O ritual do Western funde-se com o ritual do thriller no espaço comum que pode ser a tragédia (é Penn que declara que o western é o «quadro perfeito para um tema de tragédia grega»; cf. «Le Western», col. 10/18, pg. 276) para servir como que de método de inquérito ou questionário: assim é no deambular expiatório do Sheriff (Brando como inflexível representante da lei: private joke?) num huis-clos que também e portanto é um microcosmos (como o palco o é para e por A Orestíada ou para o Soulier de Satin) que se nos descobre o carácter sagrado de um sábado à noite, ritual e desgastado rompimento de um horário numa cidade em que o tempo é a existência de uma repetição: em que a festa de sábado é esse mesmo quotidiano que se pretende abandonar e que fica desse modo projectado numa outra dimensão. O desequilíbrio (e, portanto, a tragédia) dá-se quando o olhar cheio de som e de fúria, ou seja de paixão, traz a memória a esta cidade destituída de passado, e a faz nascer, absurda, consequentemente. Se por vezes nos situamos mais frente a uma cuidada dissecção de cadáver (de tal modo o ritual se aproxima e por vezes se esquece no lugar comum não recolocado) é porque talvez nós nos esqueçamos também da extrema vitalidade deste olhar de Penn aqui, creio, mais importante pela violência do que pela lucidez;
in «Um Ano Passado em Lisboa: Na Espera de El Dorado», O Tempo e o Modo, 1ª Série, nº 50-54, Junho-Julho-Agosto-Setembro-Outubro de 1967.
1 comentário:
E a título de curiosidade:
«Entre exibir BELARMINO e começar a pensar em UMA ABELHA NA CHUVA recebe um convite para uma visita cultural aos Estados Unidos. A que propósito?
É preciso voltar um pouco atrás. Depois do meu regresso de Londres reingressei na RTP como um dos dois realizadores do telejornal – o outro era o Hélder Mendes – e calhou estar eu de serviço na noite em que o Presidente Kennedy foi assassinado. A Embaixada Americana em Portugal, que era toda composta por homens dele, ficou muito bem impressionada com essa emissão. Poucos anos depois, em 1965, os americanos decidem fazer pela primeira vez um contacto com a oposição não-comunista em Portugal e pedem ao Dr. Mário Soares e ao Manuel Mendes que escolhessem um pequeno grupo de pessoas de várias áreas que pudessem vir a ser líderes de opinião. O meu nome aparece com os do João Bénard da Costa, do Victor Wengorovius, do Vasco Pulido Valente, do Jorge Sampaio, para fazer uma grande viagem aos Estados Unidos. Essa bolsa foi importantíssima para mim porque me permitia ter um grande contacto com a indústria de cinema americana. Assisti a duas rodagens: a de PERSEGUIÇÃO IMPIEDOSA, de Arthur Penn, com Marlon Brando, e a de THE GROUP, do Sidney Lumet. Contactei também com gente do cinema independente como o Keneth Anger. Mas o melhor disto tudo foi poder estar oito dias em casa de Jean Renoir em Los Angeles, a conversar com ele e a conviver com os quadros do seu pai.»
Aqui
Enviar um comentário