terça-feira, 6 de novembro de 2012

...ALL THE MARBLES (1981)



We're just two little girls from Little Rock
Marilyn Monroe e Jane Russel em Gentlemen prefer Blondes

Ma basti, orvia.
Son questi sogni paurosi e fole! 
O che bel sole di mezz’agosto! 
Io son piena di vita, e, tutta illanguidita 
Per arcano desìo, non so che bramo!

Nedda, em Pagliacci

Well, you see, that's Pagliacci, he's kinda like a strolling player. He goes from town to town entertaining people (...) Sometimes it isn't easy, he gets down (...) and that's why he's like us: you gotta keep going, you gotta keep trying. Gotta hang in there even if is hard as breakin' ...

Harry Sears (Peter Falk), neste ...All the Marbles

Quiçá seja este filme de Robert Aldrich, o seu último filme, que nos re-lembre e diga à força toda que não existe tal coisa como um "mau tema", que nunca é o tema ou o conteúdo que faz tanto um bom como um mau filme e que o que interessa é aquela mistura com as gentes e os sítios até ao cúmulo da confusão quase promíscua entre a forma e o conteúdo. Coisa que me parece mais profunda e difícil que a mera "suspension of desbelief", que resulta só durante o tempo do filme. E o resto? De quem é o passeio do cinema até casa? Porque é que com este se assobia o Oh You Beautiful Dolls durante o percurso? Não é aquele não se querer acreditar que projecta certas conversas e canções para o salão grande da nossa memória? Boa pergunta. 

If you ever leave me, how my heart would ache... Em 1981, se calhar era esta a única maneira de se fazer um musical à la MGM ou um remake de Hawks e era o Aldrich e não o Coppola quem tinha razão.

Mas ter sido este o último filme do homem que fez, entre muitos outros, o Kiss Me Deadly e o The Last Sunset, não ajudou grande coisa à sua recepção, aliás, só piorou. Porque é que Aldrich, aos 61 anos, quis fazer um filme sobre wrestlers femininas em digressão pelos Estados Unidos? Não interessa muito, se calhar. O que interessa é tentar aceitá-lo e ver se elas e o manager não merecerão um bocado da nossa atenção.

Num dos muitos passeios de carro pelas estradas ao som de ópera, a personagem de Peter Falk começa a descrever o Pagliacci da ópera de Leoncavallo, associando-o à mó de baixo em que eles próprios se encontram. Isto não só mostra alguma erudição, como faz uma associação ao de leve a um outro filme em que Aldrich trabalhou como assistente de realizador, Limelight, de Charlie Chaplin. Mais importante ainda, faz-nos perceber que o realizador sabe muito bem o que é o wrestling (e foi acusado de não ter ideia nenhuma do que era) e sabe que aqueles três são como um grupo de teatro amador com todo um sentido de espectáculo. E tudo vai lá dar àquele tudo ou nada final, encenado por Aldrich, Harry Sears e as California Dolls. Se as lágrimas e o desespero nos parecem mais reais que um Triple H ou um John Cena desalmados é porque é tudo gente com muito mais sensibilidade e talento. 

E se calhar é mais este prazer por interpretar, por sonhar alto em dar aos outros mesmo que para isso se tenha que descer à lama e à sarjeta, que tudo nos diz tanto. I want to hug you but I fear you'd break.

Por ver Peter Falk fazer tudo por elas, de bastão nas mãos ou a gastar os últimos dinheiros num coro de miúdos e em modelos musculados. Por vê-las a elas a tentar dar umas réstias de nobreza a esta profissão povoada de chulos e vendidos. Por ver tanto talento junto a construir aos poucos e a custo um concerto de meia-hora de coreografias, canções e pancadaria de pura excelência. Uma vénia a todos eles. E à Big Mama.

Oh, oh, oh, oh. Oh, you beautiful dolls!