Tentar lá chegar em conjunto. O cenário para a tentativa de Ray e Alice foi pouco comum: uma velha igreja numa estrada escura em Van Dusenville, no Massachusetts. Não muito longe de Stockbridge, onde Thornton Wilder passa tempo no Verão (veio pela primeira vez há três anos para actuar em A Nossa Cidade), e Lenox, onde fica a pequena casa vermelha de Nathaniel Hawthorne mesmo abaixo das vedações de Tanglewood e mesmo acima de um prado verde inclinado de Berkshire. Mais afastada do local, perto do mar do outro lado estado, em West Roxbury, está Brook Farm, onde mais de cem anos antes, de 1841 a 1847, um grupo de estudiosos e escritores brilhantes americanos tentaram lá chegar em conjunto.
Os homens e mulheres de Brook Farm tinham pensado bem no assunto antes de tentar. Alice, Ray, Arlo e os outros miúdos simplesmente se deixaram levar pela onda. Se eles pensarem no assunto, são todos demasiado porreiros para o admitir. E a igreja deles, que foi oficialmente des-santificada numa missa de desconsagração pela Diocese Episcopal antes deles se mudarem para lá, era mais um santuário no sentido medieval do que a experiência mais antiga, mais iluminada e transcendental. A igreja de Ray e Alice era um refúgio para miúdos que estavam em luta contra um sistema corrupto, ou a tentar contorná-lo. As grandes portas góticas ficavam abertas noite e dia. Podia-se arranjar algo para comer (algo bom—toda a gente incitou Alice a abrir um restaurante), abancar, foder, curtir música, tocar a nossa, rimar ou não rimar como se escolhesse. Façam o que quiserem! Fais ce que voudras! A Abbaye de Thélème de Rabelais.
Essa foi a forma de Ray e Alice tornarem a sua igreja novamente sagrada. Mas para muitos dos locais invernosos da Nova Inglaterra que espreitavam por detrás das suas cortinas para as idas, os acontecimentos e as vindas da igreja, a vida lá parecia assemelhar-se muito mais à tutelada pelo Bispo de Sens, que, no século dez, engraçou com a Abadia de São Pedro, expulsou os monges para os substituir por um bando de meretrizes, pôs os cães de caça no canil e instalou os seus falcões nos claustros. A igreja de Ray e Alice era um santuário para cães e gatos e coelhos e pássaros e ratos—e por vezes piolhos também.
Alice era a personificação da figura de anima de que fala Jung, a matriarca do clã, a mãe sagrada do subconsciente, a força Yin. À luz do seu espírito maravilhosamente tolerante e misericordioso, o estilo de vida da igreja percorreu um longo caminho até restaurar os danos causados aos corações e às mentes e às almas dos miúdos pelo peso de tantos séculos ocidentais de culpa imposta pelo patriarcado.
Portanto a igreja de Ray e Alice era uma espécie de válvula de segurança que aliviava a angústia que as repressões da moralidade da classe média tinham criado para os seus filhos. Os miúdos vieram porque estavam fartos da ética de trabalho puritana, de fazer em vez de ser, de obrigações em vez de escolhas, de todo o processo que uma sociedade avarenta (de agarrar a maçã e foder o jardim) utiliza para reduzir o organismo humano naturalmente auto-suficiente e independente a uma condição de dependência impotente no super-estado da profecia de Orwell.
Enquanto a igreja se formava, Arlo, que conheceu Alice e Ray antes deles terem a igreja (quando Alice era a bibliotecária, e Ray um professor de trabalhos manuais na escola preparatória super patriarcal da zona), estava para fora numa instituição de ensino "superior" no Midwest a conduzir a sua própria guerra privada e muito pessoal contra o Sistema. Os professores dele estavam a fazer o seu nivelado melhor para o nivelar à submissão tradicional de cala-te e dispara a Exército, Mãe, Tarte de Maçã, Bandeira e Computador. Mas ele não lhes ligou nenhuma. Porque de alguma forma ele acreditava que se estava a tornar em algo melhor do que aquilo que eles queriam que fosse mesmo que não soubesse ao certo o que é que queria ser. Portanto não precisava das muletas da sua música estéril, do seu racismo, da sua burocracia, os seus homicídios sacrificiais de populações súbditas no estrangeiro e em casa. No final disse que não a toda a experiência e procurou refúgio na igreja.
Alice e Ray e os miúdos deram-lhe apoio moral e emocional para a sua disputa com a lei por desordem e para a sua angústia com o Exército (encoberta de forma brilhante no seu humor de resistência especial) por não querer ir matar, queimar, violar, destruir e aniquilar.
E Alice abriu o seu restaurante e trabalhava de manhã cedo até muito tarde à noite e sem a sua presença constante na igreja a vida lá começou a recuar para os velhos padrões patriarcais tão profundamente enraizados na consciência caseira e essencialmente sulista de Ray. Ray viu-se a insistir na sua autoridade, dizendo aos miúdos que estavam a viver na "sua" igreja, insistindo que o comportamento deles não fosse para lá dos limites que ele tinha estabelecido. E lá estavam eles, os miúdos, de volta ao cenário de que tinham fugido, com Ray como dirigente da administração. E todas as suas declarações sobre liberdade tinham tanto sentido para eles como as de Thomas Jefferson para os escravos que possuía.
E assim outra microcósmica sociedade livre—em que durante um tempo as relações sociais-sexuais despreocupadas e joviais substituíram os rigores do dever conjugal e da ditadura paternal, em que a experiência real da própria natureza de uma pessoa substituiu as pseudo-viagens dos dogmas místicos e da fantasia política—entrou em colapso. E a igreja vai ser vendida e os miúdos estão a comprar os próprios terrenos, sobretudo com a massa dos paizinhos, e estão a assentar nas suas propriedades em relações de estilo casamento.
Mas não consigo deixar de pensar que eles estão todos melhor do que as pessoas que nunca tentaram combater o sistema de todo. E estou grato à Alice e ao Ray e ao Arlo, e a toda a gente da igreja, e a Arthur Penn, por me deixarem olhar para as suas vidas e viver com eles por algum tempo.
Nova Iorque
9 de Fevereiro, 1970
in «Alice's Restaurant», Doubleday & Company, Nova Iorque, 1970.
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