quinta-feira, 5 de outubro de 2023

A minha carreira americana de faz de conta


por Alexandra Stuart

Ainda que nunca tenha trabalhado em Hollywood, posso dizer que tive uma pequena carreira americana. No seguimento de Exodus, Arthur Penn confiou-me efectivamente um grande papel em Mickey One.

Este realizador era muito estimado em França desde The Left Handed Gun, um western que questionava a personalidade de Billy the Kid. Eu tinha adorado este filme que fez muito pela carreira de Paul Newman, impressionante como jovem bandido do Oeste selvagem.

Natural de Filadélfia, Penn tinha começado na televisão e tinha lá criado uma excelente reputação com a qualidade das suas rodagens ao vivo. Também era um encenador estimado nos palcos de Nova Iorque, onde vivia. A crítica europeia via-o como líder do novo cinema americano. Para as grandes companhias hollywoodianas, no entanto, mantinha-se um intelectual, posição que o tornava marginal na profissão.

No entanto, Anne Bancroft tinha conquistado o Óscar de Melhor Actriz e Patty Duke o de Melhor Actriz Secundária no segundo filme dele, O Milagre de Anne Sullivan. Este sucesso fez com que fosse contratado para dirigir O Comboio, parte da rodagem da qual aconteceu em França. Ao fim de dez dias, Burt Lancaster, descontente com a sua forma de trabalhar, substituiu-o por John Frankenheimer. Não era uma coisa incomum em Hollywood, as vedetas e o produtor considerando muitas vezes o cineasta como um simples executante, não como um criador, nem sequer como o autor do filme.

Durante a sua breve estadia em França, Penn teve pelo menos a oportunidade de ver Le Feu follet de Louis Mallle e de se deixar seduzir pela fotografia de Ghislain Cloquet e por uma das actrizes do filme: eu. Foi assim que fomos os dois contratados para Mickey One.

Estava nervosíssiva. Mas desta vez não quis desperdiçar a minha oportunidade.

*

Os ensaios começaram em Nova Iorque e duraram um mês. Sentávamo-nos à roda de uma mesa para trabalhar os nossos papéis. Travei imediatamente amizade com Warren Beatty, a estrela do filme. Tinha acabado de deixar Natalie Wood e era o amante secreto de Leslie Caron, ainda casada.

Sentia-me bem. Conhecia Nova Iorque, onde a minha mãe me tinha levado tantas vezes durante a minha infância. À noite, saía com Jill Jakes, a secretária de Penn e futura esposa de Terrence Malick. Ela fez-me conhecer a vanguarda nova-iorquina: a escritora Susan Sontag, o músico John Cage, os pintores Jasper Johns e Robert Rauschenberg, inventor da Pop art... mas John Cassavetes não, infelizmente!

A rodagem realizou-se em Chicago, Arthur Penn comportou-se um bocado como Jacques Doniol-Valcroze em L'Eau à la bouche: cordial e paciente. Apesar das suas atenções, a minha preocupação contínua causou-me dores de cabeça insuportáveis; sobretudo, sentia-me pouco à vontade nas minhas cenas com Warren Beatty, ainda imbuído da formação de actor por Stella Adler, como Paul Newman o estava por Lee Strasberg. Mas enquanto que tinha tido muito poucas cenas com Newman no filme de Preminger, tinha muitas com Warren em Mickey One. A minha angústia não se justificava apenas pelas dificuldades que sentia em manter-me em sintonia. Não me sentia segura de mim mesma. Consciente do meu estado, Penn, para me descontrair, dava-me as mãos para os grandes planos.

Vivi no entanto belos momentos neste filme e tenho lembranças comoventes das sessões de gravação da musique, que Penn confiou a Stan Getz, um homem do jazz cujo estilo eu adorava. Também tive a oportunidade de conversar com Bertrand Goldberg, o arquitecto do hotel onde nós estávamos; ele tinha construído duas torres de betão armado de 175 metros em Marina City onde foram rodadas algumas cenas. Até tive oportunidade de me cruzar com Hugh Hefner, o criador da revista Playboy, nos clubes onde Penn tinha previsto várias sequências com raparigas esculturais que não deixavam Warren Beatty indiferente...

Sempre curiosa e indisciplinada, levei uma vida apaixonante fora do local das filmagens. Fiz amizade com o escritor Nelson Algren, o autor de O homem do braço de ouro, no qual Otto Preminger tinha baseado um filme. Ele tinha sido amante de Simone de Beauvoir e essa ligação dava-lhe uma grande aura entre os intelectuais americanos, ainda entusiastas do existencialismo.

Algren era um tipo incrível. Antes de mais, ele usava laços-borboleta brilhantes! Nos dias em que eu não filmava, levava-me a visitar a penitenciária nas proximidades e, algumas noites, arrastava-me para bares mal afamados em que os irlandeses armavam confusão com os índios. Estes passeios nocturnos preocupavam o director de produção que, receando pela minha integridade física, me interditou formalmente estas escapadelas. Ditatorial e estúpido! Em sua defesa, eu ignorava que a produção andava sob tensão. Mickey One traçava o percurso de um artista sustentado pela máfia que tentava libertar-se dela. Arthur Penn tinha-se inspirado directamente no início de carreira de Frank Sinatra e a Columbia receava acções dissuasivas da máfia. Portanto esse director de produção achava imprudente que eu me expusesse assim nos bairros mais sórdidos de Chicago...

Foi sem dúvida por essas mesmas razões que Mickey One teve apenas um lançamento confidencial nos Estados Unidos. Ainda que apresentado no Festival de Veneza, foi um fracasso universal. Isso não servia para a minha carreira americana!

*

Por sorte, apresentaram-se outras oportunidades de trabalho na América. Conheci em Londres o produtor Darryl F. Zanuck, que quis muito considerar-me a mim para o papel de Shirley Eckert, a rapariga de Yang-Tsé em Chamas. Fiquei excitada com a ideia de trabalhar com Robert Wise, cujas duas comédias musicais, West Side Story et Música no Coração, tinham alcançado sucesso, rendendo-lhe cada um o Óscar de Melhor Realizador. Mas o meu interesse por ele ia além do seu estatuto de estrela das bilheteiras. Sabia que tinha sido o montador do primeiro filme de Orson Welles, O Mundo a Seus Pés, e tinha adorado os seus filmes anteriores, The Set-UpO Dia em que a terra Parou.

O assunto era sério, uma vez que Zanuck me enviou para Los Angeles para fazer testes nos cenários do filme, nos estúdios da 20th Century Fox. A jovem Emmanuelle Arsan também estava a fazer ensaios para outro papel, que aliás acabou por conseguir. Aparece no genérico com o nome de Marayat Andriane. Eu já a tinha conhecido em Banguecoque, onde o marido Louis-Jacques Rollet-Andriane era cônsul de França. Como é que podia suspeitar que mais tarde ia filmar numa continuação de Emmanuelle, a partir do romance erótico que ela tinha publicado em 1959?

A minha estadia em Los Angeles reserva-me outra surpresa.

Estava alojada num hotel muito mediano. Como não suportava ficar lá fechada quando tinha tempo livre, saía para passear, mas nesta cidade onde toda a gente andava de carro, uma jovem no passeio era imediatamente suspeita de aliciamento. A polícia controlou-me. Consegui explicar que estava a dar um passeio porque precisava de apanhar ar e de qualquer forma foi a única vez na minha vida em que me confundiram com uma puta.

Os testes duraram três semanas e pareciam conclusivos. Robert Wise convocou-me ao escritório dele e afirmou-me, não sem um certo constrangimento:

- Os seus testes são perfeitos, Alexandra... mas não vai interpretar o papel de Shirley Eckert. Escolhemos uma jovem actriz, a Candice Bergen, filha do ventríloquo famoso. Lamentamos imenso...

Candice Bergen! Uma antiga modelo como eu... Tinha acabado de me ficar com um papel em The Group de Sidney Lumet. Na altura ignorava que ia ser a última companheira de Louis Malle, o pai da minha filha...

*

Dez anos depois, houve ainda outra decepção à minha espera em Hollywood.

Robert Altman, que estava a preparar Quintet, queria-me confiar um dos cinco papéis principais ao lado de Bibi Andersson, Paul Newman, Vittorio Gassman e Fernando Rey. Desta vez, foi Brigitte Fossey quem me passou a perna.

No final das contas, o outro único filme americano em que participei, mas num pequeno papel, foi The Marseille Contract de Robert Parrish, uma co-produção com a França em que o meu amigo Michael Caine era a estrela, ao lado de Anthony Quinn e James Mason. Só boa gente!

Olhando para trás, parece-me que os estúdios americanos não foram muito sensíveis aos charmes das belas musas da Nova Vaga francesa. Tirando Catherine Deneuve e Jeanne Moreau, poucas actrizes terão conseguido fazer carreira em Hollywood. Certo, Anna Karina teve a oportunidade de ser dirigida por George Cukor em Justine, e isso conta na vida de uma actriz, mas nem eu nem Stéphane Audran nos conseguimos impor além-Atlântico. Quanto às outras... nem sequer atravessaram o oceano.

in «Mon bel âge - mémoires», Éditions de l'Archipel, Paris, 2014.

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