Alguns Comentários Sobre o Trabalho de Câmara em 70mm por um Director de Fotografia Prático
por Arthur Edeson, A.S.C.
Se alguns meses atrás alguém me dissesse que não só ia fazer a fotografia de um grande filme em película panorâmica, como também ficar raivosamente entusiasmado com as suas possibilidades artísticas, pensaria que era doido. Porque eu tinha a atitude típica e conservadora de um operador de câmara em relação à película panorâmica: podia estar bem como novidade, mas como meio prático para um trabalho artístico sério era impossível. Conseguia pensar em demasiadas falhas técnicas e artísticas na coisa para pensar que alguma vez fosse ganhar o favor de um operador de câmara. Parecia tudo - especialmente a nova proporção da sua imagem - absolutamente errado.
Desde aí passei mais de seis meses a filmar a versão em 70 milímetros de The Big Trail de Raoul Walsh. Tinha filmado dezenas de milhares de metros de película Grandeur neste intervalo de tempo, e os resultados tinham-me convencido que era eu que estava enganado, e não o processo. E agora que a produção está concluída, sei que vou achar mesmo difícil voltar às proporções limitadas da nossa película-padrão actual.
Porque a fotografia em 70 milímetros deu-me uma perspectiva completamente nova. Em vez de olhar para as coisas à luz da moldura velha e estreita da Movietone, agora vejo-as fotograficamente como o meu olho as distingue naturalmente - muito nas mesmas proporções do enquadramento baixo e largo do Grandeur.
Tecnicamente, a direcção de fotografia em 70 milímetros é muito como a direcção de fotografia normal em 35 mm. As câmaras são câmaras Mitchell padrão. A película é Eastman Pancromática Tipo Dois padrão. As lentes são parecidas com as lentes padrão na maior parte dos aspectos. No entanto, é nas lentes que se encontra a principal diferença técnica, porque qualquer lente em película de 70 mm vai abranger um ângulo de visão consideravelmente mais amplo do que na película padrão mais pequena. Portanto, quando se têm de filmar duas versões, como no presente filme, a câmara de 70 milímetros tem de ter uma lente aproximadamente com o dobro de distância focal das lentes usadas para fazer um plano correspondente em 35 mm. Ou, invertendo o exemplo, quando o operador de câmara usa uma lente com uma dada distância focal, o operador de câmara normal tem de usar uma lente aproximadamente com metade desse tamanho para fazer o seu plano correspondente. Uma das lentes de distância focal mais curta que eu usei durante a realização de The Big Trail foi a de 50 mm, embora se afirme que a de 40 mm é teoricamente o mínimo absoluto utilizável. No entanto, como isto era efectivamente trabalho de produção, e não teste de laboratório, preferi jogar pelo seguro e nunca usei algo inferior a cinquenta. Quando usava uma de cinquenta num plano, o operador de câmara normal usava uma de vinte e cinco para produzir um plano correspondente na película mais pequena dele; quando o plano dele pedia uma de cinquenta, o meu exigia uma de dez centímetros, e assim sucessivamente. Neste filme, embora a maior parte das cenas tenham sido duplicadas plano por plano em cada tamanho de película e tantas vezes quando possível, a versão em Grandeur recebeu maior atenção por ser considerada a mais importante. Portanto foram as exigências das câmaras de 70 milímetros que ditaram as lentes que se utilizavam, a instalação do material, a acção, e todas essas questões.
A selecção de lentes para o uso em 70 milímetros é especialmente importante. Uma das principais queixas fotográficas contra a película panorâmica tem sido apenas o facto de haver muitas vezes uma queda acentuada em definição nas extremidades da imagem. A única cura para isto é o uso de lentes da maior das qualidades - as melhores das melhores. Claro que qualquer operador de câmara digno desse nome vai ter muito cuidado na selecção do seu equipamento de lentes, mas ao seleccionar objectivas para a película panorâmica, tem de tomar precauções ainda mais extraordinárias. Naturalmente que isto significa uma quantidade infindável de testes mesmo antes que uma lenta seja escolhida, mas vale bem a pena, porque só as melhores lentes é que dão filmes perfeitos em Grandeur, e só os filmes perfeitos é que conseguem revelar todas as possibilidades dos 70 milímetros.
No meu caso, quando me incumbiram do trabalho de câmara de 70 milímetros em The Big Trail, percebi a importância do equipamento de lentes adequado, e passei muito tempo a procurar as melhores lentes disponíveis - e garanti que os meus associados no filme fizessem o mesmo. Quando me tinha finalmente decidido na marca particular de lentes que queria usar, pedi aos fabricantes que me abastecessem com uma selecção extremamente grande de lentes de todos os tamanhos por onde escolher. Testei estas de todas as maneiras concebíveis, visual e fotograficamente; descobri que a única indicação verdadeira das suas capacidades era mesmo o seu desempenho em testes fotográficos. E ainda que as lentes que usei tenham sido o produto daquela que é provavelmente a firma óptica mais eficiente e exigente no mundo, descobri que tinha de testar pelo menos dez ou doze lentes individuais para obter uma que que se adequasse perfeitamente a todos os meus testes. Mas estes incómodos e despesas eram amplamente justificados não só na qualidade da fotografia resultante quando o filme começou a produção, como no facto de que agora tenho o equipamento de lentes para direcção de fotografia em 70 mm ou 35 mm mais perfeito que já se montou. Porque estas lentes podem ser usadas de forma intercambiável, seja na minha Mitchell de 70 mm ou na minha Câmara Mitchell normal de 35 mm.
Os principais requisitos para lentes na direcção de fotografia em película panorâmica são, em primeiro lugar, um poder de cobertura extremamente amplo; e em segundo (e quase com tanta importância), uma profundidade de foco extremamente grande. Devido à forma mais natural do quadro em Grandeur, produz-se um certo efeito pseudo-estereocóspico: mas este efeito perde-se se não houver uma profundidade de foco muito considerável na imagem. A fotografia em 70 milímetros tem quase a mesma proporção que o nosso campo natural de visão, o que é responsável por esta pseudoestereocospia, suponho. Mas claro que para tirar vantagem total disto, temos de usar lentes que nos dêem um grau de profundidade que se aproxime pelo menos um pouco do dos nossos olhos. Portanto é vital que as lentes Grandeur sejam seleccionadas com vista a obter esse efeito, para que se consigam as imagens mais puras e profundas.
Outro ponto que tem sido uma fonte de problemas para os primeiros utilizadores da película panorâmica é a sua tendência para a abrasão. Durante os muitos meses em que estávamos a trabalhar em The Big Trail, filmámos mais de cento e cinquenta milhões de metros só em 70 mm, absolutamente libertos de riscos e abrasões de qualquer tipo. Isto foi feito tendo simplesmente muito cuidado na questão sempre importante de manter as câmaras e os magasins limpos. Tornou-se uma regra rápida e rígida as câmaras terem de ser limpas de forma minuciosa todas as noites, não só com escovas, mas com correntes de ar comprimido. E uma vez que estávamos a trabalhar sob todas as espécies de condições nos vários locais em que éramos pioneiros - no calor insuportável, a humidade e a poeira dos desertos do Arizona; o frio húmido das montanhas do Montana e do Wyoming; e a pulverulência húmida das florestas do norte - sem qualquer problema desta origem, parecia que era só preciso esse cuidado como medida preventiva.
Outro detalhe problemático para o qual encontrámos cuidadosamente um remédio santo foi o da ondulação e curvatura da película. Uma curvatura numa câmara de 70 milímetros é uma coisa terrível, porque não só estraga uma grande quantidade de película valiosa, e danifica muitas vezes a câmara, como transforma invariavelmente o motor numa perda total. Durante a nossa primeira semana de trabalho no filme, tivemos várias más curvaturas - o que significava sempre um novo motor. Isto era naturalmente uma coisa séria; não se podia permitir que continuasse. Portanto dedicámos as nossas energias todas a encontrar a causa destas curvaturas. Eventualmente descobrimos que eram devidas à fricção entre as bordas da película e as paredes dos magasins. Depois disso, tomámos cuidados especiais a fazer o carregamento, certificando-nos de que cada rolo de película utilizado era absolutamente fiel à sua bobina, sem chance alguma de tocar nas paredes do magasin - e não tivemos mais curvaturas no filme.
Tirando estes detalhes, do ponto de vista técnico a direcção de fotografia em Grandeur não é nada diferente do trabalho de câmara em tamanho normal. Qualquer homem que seja tecnicamente capaz de fazer um bom trabalho em película de 35 mm deve ser capaz de o fazer tão bem em película panorâmica, portanto. Neste contexto, é interessante notar que em The Big Trail, como estávamos constantemente a andar de um lado para o outro do país durante a nossa viagem alargada pelas localizações, nem o Sr. Walsh nem eu éramos capazes de ver o que quer que fosse da película que filmámos até ao nosso regresso a Hollywood - quase cinco meses depois. Que a película - mais de 150,000 metros só de Grandeur - estivesse toda tecnicamente perfeita é não só uma demonstração definitiva de que a direcção de fotografia em película panorâmica é basicamente a mesma que o trabalho 35 mm, como uma homenagem muito grande aos meus associados que se ocuparam das outras câmaras Grandeur.
Do ponto de vista artístico, a principal exigência da direcção de fotografia em Grandeur é que tanto o operador de câmara como o realizador se aprendam a acomodar à tela mais ampla. O problema do operador provavelmente é o mais fácil, porque aprende rápido que compor uma imagem na tela larga da câmara Grandeur não é essencialmente muito diferente da composição para o velho rectângulo "mudo-padrão", e muito mais fácil do que para a tela quase quadrada da Movietone. Se um homem é artista suficiente para compor com sucesso as suas imagens cinemáticas nos primeiros formatos, deve ser capaz de se acomodar a este novo, tal como um bom pintor se consegue adaptar às exigências da sua tela normal, ou dos painéis de grandes murais. No entanto, num filme em Grandeur o realizador tem de prestar consideravelmente mais atenção à sua acção em segundo plano do que é normalmente o caso, porque, mesmo nos grandes planos, a profundidade de foco exigida pelo Grandeur torna o segundo plano uma parte importante do filme. A propósito, o Grandeur reduz consideravelmente o número de grandes planos, já que as figuras são tão maiores que os planos aproximados normalmente são tudo o que é preciso.
Ao trabalhar num filme como The Big Trail os 70 milímetros são uma ajuda tremendamente importante, porque a envergadura épica do filme exige que seja desenhado diante de uma grande tela. O Grandeur dá-nos uma tela imensa com que trabalhar, e permite-nos fazer com que o plano de fundo desempenhe o seu papel no filme, tal como o fez nos acontecimentos históricos que estamos a dramatizar. E foi isso o que tentámos fazer ao longo deste filme: fazer a história viver outra vez no ecrã. O principal motivo da história é a perseverança indomável dos pioneiros, como é mostrado pelo seu percurso para oeste através dos grandes desertos, as vastas planícies, as montanhas imponentes, e para as grandes florestas da Califórnia e do Oregon. Portanto, o plano de fundo desempenha um papel vitalmente importante no filme - um papel que só pode ser completamente revelado ao ser mostrado como a película em 70 milímetros o pode mostrar. Lucien Andriot, que fez a fotografia da versão em película-padrão do filme, fez um excelente trabalho, mas o meio com que estava a trabalhar não conseguia começar sequer a captar o vasto alcance da história e do seu plano de fundo como fazia o Grandeur. Trabalhando em película de 35 mm, ele era simplesmente incapaz de dramatizar os planos de fundo como o fazia a película maior, porque em 35 mm ele não podia tentar mostrar adequadamente tanto os vastos planos de fundo como a acção íntima em primeiro plano num só enquadramento, como as câmaras Grandeur conseguiam. As ilustrações que reproduzem a cena idêntica tratada pelas câmaras Grandeur e de 35 mm mostram isto de forma admirável.
Partindo da minha experiência com fotografia em 70 milímetros em The Big Trail, posso dizer com confiança que a película panorâmica é não só o formato futuro para grandes filmes desta envergadura, como se vai tornar indubitavelmente o favorito para todos os tipos de filmes. Marca um avanço definitivo em técnica de cinema, e a partir dele evoluirão sem dúvida os filmes verdadeiramente estereoscópicos do futuro, na direcção dos quais tantas pessoas há muito se empenham. Como até agora só trabalhei com a película 70 mm, dificilmente me sinto qualificado para profetizar em relação à dimensão que a indústria acabará por adoptar como padrão, embora me incline naturalmente para o Grandeur, ao qual estou mais habituado. No entanto, a película mais panorâmica é uma melhoria desejável de forma tão definitiva que espero que seja aceite em breve um padrão definitivo. Assim que esse padrão for determinado, e se lhe derem filmes adequados em película panorâmica, o público vai sem dúvida mostrar uma preferência por ele. De qualquer forma, as versões em 35 mm têm de continuar a ser feitas durante muito tempo: mas isso não será muito difícil, já que se podem fazer reduções de negativos em Grandeur de forma perfeitamente satisfatória, por impressão óptica, e com uma despesa muito menor do que filmando duas versões, como tem sido feito com todos os filmes em película panorâmica produzidos até agora. Claro que isto vai impor aos operadores de câmara e aos realizadores uma necessidade de um cuidado invulgarmente grande em produzir as suas composições: mas dificilmente será mais trabalhoso que o seu problema actual de compor filmes em 35 mm para que sejam adequados para todas as diversas aberturas de projecção usadas em todo o mundo. Aqui a maior dificuldade vai ser a de comporem os seus planos de conjunto, que vão ter de ser feitos de maneira a que se possam transformar em dois grandes planos separados na impressão de redução. Mas esta é só uma dificuldade menor quando comparada com as enormes vantagens que a fotografia em 70 milímetros oferece em todos os outros aspectos. E quando estas vantagens, e as que a banda-sonora da película panorâmica oferece aos engenheiros de som, forem combinadas com um sistema aperfeiçoado de fotografia a cores, os directores de fotografia e os realizadores vão ter mesmo um instrumento digno dos seus melhores esforços artísticos e técnicos.
in «Wide Film Cinematography», American Cinematographer, Setembro de 1930.
Sem comentários:
Enviar um comentário