista. Por causa da palavra "audiovisual".

Robert Bresson, anos 80.

"The battle for the mind of North America will be fought in the video arena: the Videodrome. The television screen is the retina of the mind's eye. Therefore, the television screen is part of the physical structure of the brain. Therefore, whatever appears on the television screen emerges as raw experience for those who watch it. Therefore, television is reality, and reality is less than television."

(diálogo do filme)

Videodrome. Oitavo filme de David Cronenberg. Viagem para a obscuridade, para a noite e para o segredo; pelas capacidades infinitas da mente humana, pelo corpo; por um futuro analógico e não digital; Tão sobre o amor como sobre o sexo, tão sobre a sociedade como sobre a televisão, tão do espírito e da mente como da carne, ou da mente feita carne. Tudo isto para dizer que é mais, mas tão mais, que uma sátira (ou uma crítica) à televisão.

Masha: Videodrome. What you see, in that show, is for real. It's not acting, it's snuff TV.
Max: I don't believe it.
Masha: So... don't believe.
Max: Why do it for real? It's easier and safer to fake it.
Masha: Because it has something you don't have, Max. It has a filosofy, and that's what makes it dangerous.
(diálogo do filme)

1. Há realizadores que demoram uma eternidade a criar uma ambiência, e ambiência é tudo; às vezes não a criam, não é nada fácil; outras, é uma coisa para o qual não há nome, que se auto-impõe como tal, com maneirismos, estilos e retóricas, filosofias e "marcas autorais" estúpidas (os últimos Scorseses, que ainda assim têm bastante mais interesse que: a maior parte dos Scotts e Reitmans; muitos Bertoluccis e Triers, porque não é uma coisa só geográfica, etc, etc, Aronofsky, Nolan). O tom e a ambiência para Videodrome estão criados a partir do momento em que entra o logo da Universal e quando os graves da música do Shore se dissolvem pelos nossos ouvidos a abrir caminho para o espírito. Ou coisa parecida.

2. Pôe-se muitas vezes a questão de ajustar o discurso formal ao tema abordado, tem que se pôr, e a literalidade das metáforas "cronenberguianas" (que se transformam em metáforas mais complexas ainda) só fazem sentido assim. Max, qual televisão, vê as coisas com ruído e desajustadas, e como vemos as coisas pelos olhos dele, a montagem é conforme. Captamos sinais, frequências, fragmentos de realidade e de vida. A big picture, de tudo, constrói-se assim, como um puzzle, não conhecemos nada, tomamos o todo pela parte. O som e a música, voltando um bocado atrás, também se constrói nos moldes do tema, ouvimos distorções, ruídos, feedback, sintonizações.. mise en scène orgânica. Porque não?

3. Se há um juízo sobre o que quer que seja - e há - ele tem mais poder por ser também sobre a personagem principal: ser corrupto, nada inocente, na busca de material mais violento e gráfico para a sua estação de televisão ("it's too soft", diz a dada a altura sobre um filme erótico japonês que lhe tentam vender). É sobre ele que se abate a maior desgraça, mas é ele que a atrai e procura, por ser como é. De chefe a cobaia, de amante a utensílio, o Videodrome fá-lo deslizar ao abismo como se de uma droga se tratasse. Não é claro que a tenha vencido, é aliás bem provável que não, como sugere a terrível sequência final dos três loops. Acções induzidas verbalmente e através do vídeo (quem diria que havia inceptions antes do Inception, hum, Nolan?). O arrojo formal dessa cena, que tudo complica e tudo dá por terminado, merecia mil palavras. Mil palavras merecia também o olhar trágico e partido de Woods, um dos grandes actores de filmes.

4. Videodrome é uma história de amor. Inevitavelmente. Max e Nicki. É por ela que ele se sacrifica, é por ela que se afunda mais na rede da Spectacular Optical. A noite em que vêem o episódio de Videodrome e dormem juntos é tão bela como surreal e doentia. Amor é doença. No fim, esse amor, como Nicki, é já só um reflexo, uma alucinação realista. Vídeo.

5. Parábola política? Das mais demencialmente mordazes. Denúncia de um certo tipo de prática comum, de certos comportamentos, da hipocrisia de executivos e do poder, em geral. Ataca corporações, ataca a "decência" (portanto, a que não tem decência alguma) e as legiões do pudor e problematiza a temática do audio-visual - o da representação do ser humano - as barreiras, a ética e a moral da coisa. A pornografia não passa só de madrugada, não está só alojada em sites da especialidade, está aí à vista, às vezes basta ligar a televisão, pois claro.

6. A metamorfose. Motivo visual e temático que se repete de filme a filme, na obra de Cronenberg. Os tumores e os cancros, as penetrações e as infecções, o vírus e o apocalipse. Metamorfoses demoníacas mas sedutoras, quanto do futuro devia passar pela capacidade corporal e mental do Homem? É uma das preocupações obsessivas de Cronenberg, que chegou a estudar Ciências, antes de se licenciar em Literatura.

7. Sci-fi. Por quanto propõe, por quanto analisa, pelo que aborda, é um filme de ficção científica, que não desmerece (nada, nada) toda a herança do género, de Lovecraft a Dick, passando por Heinlen. Presente paralelo ou futuro possível, as consequências são palpáveis e podem-se discutir. É uma obra moderna, perfeitamente contemporânea, enquanto houverem filhos-da-puta neste mundo.

Dos mais gloriosos filmes dos anos 80, dos melhores do seu realizador (é o meu preferido, hoje). Trepidante, alucinante (em Portugal chamaram-lhe mesmo Viagem Alucinante), arrepia o estômago, dilacera-o, e até nem o faz pelas imagens mais gráficas mas antes pelas mais sugestivas. É impossível, hoje, fazer um filme assim. Infelizmente.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

O monumento e a instituição:



*Music Resort (ali à esquerda, antes da lista de blogues) actualizado

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

2ª série dos planos (XVIII)


I / II / III / IV / V / VI / VII / VIII / IX / X / XI / XII / XIII / XIV / XV / XVI / XVII

De vez em quando, convido bloggers a escolher um plano e a falar, também, sobre ele. O décimo oitavo convidado é o Loot, do Alternative Prison e do Tertúlia de Cinema, que escolheu o último plano desta sequência de The General, de Buster Keaton:



"Em primeiro lugar quero agradecer ao João Palhares o convite para participar nesta rubrica. Sigo-a desde que conheço o blog e é uma das minhas predilectas desta blogoesfera cinéfila. A minha escolha é a de um dos meus planos preferidos do filme “The General” de Buster Keaton e Clyde Bruckman.

Quando Johnny Gray (Buster Keaton) tenta alistar-se no exército para combater na guerra civil americana, o seu pedido é recusado por o seu emprego, de maquinista, ser considerado demasiado valioso. Infelizmente aos olhos da sua namorada, a informação que passou foi que este não se alistou por cobardia.

O plano que escolhi é o que se segue à discussão deste casal. Gray devastado pela opinião negativa do amor da sua vida, sente-se completamente desamparado e senta-se numa das vigas do comboio que liga as rodas. Quando o comboio começa a andar só ao aproximar-se do túnel é que a personagem se apercebe do que lhe está, fisicamente, a acontecer.

A cena é simples mas muito arriscada, talvez das mais arriscadas da sua carreira. Mas Keaton era assim, se para ele tivesse graça, o risco valia a pena. Em toda a cena Keaton mostra porque ganhou o apelido de “The Great Stone Face”, nunca lhe conseguimos tirar uma expressão ou emoção durante toda a cena. Estar ali sentado ou num banco de jardim parece ser-lhe igual.

Sem dúvida alguma um dos grandes filmes do cinema em geral e das comédias mudas em particular." (Loot)

O próximo convidado é o Ricardo Martins.