por Aline e Robin Wood
A cerca de um terço de O Pequeno Grande Homem, Jack Crabb casa-se com uma mulher sueca, Olga, e os jovens recém-casados tiram uma fotografia em frente à loja que acabaram de comprar juntos. Através do visor da câmara vemos uma imagem do casal feliz, invertido e paralisado. Jack está a apontar orgulhosamente para a tabuleta da loja por cima do toldo, e a voz (supõe-se que a do fotógrafo) pede-lhes para “Preservar o momento.” A voz é de facto a de Arthur Penn, e a frase é o título de um livro de fotografias do seu irmão, Irving.[1] Mas aqui há mais do que a mera homenagem, a referência privada, pretendida por Penn: este incidente ajuda a definir, se apenas por contraste, a essência da sua perspectiva em relação à vida. Alguns segundos depois deste plano, Jack Crabb, aparentemente perturbado, tropeça ao atravessar a soleira da porta enquanto Olga se agarra ao seu pescoço. Em poucos minutos declara falência, e os bens do casal são postos em leilão. Penn corta então abruptamente para um ataque índio a uma diligência selvagem, após o qual Jack é atirado para a água e Olga é raptada.
Os últimos quatro filmes de Penn desde The Chase desdobram-se num movimento totalmente coeso: um movimento rumo à desintegração e perda progressivas. Este elemento já era totalmente antecipado em The Left Handed Gun, e mesmo o desenlace de Mickey One, que parece ser mais optimista, não é outra coisa senão a aceitação do terror perpétuo como condição para a existência. O tema óbvio de O Pequeno Grande Homem é o extermínio progressivo dos índios pelos brancos, mas por outro lado, a deterioração ou eliminação progressiva de personagens brancas, os substitutos parentais de Jack, também surge ao longo do filme. A quase-simetria desta construção concede a cada uma das personagens brancas (com a excepção de Custer) duas sequências correspondentes. Na primeira sequência, a Sra. Pendrake é mulher de um pároco; na segunda, tornou-se uma prostituta. Na sua primeira aparição, Wild Bill Hickok tenta manter uma reputação precária como atirador de elite; na sua outra cena, é morto por um jovem. O vigarista grotescamente cómico, Merriweather, apresenta um resumo notável deste movimento geral de perda: quando aparece pela primeira vez, já lhe falta um braço e uma perna, e pouco depois fica sem um olho; quando volta a aparecer mais tarde no filme, perdeu uma perna e o escalpe. A mulher sueca, quase infantil na sua vulnerabilidade, degenera, no acampamento Cheyenne, para uma megera que bate no marido. A psicopatia de Custer intensifica-se, e por fim perde o juízo no campo de batalha. Mas o princípio de perda nunca é tão claro como no desenvolvimento do próprio Jack Crabb. A sua mulher branca é raptada por índios, e a mulher índia é massacrada por brancos; as personagens que assumem sucessivamente os papéis de figuras paternas morrem umas atrás das outras ou são rejeitadas por ele. No final (e no princípio) do filme, Jack é um homem incrivelmente velho que vive num lar de idosos—leva uma existência, ao que parece, totalmente isolada.
Para as personagens nos filmes de Penn, a vida é caracterizada ou por uma luta desesperada pelo controlo de situações que lhes escapam ou, como último recurso, por uma cedência desamparada durante um curso de acontecimentos que sabem de forma implícita não poder controlar. De todos os protagonistas nos sete filmes que Penn realizou até à data, só Annie em The Miracle Worker domina com êxito o caos que enfrenta. É característico que isto seja por meio de uma luta meio-cega e instintiva e não pelos métodos de um racionalismo iluminado. Mesmo Pat Garrett é privado (pelo que é basicamente o suicídio de Billy) de qualquer sentimento de autoridade satisfatória, e Calder em The Chase (talvez a mais madura e a mais responsável de todas as personagens de Penn) no final submete-se ao caos que o rodeia e reconhece a sua derrota. Irving Penn, artista da imagem fixa, tenta capturar e imortalizar a essência da vida ao “preservar o momento”; Arthur Penn, artista do movimento perpétuo, é quase obcecado pela impossibilidade prática de capturar ou de se agarrar ao que quer que seja. Nem os brancos nem os índios triunfam em O Pequeno Grande Homem. Contrariamente à maior parte dos seus heróis, Penn é um homem culto, com uma mente clara e consciente, e o seu método de criação—filmando cada cena de muitos ângulos, criando material abundante e complexo a partir do qual, durante a montagem, “extrai” (o seu termo escolhido) então o filme finalizado—revela o quanto ele sente pessoalmente a luta pragmática das suas personagens por ordem.
É claro que o quadro desolado e desesperado da existência humana que se esboçou até ao momento, embora com certeza dedutível dos filmes de Penn, choca em alguns aspectos com o efeito que produz como peça acabada. De todas as três vezes que Old Lodge Skins[2] diz que o seu “coração se eleva como um falcão,” o coração do espectador eleva-se com o dele. A peça de Penn é essencialmente positiva em espírito, embora pessimista no seu significado admitido. Isto não é realmente um paradoxo, da mesma forma que uma afirmação não precisa de ser lógica para ser verdadeira. Os temas de desespero e perda destes filmes, e a desolação com que terminam, têm de ser combatidos pela vivacidade, uma vivacidade ancorada de forma sólida num sentido de valor humano. A evolução de Penn desde Mickey One demonstra uma lógica notável, apesar do facto de dois dos seus quatro filmes—The Chase e Bonnie e Clyde—terem sido baseados em tópicos que lhe foram propostos e não descobertos por si. The Chase culmina na desintegração da sociedade incuravelmente corrupta dentro da qual decorre; Bonnie e Clyde lida com pessoas que são banidas da sociedade sem ter qualquer alternativa para ela; Alice’s Restaurant mostra personagens que lutam—embora em vão—para construir uma sociedade alternativa. O Pequeno Grande Homem continua esta progressão lógica; os Cheyenne são relacionados de forma significativa às personagens hippie em Alice’s Restaurant. No entanto, embora a comunidade da igreja neste último esteja intrinsecamente disseminada com as sementes do seu próprio desaparecimento, os Cheyenne são destruídos exclusivamente por agentes externos, sendo a sua única fraqueza a incapacidade de se defenderem a eles próprios devidamente. Embora ocorra no passado e seja parcialmente baseado em acontecimentos históricos, O Pequeno Grande Homem aprofunda implicitamente as explorações contemporâneas de Penn sobre os valores por que se deve viver.
Bonnie e Clyde evoca com vivacidade a América da era da Depressão sobrepondo muitos detalhes específicos, e tomou-se visivelmente o maior cuidado a re-criar os detalhes da vida Cheyenne. No entanto, Bonnie e Clyde explora os anos 1930 apenas superficialmente e seria incorrecto pensar no retrato dos Cheyenne de Penn como sendo de calibre documental. Em vez disso, ele usa os Cheyenne para encarnar valores essenciais de substituição, e não tem medo de os idealizar. Isto torna-se claro quando se compara o início do filme—o sequestro de Jack e da irmã pelos Cheyenne—com a perspectiva de Thomas Berger sobre o assunto no seu romance. No filme, a caravana é atacada por Pawnee e toda a gente é massacrada tirando as crianças, que, tendo-se escondido com sucesso, são encontradas e salvas pelos Cheyenne, que passam lá por acaso. Isto sugere que os Cheyenne nunca teriam cometido um tal massacre. No livro, no entanto, os pioneiros são massacrados pelos Cheyenne, que eram vítimas de episódios tumultuosos de embriaguez—isto incluía Old Lodge Skins, que, no filme, nunca perde a dignidade.
As transições abruptas, da farsa à tragédia e vice versa, despistaram muitos espectadores. No entanto, embora o tom do filme seja muito variado, as suas rupturas não são tão agressivas como se pode pensar. Não há uma única sequência—nem sequer o Massacre de Washita—que seja privada de elementos cómicos, e nenhuma das cenas em que o tom cómico domina é privada de implicações sérias. A oposição fundamental em que assenta a lógica das transições baseia-se menos no tom do que nos tipos de caracterização, que visam diferenciar a sociedade branca da dos Cheyenne. Isto pode-se descrever como a oposição entre o natural e o não natural, entre uma moralidade artificial e imposta e uma que é flexível e se pode adaptar a necessidades variáveis, uma moralidade ancorada no respeito pela natureza individual de todo e qualquer ser humano. Com a excepção de Jack, pode-se encontrar um elemento de caricatura em todas as personagens brancas—parecem silhuetas numa comédia de costumes, e normalmente os seus traços são satíricos. Não é este o caso na forma como os Cheyenne são representados, em que a comédia surge apenas da estranheza dos seus hábitos por contraste com as maneiras e ambições dos brancos. Mesmo as personagens Cheyenne que, ao primeiro contacto, parecem muito exageradas—Younger Bear[3], o Contrário, e Little Horse[4] (Robert Little Star), o heemaneh—na verdade são muito diferentes dos tipos de caricaturas que compõem o mundo branco. Os traços partilhados por todos os brancos (com a excepção de Olga) são os da desonestidade e do artifício; ora visam propositadamente enganar os outros como Merriweather; ora são forçados a representar um papel como a Sra. Pendrake; ou então ficam tão fascinados com a sua própria personagem que o actor e o papel ficam tão entrelaçados que eventualmente se enganam a si próprios como Custer.
Pode-se vê-las como versões mais estilizadas das personagens que representam a sociedade em The Chase e Bonnie e Clyde, que, ao contrário das personagens mais anti-sociais que são movidas por impulsos expontâneos (Bubber e Anna, ou os próprios Bonnie e Clyde), são motivadas por considerações exteriores ou são levadas por impulsos frustrados. O Contrário e o heemaneh são muito diferentes destes tipos de personagens. O Contrário assumiu o seu papel como uma disciplina auto-imposta, como uma escolha livre, e a sua função não tem nada que ver com a falsidade. O heemaneh não é mais do que ele próprio, porque a sociedade Cheyenne o permite e o encoraja a ser. Primeiro pode-se ficar perturbado com o que parece um grande erro de julgamento nas cenas que o retratam, já que é a única altura em que o público ri de forma cruel e precisamente nos momentos errados. Após mais alguma reflexão, contudo, torna-se óbvio (considerando a concisão e a economia extraordinárias do filme) que Penn apresentou a personagem da única forma honesta. Um homem com traços efeminados pronunciados, a viver numa sociedade que o aceita completamente e não o humilha de forma alguma, vai expressar naturalmente as suas características de forma livre e sem constrições e permiti-las-á florescer a um grau que pode parecer exagerado para um público condicionado por atitudes sociais correntes.
A oposição fica mais clara se se comparar Little Horse, o homem efeminado, a Caroline (Carol Androsky), a irmã de Jack, a mulher que se veste como um homem. Little Horse é o que é, sem ambiguidades, mas a identidade exacta de Caroline ainda está velada pela dúvida. Ela deseja homens e, em adolescente, fica desapontada quando os Cheyenne não a violam. Ela assume um papel masculino para fazer face à vida no Oeste mas reverte à sua feminilidade a uma velocidade vertiginosa assim que acredita que tem um homem para si própria, que vê no irmão há muito perdido que acabou de cobrir com alcatrão e penas. Quando encontra Jack, ela tenta projectar nele as suas próprias tendências masculinas forçando-o ao papel de um pistoleiro mas assume o seu papel masculino de volta igualmente rápido quando Jack falha. Sente-se que o seu desalento—que é grotescamente cómico, como o da maior parte dos brancos no filme—também se poderia ter mostrado bastante trágico. Enquanto que Little Horse tem um lugar reconhecido e aceite na sua comunidade, Caroline não consegue de todo ser ela própria na sua.
O centro moral do filme são portanto os Cheyenne, particularmente o seu chefe. Old Lodge Skins é a figura do pai (ou mais precisamente, a figura do avô) para a qual Jack se vira em muitas alturas, o único que nunca rejeita. Os pólos de referência são estabelecidos de forma decisiva na sequência em que Jack encontra Merriweather pela primeira vez com o Reverendo Pendrake (Thayer David), que é de longe a personagem mais repulsiva no filme. (É significativo que ambos ocupem, na sociedade branca do filme, posturas morais aparentemente opostas: Pendrake é o porta-voz do código moral oficial, e Merriweather é claramente imoral. A obsessão de Pendrake com a comida e em empanturrar-se é de facto paralela à ganância de Merriweather. À medida que um engorda, o outro diminui, mas estão ambos isolados no seu próprio egocentrismo e eventualmente autodestroem-se.) Merriweather diz a Jack: “[Old Lodge Skins] deu-te uma visão de ordem moral no universo, e não há nenhuma,” e é sob a sua influência que Jack decide “Bom, talvez sejamos todos tolos e nada disto importa.” A disposição de cada cena de Merriweather é significativa; ambas ocorrem imediatamente a seguir a um encontro com a Sra. Pendrake e acontecem em momentos em que a decepção de Jack com o mundo dos brancos chega ao seu ponto culminante. Merriweather surge de facto como a verdade que explica o mundo branco—egoísta e cínico sob o seu moralismo rígido e convencional que, ao ser atacado e espancado sem piedade, permanece indestrutível.
As cenas que envolvem Louise Pendrake oferecem um exemplo admirável da complexidade do tom do filme: a comédia domina, mas há uma nota de fundo inquietante, que é repetida cada vez com mais força. A cena em que ela dá banho a Jack—provavelmente a cena mais puramente engraçada no filme—culmina quando, enquanto o seca, ela o beija, e os olhos dela traem a sua sensualidade e a sua necessidade de ternura. Mais tarde, no bordel, ela começa automaticamente a despir-se para Jack, dizendo-lhe pela primeira vez que quando ele era novo, ela se tinha aproximado da sua cama durante a noite e queria tê-lo acordado. Separado dela por uma cortina de pérolas e pela sua experiência conjugal com Sunshine[5], tudo o que consegue dizer é: “devia-me ter acordado nessa noite há anos, Sra. Pendrake.” Para além da sua evocação vívida de qualquer coisa que se desperdiçou, este momento é também um dos mais significativos do filme, uma vez que defende um sentido de moralidade mais “natural” (Cheyenne) contra uma moralidade cristã mais repressiva e a degradação sexual que é o seu resultado e corolário. A cena do bordel é comparável a uma cena anterior que é cómica de uma forma muito diferente, em que Jack, mais Cheyenne que nunca, se casa com as três irmãs de Sunshine na mesma noite. Dizem-nos que os homens Cheyenne só se casam com uma mulher, mas os brancos mataram tantos homens que já não há que cheguem e as irmãs ficam viúvas e sem filhos. A ética “natural” (adaptável, portanto) está de acordo com a decisão de Jack em dormir com três mulheres que precisam tanto de um homem como a tribo precisa de crianças—uma decisão claramente mais inspirada pelo frio da noite e pela ausência de Sunshine, que partiu para dar à luz o filho de Jack, do que por considerações morais.
Depois do bordel, Jack regressa ao alcoolismo e à sarjeta e volta a encontrar Merriweather, que encarna o mais baixo grau de moralidade. Mas desta vez, embora pareça ter chegado às funduras da degradação moral, Jack recusa a oferta de trabalho de Merriweather: não vai matar búfalos pelas suas peles e privar os índios dos seus recursos. A “ordem moral do mundo” que lhe foi ensinada por Old Lodge Skins é afirmada em plena oposição à persecução de interesses próprios por Merriweather num universo desprovido de significado. Quanto mais se considera os episódios aparentemente incoerentes da vida de Pequeno Grande Homem, mais densa é a estrutura de inter-relações que eles revelam.
Vendo-se envolvido no massacre de um grupo de Cheyenne numa unidade de cavalaria, Jack afirma que “A vida não era digna de ser vivida, e a única coisa a fazer era conviver com as estrelas cintilantes.” No minuto que se segue, ele encontra Sunshine em trabalho de parto e ajuda-a a dar à luz. Os Cheyenne, com as suas tendas em tons de terra, como se crescessem do solo, e as suas cobertas em cores naturais que se harmonizam com todas as paisagens, designam-se a si próprios como “Seres Humanos.” Isto assume um alcance de significado particular se considerarmos o papel que lhes é atribuído por Penn. Pode-se defender a hipótese segundo a qual os índios no western representam para o inconsciente americano o selvagem, o natural—ou em termos freudianos, o “id.” Podemos ver assim grosso modo a atitude psicológica dos cineastas do western pela forma como tratam os índios: por exemplo, podemos pegar nos índios em Forte Apache (1948), Céu Aberto (1952) e Run of the Arrow (1957) para chegar a algumas considerações válidas sobre Ford, Hawks e Fuller. Penn está perfeitamente consciente desta dimensão de importância psicológica. A sua utilização de um povo primitivo para representar o centro ético do universo de O Pequeno Grande Homem confirma o seu lugar na grande tradição do Romantismo. D. H. Lawrence, por exemplo, teria certamente aprovado as palavras de Old Lodge Skins e o peso da importância que lhes é dada pelo contexto de todo o filme: os Cheyenne, diz ele, acreditam que tudo está vivo, “mas o homem branco, eles acreditam que tudo está morto... Se as coisas continuam a tentar viver, o homem branco vai eliminá-las.”
Mas O Pequeno Grande Homem não seria inteiramente um filme de Penn se a sua moralidade fosse tão simples como isto nos leva a acreditar. Os Cheyenne, com a sua adaptabilidade, a sua aceitação do efémero e a sua atitude indiferente mas responsável para com as relações humanas, proporcionam uma resposta parcial ao caos incontrolável da existência no universo de Penn. No entanto, a sua adesão a esta ética é temperada por outras tendências. A complexidade moral de The Chase vinha da empatia de Penn tanto pela compostura calma (Calder) como pelo instinto (Bubber e Anna). Em Alice’s Restaurant havia um dilema entre o seu interesse empático pela liberdade do mundo hippie—a sua atitude pragmática e flexível no que diz respeito às relações humanas—e o seu sentimento de que é necessário alguma forma de permanência e estabilidade. Este dilema também se encontra em O Pequeno Grande Homem. Enquanto assistimos à cena da “grande copulação” (como é anunciada por Old Lodge Skins), não nos esquecemos que os sentimentos de Jack o ligam a Sunshine. Não há dilema visível no seu comportamento, que mais tarde recebe a completa aprovação da sua mulher (“Eu sabia que eras um bom homem”). Mas há tensão ao nível de valores implícitos: somos convidados a dar o nosso consentimento à moralidade pragmática dos caprichos passageiros de Jack com as irmãs, mas é difícil reconciliar isto com a necessidade de permanência que o filme salienta. A adoração de Jack por Sunshine é (de acordo com os critérios apresentados no filme) muito anti-Cheyenne. Os Seres Humanos estão habituados a aceitar a morte facilmente: Old Lodge Skins teve uma sucessão de mulheres (cujos papéis, parece, pouco mais são do que os de donas de casa e parceiras de cama), e as irmãs estão muito inclinadas a ser consoladas na sua viuvez. A complexidade moral culmina na cena que se segue ao Massacre de Washita: o extermínio de homens, mulheres, crianças e cavalos tem como contraponto a caminhada cómica de Old Lodge Skins, que anda de forma serena em direcção ao rio, seguro da sua invisibilidade. Ele pôde dizer “Hoje é um bom dia para morrer” e aceitar o massacre do seu povo com um espírito tranquilo; ele é o centro moral do filme, e a sua calma suscita uma empatia profunda. E então Penn leva-nos imediatamente para a morte de Sunshine e do bebé e para os gritos de agonia de Jack, estendido na neve como num simulacro da morte deles. A complexidade moral e emocional desta sequência revela em vez de confusão uma abertura de espírito admirável.
Este grande prelúdio modera a tristeza do final do filme introduzindo um esforço frágil pela crença de que é possível perpetuar valores “naturais”. Jack, tendo aceitado os valores que lhe foram ensinados por Old Lodge Skins, a figura paternal que acabou por escolher, transmite-os (tendo-se ele próprio tornado uma venerável figura paternal) ao jovem repórter (que se parece com Arthur Penn, embora o realizador negue tal intenção da sua parte). O plano final—um grande plano longo de Jack, sozinho com as suas memórias no lar de idosos—é tão desolador como os finais habituais dos filmes de Penn mas também comunica um sentimento de perenidade. No episódio final da estória de Jack, Old Lodge Skins decide morrer e escala uma montanha na esperança de encontrar um pico suficientemente majestoso. Mas a magia não funciona e ele é acordado pelas gotas da chuva; neste momento, os elementos cómicos, pungentes e positivos do filme combinam-se maravilhosamente. Ele aceita a vida e a morte com a mesma serenidade. Nunca vemos Old Lodge Skins morrer.
[1] Irving Penn, «Moments Preserved: Eight Essays in Photographs and Words» (Nova Iorque: Simon and Schuster, 1960).
[2] Peles de Antigas Pousadas. [N.d.t.]
[3] Urso Mais Novo. [N.d.t.]
[4] Cavalo Pequeno. [N.d.t.]
[5] Raio de Sol. [N.d.t.]
in «Positif», nº 126 (Abril de 1971), 1–8. Traduzido para inglês por Myriam Lacroix e Gabrielle Grant a partir da tradução francesa do original perdido.
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