quinta-feira, 10 de setembro de 2020

COLORADO TERRITORY (1949)


1949 – USA (94') ● Prod. Warner (Anthony Veiller) ● Real. RAOUL WALSH ● Gui. John Twist, Edmund H. North a p. do R. «High Sierra» de W.R. Burnett ● Fot. Sid Hickox ● Mús. David Buttolph ● Int. Joel McCrea (Wes McQueen), Virginia Mayo (Colorado Carson), Dorothy Malone (Julie Ann Winslow), Henry Hull (Winslow), John Archer (Reno Blake), James Mitchell (Duke Harris), Morris Ankrum (marshal), Basil Ruysdael (Dave Rickard), Frank Puglia (Irmão Thomas). 
 
Depois de se evadir da prisão no Missouri, Wes McQueen junta-se numa aldeia abandonada do Desfiladeiro da Morte a Reno e Duke, dois cúmplices do bando de Dave Rickard com os quais tem de executar o seu próximo golpe. Depois vai visitar o próprio Dave, que sempre considerou um pouco como pai dele. Dave agora é um velho cansado e doente. Wes confessa-lhe que gostava de mudar de vida, tornar-se um simples agricultor – isso ainda mais desde que faz a corte a Julie Ann, a filha de um colono recentemente chegado da Geórgia, a quem é obrigado a esconder a sua verdadeira identidade. Se Wes se afeiçoa tão rápido a Julie Ann, é porque ela lhe lembra a noiva Martha morta aos vinte e sete anos durante o seu aprisionamento. O velho Dave aconselha Wes a participar na operação que preparou : depois da qual terá toda a oportunidade para se retirar definitivamente. Trata-se do assalto a um comboio. Durante a operação, Wes contraria ao mesmo tempo a traição do condutor do comboio, supostamente em conluio com os bandidos mas que no final os tinha vendido ao xerife, e a de Reno e de Duke que tinham planeado livrar-se dele. Wes recupera o saque e escapa com a amante de Dave, uma mestiça chamada Colorado. Na casa de Dave, encontra o cadáver do velho assassinado por outro cúmplice do bando. O assassino ainda está no local, ocupado a roubar o morto. Wes mata-o imediatamente mas recebe uma bala no peito. Encontra refúgio com Colorado na casa do pai de Julia Ann. Colorado extrai-lhe a bala do peito. O casal tem de desaparecer depois de Julie Ann ter tentado em vão, porque Colorado a impediu, denunciar Wes para conseguir o valor da recompensa. Os fugitivos regressam ao Desfiladeiro da Morte e aí Wes propõe a Colorado que se case com ele. Mas o xerife e os seus homens estão no encalço deles. Wes separa-se de Colorado para se ir esconder nas ruínas de uma antiga vila espanhola ocupada pelos índios e depois devastada por um tremor de terra : a Cidade da Lua. Colorado tenta trocar a libertação de Wes pelo dinheiro do assalto. É recusada e o xerife até aproveita para a manter como refém. Ela consegue escapar e junta-se a Wes com dois cavalos. Um índio ao serviço do xerife fere Wes mortalmente no momento em que ele avança a descoberto. Colorado atira de forma febril sobre as tropas do xerife que correm na sua direcção. Derrubados pelas balas dos seus adversários, Wes e Colorado caem juntos, de mãos dadas. 
 
► Remake e transposição para western de High Sierra (1941). Segundo volume do que se pode considerar como uma trilogia de westerns trágicos (Pursued, Colorado Territory, Along the Great Divide), baseados no tema do ressurgimento do passado. Este tema é fundamental em Walsh e foi tratado por ele em todos os tipos de tonalidades. A unidade desta trilogia é acima de tudo de ordem estilística : trata-se de três concepções de classicismo perfeito, banhadas numa atmosfera plástica amarga e contrastada, próxima do fantástico. Walsh, que noutras alturas se revelou um mestre do picaresco ou da epopeia, demonstra com esta série de filmes diferente uma variedade de tons e de dons praticamente únicos na história do cinema. Destas três obras, Colorado Territory é certamente a mais pessimista. O personagem central, bastante reservado e distante, vê como uma tragédia a impossibilidade de mudar de destino e de identidade. Walsh desdenha toda a ternura e todo o pathos humanista na sua narrativa, bem como toda a apresentação de circunstâncias atenuantes. Ele descreve a trajectória do seu personagem num estilo seco e cortante, que ao mesmo tempo se revela – aí está a genialidade particular deste filme – rico em infinidades de harmonias insólitas e poéticas. Elas valorizam parcialmente a densidade humana do par formado por Wes e Colorado. Através delas, e com um sentido das figuras de estilo que por vezes lhe agrada cultivar, Walsh exprime as suas preferências mais profundas. Ele sempre sentiu afinidade pelos seres à margem, pelos individualistas constrangidos a uma classe social, a uma profissão, a um estilo de vida, até mesmo a uma raça ou um destino que são menos ricos do que as suas personalidades e o seu gosto pela aventura. O herói walshiano, homem ou mulher, vive por excelência no ilimitado, e às vezes morre. Estas harmonias nascem também da escolha dos locais (o Desfiladeiro da Morte, a Cidade da Lua) onde se situa a acção: a sua potência cósmica, a sua magia inquietante e fantasmagórica que remetem sempre para outro lugar, para um outro mundo povoado de aparições e reminiscências. As tragédias de Walsh são verdadeiramente demasiado vastas para se situarem apenas na terra. Considerado sob outro ponto de vista, à parte do que o filme nos revela sobre a personalidade do seu autor, Colorado Territory também é o arquétipo de um género: um western perfeito. Inclui algumas das representações obrigatórias do género – o ataque da diligência, o assalto ao comboio – filmados com um rigor visual, uma economia de meios, uma perfeição na arquitectura e no movimento dos planos que bastariam por si mesmos para satisfazer o mais exigente (ou o mais aborrecido) dos espectadores.

Jacques Lourcelles, in «Dictionnaire du Cinéma - Les Films», Robert Laffont, Paris, 1992.

HIGH SIERRA (1941)


1941 – USA (100') ● Prod. Warner (Hal B. Wallis) ● Real. RAOUL WALSH ● Gui. John Huston e W.R. Burnett a p. do R. de W.R. Burnett ● Fot. Tony Gaudio ● Mús. Adolph Deutsch ● Int. Ida Lupino (Marie Garson), Humphrey Bogart (Roy Earle), Alan Curtis (Babe Kozak), Arthur Kennedy (Red Hattery), Joan Leslie (Velma), Henry Hull (Doc Banton), Henry Travers (Pa Goodhue), Jerome Cowan (Healy), Minna Gombell (Sra. Baughman), Barton MacLane (Jack Kranmer), Elizabeth Risdon (Ma), Cornel Wilde (Louis Mendoza), Donald MacBride (Big Mac), Paul Harvey (Sr. Baughman). 
 
Nativo do Indiana, o gangster Roy Earle, condenado à perpétua, recebeu o seu perdão do governador e é libertado depois de oito anos de encarceramento. A primeira iniciativa dele ao sair da prisão de Chicago é ir passear num parque. Ele deve a sua libertação ao seu associado Big Mac que, agora muito doente, tinha preparado o assalto de um hotel de luxo em Palm Springs para ele. Depois de ver de novo a sua quinta natal, Roy viaja para a Califórnia. Contempla ao longe, fascinado, o Monte Whitney, o pico mais alto dos Estados Unidos. Conhece um casal de agricultores do Ohio que se vêm instalar na região. A filha deles, a encantadora Velma, sofre de um pé torto. Roy junta-se aos dois cúmplices que Big Mac lhe atribuiu, Red e Babe, no seu refúgio de montanha. Babe vive lá com uma rapariga, Marie, dançarina de cabaret, o que não agrada nada a Roy. Uma vez resolvido o plano de ataque graças às informações fornecidas por Mendoza, um empregado do hotel, Roy vai ter com a família de Velma. Conversa com ela a olhar para as estrelas. Depois vai ver outra vez Big Mac que nunca deixa a cama e evocam juntos os bons velhos tempos. Roy leva o seu amigo, o doutor Banton, para examinar Velma. Ele diz que a operação é muito possível e recomenda um cirurgião. Ao voltar para o acampamento na montanha, Roy encontra Red e Babe a meio de uma luta por causa de Marie. Usando a força, restabelece a paz entre eles e quer-se livrar da jovem. Ela suplica-lhe que lhe dê uma oportunidade. Contando-lhe a sua vida, apaixona-se muito rápido por ele. Roy aceita mantê-la. Volta a ver Velma, cuja operação que ele financiou foi perfeitamente bem sucedida. Pede-a em casamento mas ela não o quer. O assalto ocorre como previsto. Os cofres são esvaziados do seu conteúdo em jóias. Mas surge um polícia no final da operação e o ser aparecimento provoca um tiroteio. Roy foge com Marie. O outro veículo, onde desaparecem Red, Babe e Mendoza, tem um acidente grave. Só Mendoza vai sobreviver, e «vai despejar tudo». Como combinado, Roy vai entregar as jóias a Big Mac mas encontra-o morto. O tenente dele, Kranmer, quer-se apoderar das pedras. Fere Roy, que o mata. Roy vai-se tratar a casa do amigo Benton e volta a casa de Velma que o rejeita definitivamente. Está prestes a casar-se com um antigo noivo. Roy contacta o intermediário indicado por Big Mac e vai esperar pela sua parte durante vários dias. O jornal fala do trio que ele forma com Marie e o cão que traz má sorte que adoptaram. Decide separar-se provisoriamente de Marie. A polícia persegue-o enquanto se dirige de carro para as montanhas altas da Sierra Nevada. Tem de acabar o caminho a pé e esconde-se entre as rochas. É logo cercado pelos polícias e tem de suportar um cerco sem esperança. Um atirador vai matá-lo, apanhando-o pelas costas. Correndo para o socorrer, Marie não pode fazer nada por ele. 
 
► Sem ser uma obra-prima, o filme tem uma dupla importância na carreira de Bogart e na de Walsh. Para o seu quarto filme com Walsh (cf. Women of All Nations, 1931, The Roaring Twenties, 1939, They Drive by Night, 1940), Bogart, mesmo antes das obras decisivas que iam dar um carácter mitológico à sua personagem (A Relíquia Macabra, 1941, Casablanca, 1943) administra – pela primeira vez – a prova dos seus dons num primeiro grande papel, «positivo» e trágico. Está sozinho como estrela e, embora tenha interpretado muitas vezes papéis de «vilões», aqui suscita a simpatia do público ao longo de um itinerário trágico cuja responsabilidade, no plano dramático, repousa inteiramente sobre os seus ombros. (Bogart conseguiu o papel porque George Raft o recusou, não querendo morrer no final. Foi seguido na sua recusa por Paul Muni, James Cagney e Edward G. Robinson.) Os pontos de contacto entre Walsh e Bogart, apesar da estima mútua entre os dois homens, são diminutos. Bogart é um actor demasiado racional, demasiado controlado, e a sua personagem é um «homem honesto» de forma demasiado fundamental para convir inteiramente a Walsh. Falta-lhe esse excesso, esse ardil, essa monstruosidade e esse aspecto picaresco indispensáveis aos heróis walshianos, ou noutro registo, essa passividade trágica que um Joel McCrea vai exprimir na perfeição em Colorado Territory, remake em western de High Sierra. A década de 30-39 não tinha sido muito favorável para Walsh. Se a tinha começado de forma admirável com The Big Trail, um dos filmes faróis da sua carreira, daí em diante não tinha conseguido prolongar ímpeto de uma forma verdadeiramente digna dele. High Sierra é apaixonante como início do grande regresso de Walsh e pelos esforços do realizador, parcialmente coroados com sucesso, para transformar a personagem de Roy Earle em herói walshiano de pleno direito e para dar ao conjunto do filme uma dimensão cósmica, essencial à sua obra. Através de Roy Earle, Walsh tenta fazer o retrato de um personagem dominado por uma necessidade desesperada e quase obsessiva de liberdade. A sua natureza e o seu carácter impelem-no para fora da cidade, para fora da sociedade (e portanto para fora do film noir), três domínios que restringem a sua experiência e o asfixiam. Só consegue estar à vontade perto dos picos, nos grandes espaços, nas solidões do ilimitado na direcção do qual o empurra, mesmo quando é demasiado tarde, o seu instinto animal (cf. as sequências da perseguição final). As alturas da Sierra Nevada são de alguma forma o cemitério dos elefantes deste personagem, demasiado apertado na sociedade, no papel – e na etiqueta – que ela lhe colou às costas. O fatalismo do filme, que é interessante estruturalmente quando assegura uma ligação entre o universo do filme de gangsters e o do film noir, expressa-se frequentemente de forma artificial e repetitiva (cf. o papel do cão). Walsh sente esse fatalismo como uma limitação, evidentemente. Isso deve-se sem dúvida ao guião de Huston. Bem preferível para ele será a adaptação do romance de Burnett pelo seu amigo e colaborador de sempre, John Twist, em Colorado Territory. Bela composição de Ida Lupino, uma actriz que se integra sempre de forma admirável no universo walshiano; o filme confirmou a celebridade que tinha acabado de adquirir sob a direcção de Walsh em They Drive by Night

N.B. Remakes: Colorado Territory (Walsh, 1949), I Died a Thousand Times (Morri Mil Vezes, Stuart Heisler, 1955). Este último filme, de estilo mais primitivo que High Sierra, é uma obra forte e cativante, muitas vezes mais comovente que o filme de Walsh. Jack Palance, Shelley Winters e Lori Nelson retomam os papéis de Bogart, Lupino e Joan Leslie.

Jacques Lourcelles, in «Dictionnaire du Cinéma - Les Films», Robert Laffont, Paris, 1992.