quinta-feira, 31 de dezembro de 2009
segunda-feira, 21 de dezembro de 2009
Os 10 Melhores dos anos 00
Não sabendo bem quando acaba ou quando começa a década (parece que começa em 2001 e acaba em 2010), também eu vou escolher os 10 filmes desta década - os que, para mim, foram os melhores e mais importantes. Aqui estão eles:
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"Gosford Park" (2001)
É o 2º melhor filme de Robert Altman (o primeiro é "McCabe and Mrs. Miller" - o anti-western, um dos filmes mais fabulosos dos 70), homenagem à literatura policial inglesa dos anos 30 e 40 e, por si só, testamento vivo do que Altman acreditava ser o Cinema: os grandes elencos sem personagem ou personagens principais (com a complexidade que isso implica) e os diálogos "decorativos" (falar por falar e não para explicar a acção ou a história) - o mais próximo possível da vida. Não é por acaso que, durante as duas horas do filme, Altman "tece" um estudo social e político da Inglaterra dos anos 30. Contemplativo e sedutor como nenhum outro em 2001.
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"The 25th Hour" (2002)
É um filme político (e, no fim, muito mais que isso), o primeiro a reflectir (e de que maneira) as feridas sociais, sentimentais e políticas do 11 de Setembro e, claro, é poderosíssimo, fenomenal. É o melhor filme de Spike Lee e é, também, de uma raiva e de um descontentamento desmedidos - o fim do sonho americano...
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"O Quinto Império" (2004)
Retrato de D. Sebastião enquanto mito e, portanto, completamente actual ou uma análise intemporal da portugalidade. É onde Pessoa, Paredes e Régio convivem e uma emenda ao fracasso (ainda que glorioso) de "Non, ou a Vã Glória de Mandar" e que (re)avivou todos os nossos fantasmas históricos: Portugal ainda espera que Sebastião regresse numa manhã de nevoeiro...
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"Cigarette Burns" (2005)
Pode não ser o melhor, mas não houve filme que me marcasse tanto esta década como o "Cigarette Burns" do Carpenter (da mesma maneira mas em grau diferente só o "Basterds" do Tarantino ou o "Ou git votre sourire enfoui" do Costa), por toda aquela paixão vincada, mesmo demente, pelo Cinema (os cinéfilos - essa raça em extinção) e a atmosfera apocalíptica que atravessa todo o filme - aqui é o apocalipse cinematográfico. E, claro, a rebeldia e a anarquia "carpenterianas", ou como um telefilme para a Showtime se transforma numa verdadeira carta de amor à Película e ao Cinema.
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"Il Caimano" (2006)
É sobre Berlusconi, porque é sobre a Itália dos últimos 30 anos e, como diz Teresa (a jovem cineasta) no filme, a Itália dos últimos 30 anos é Berlusconi.
Moretti, o maior cineasta italiano em actividade, constrói uma análise ao Cinema italiano dos últimos 30 anos, do qual faz parte, filmando uma família (e um país) em crise. E faz tudo isto sem cair na condescendência ou no panfletismo. É Cinema político, sim, mas é tão mais que isso...
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"The Tracey Fragments" (2006)
"The Tracey Fragments", de Bruce MacDonald, é o melhor filme com Ellen Page (a maior revelação feminina da década). Cinema digital e sobre os nossos dias, conta a história de uma adolescente à procura do irmão desaparecido, por fragmentos, fragmentos de narrativa. O ecrã também está fragmentado (e nunca vi splitscreen melhor que este - também ainda não vi o Histoires du Cinema do Godard) e os sentimentos da personagem, os medos e a própria auto-estima, ainda mais. Diz-nos que, nos tempos que correm, não conhecemos uma pessoa senão por pedaços de convivência, porque vivemos, cada vez mais, isolados uns dos outros.
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"Ne touchez pas la hache" (2007)
Filme de época e adaptação de "La Duchesse de Langeais" de Honoré de Balzac, "Ne Touchez Pas la hache" de Jacques Rivette é austero, quase impenetrável, uma sátira tremenda aos costumes do séc. XIX e um conto romântico mútuo-destrutivo ("quanto mais me bates...) e de uma esperteza ("wit") inabalável. É de uma noção de ritmo e de timing cinematográfico extraordinários (colar planos, pensá-los a cada um como força viva, palpável, mesmo) e o melhor Rivette desta década (tinha, por isso, que estar aqui).
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"A Londoni férfi" (2007)
Primeiro contacto com o Cinema de Béla Tarr (e único, ainda) e uma experiência única, verdade seja dita. O Tarkovski, o Antonioni e o Minnelli já têm companhia, são eles os principais destruidores daquela ilusão "baziniana" de que o plano-sequência é um plano realista.
A história é facílima de contar, mas o fácil e o simples acabam aí. O que é "A Londoni férfi"? - film noir? ficção científica? - filme de uma importância e de uma profundidade imensa, que tenta apurar (sem conseguir porque não é possível) o que é o ser humano?...
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"Cztery noce z Anna" (2008)
Skolimowski não fazia um filme há dezasseis anos, Paulo Branco "resgatou-o" e, assim, nasceu Quatro noites com Anna, um dos filmes mais (dolorosamente e delirantemente) obsessivos dos últimos 30 anos ("Vertigo" dos pobres). É uma história de amor no negativo onde o ódio e o amor, o repulsivo e o sedutor, a inocência e a experiência e o mórbido e a beleza convivem. Das melhores coisas que me foram dadas a descobrir nos últimos tempos....
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"Gran Torino" (2008)
Por fim, Clint Eastwood e o seu "Gran Torino". Porque não se pode compreender a América como um misto de republicanos e democratas, bidimensional, nem as pessoas como unidimensionais (e Eastwood sabe-o), eis um filme que só é simples em termos formais (alcançar essa simplicidade é que é o cabo dos trabalhos - só mesmo para alguns), uma "coça" moral como nenhuma outra em 2008.
*E custou-me muito, muito mesmo, não ter conseguido arranjar espaço para o "Spider" do Cronenberg....
Menções Honrosas: "Spider" (Cronenberg) / "Oû Gît votre sourire enfoui" (Costa) / "A.I." (Spielberg) "O Quarto do Filho" (Moretti) / "Vou para casa" (Oliveira) /"A Arca Russa" (Sokurov) / "Mulholland Drive" (Lynch) / "Femme Fatale" (Palma) / "Punch Drunk Love" (Anderson) / "Signs" (Shyamalan) / "Finding Nemo" (Santon) / "Elephant" (Sant) / "Dogville" (Trier) / "Before Sunrise" (Linklater) / "Kill Bill" (Tarantino) / "Far From Heaven" (Haynes) / "Eternal Sunshine of the spotless mind" (Gondry) / "Noite Escura" (Canijo) / "A History of Violence" (Cronenberg) / "The New World" (Malick) / "The Black Dahlia" (Palma) / "Inland Empire" (Lynch) / "98 Octanas" (Lopes) / "Livro Negro" (Verhoeven) / "Miami Vice" (Mann) / "Little Children" (Field) / "Belle Toujours" (Oliveira) / "I`m not There" (Haynes) / "Paranoid Park" (Sant) / "There Will be blood" (Anderson) / "This is England" (Meadows) / "Juventude em Marcha" (Costa) / "Vals im Bashir" (Folman) / "Lat den ratte komma in" (Alfredson) / "Che" (Soderbergh) / "Inglourious Basterds" (Tarantino)
R.I.P. x 4
Morreu Brittany Murphy, aos 32 anos e antes de conseguir "construir" uma carreira: ficam, talvez, "Sin City" e "8 Mile" (mas duvido):
Brittany Murphy (1977-2009)
Morreu Jennifer Jones, a eterna Pearl Chavez de "Duel in the Sun" de King Vidor. Pode ser que seja esse o seu melhor papel, mas o meu preferido é o de Madame Bovary em "Madame Bovary" de Vincente Minnelli, aquele ódio e aquela raiva acumulada, aquele grito de revolta por felicidade, por satisfação, por liberdade... E a cena do baile continua espectacular, tão espectacular como há 61 anos:
Jennifer Jones (1919-2009)
Morreu Dan O`Bannon, colega de escola de John Carpenter. Juntos fizeram um filme de um amadorismo encantador, uma odisseia radical e inverosímil que dá pelo nome "Dark Star", e que serviu de base a um filme "profissional" em 1979, mas em nada superior ("Alien" de Ridley Scott). Participou, também, na escrita do argumento deste último e de "Total Recall" de Paul Verhoeven.
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Dan O`Bannon (1946-2009)
Por fim, morreu Robin Wood, aos 78 anos. Crítico de profissão, escreveu livros sobre Alfred Hitchcock, Howard Hawks e Arthur Penn, além de ter escrito artigos para várias revistas, como a "Cahiers du Cinema" (artigo sobre Psycho, em 1960), a "Film Comment" e a "CineAction". Em 2008, a Criterion convidou-o a escolher um Top 10:
1. "Sansho The Bailiff" (Mizoguchi); 2. "Playtime" (Tati); 3. Complete "Mr. Arkadin" (Welles); 4. "Seven Samurai" (Kurosawa); 5. "Pickup on South Street" (Fuller); 6. "The Lady Eve" (Sturges); 7. "Tokyo Monogatari" (Ozu); 8. "I Know where I`m Going" (Powell/Pressburger); 9. "Band à Part" (Godard); 10. "Notorious" (Hitchcock);
Robin Wood (1931-2009)
domingo, 20 de dezembro de 2009
"Avatar" - 2009
O "Avatar" não é metade do que é o "Terminator 2", nem um terço, nem um oitavo.
É ver o "The Abyss" ou o "Aliens" (melhor da série) outra vez e reparar nas diferenças: dum lado temos a humildade de um artesão e do outro a megalomania de alguém que é pequeno demais para a ter, o Cameron não é um Lang, nem sequer um Coppola - anda muito, muito longe.
* E o ponto de partida até nem é desinteressante: os humanos são os aliens e a sempre propositada analogia com os Descobrimentos com Pocahontas à mistura. Bem, fica aí uma imagem do "The Abyss", que eu do "Avatar" não ponho...
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quinta-feira, 17 de dezembro de 2009
"一一" - 1999
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O filme de Edward Yang é um monumento, um épico intimista (como "Magnolia") e, sobretudo, universal. Diz tanto a pessoas do Taiwan (ou "Formosa" - já foi colónia portuguesa) como a pessoas do Japão, da China, da Europa e da América....
Envolvente, sereno e meticuloso - faz lembrar o cinema de Ozu - é de uma perfeição tremenda (planos, enquadramentos...).
São 5 pessoas a aprender sobre a vida, sobre o Amor, sobre a morte, e, no fim, são tantas mais: somos todos nós, os novos e os velhos, os homens e as mulheres, e (claro e sempre) sem olhar a credos e raças: o Mundo inteiro está aqui, já todos passámos por isto, de uma maneira ou de outra. Foi o filme-sensação do Festival de Cannes em 2000 (não sei porque é que o trier ganhou a Palma de Ouro) e o melhor filme de 99 (já estava pronto nesse ano), junto a "Magnolia" e o "Vento Levar-nos á" do Kiarostami.
Crítica de Kent Jones
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"Terminator 2: Judgment Day" - 1991
sábado, 12 de dezembro de 2009
"A Streetcar Named Desire" - 1951
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STELLA! STELLA !
Mais do que por ter grandes actores, porque isso não chega (se ajuda? - ajuda, sim senhor), é este momento que me faz adorar o filme de Kazan. Porque se acontecem desgraças antes e depois de Stanley começar a olhar para a escadaria da casa dos vizinhos (onde Stella está) elas deixam de importar quando ela ouve o grito animalesco do marido - e o mundo continua, como sempre continuou e há-de continuar. É por isto acontecer (o grito selvagem) que as coisas são como são e é por as coisas serem como são que acontece isto, é o fechar e o abrir do ciclo de acontecimentos do filme, das relações amargas à imundície do bairro, o negro e o escuro. Não há, lá, lugar para alguém com o nome de Blanche, não pode haver...
domingo, 29 de novembro de 2009
Diz-me o que vês, dir-te ei quem és - Tarkovsky
Entre os grandes russos que o precederam, Tarkovsky aprecia Dovjenko, o realizador lírico e sensual de "A Terra" (1930), mas é reticente em relação a Eisenstein, cujos filmes, que enfatizam a criação dum sentido abstracto através da montagem, são, na sua opinião, muito formais, cerebrais. O seu Andrei Rubliov é uma espécie de resposta aos filmes históricos de Eisenstein e nomeadamente a "Ivan, o Terrível" (1944-1958).
Entre os seus compatriotas e muitas vezes amigos cujo talento de cineasta admira, Tarkovsky cita frequentemente o georgiano Iosseliani ("Era uma vez um Melro Cantor", 1970), o ucraniano Paradjanov ("Os Cavalos de Fogo", 1965), que ele apoiou durante a sua detenção e as suas privações, e, mais jovem, Alexander Sokurov ("Mãe e Filho", 1997), que Tarkovsky declarou ser um "génio" depois de ter visto os seus primeiros trabalhos.
Conhece as grandes personalidades do cinema europeu que se afirmaram após a Segunda Guerra Mundial. Os seus cineastas favoritos são muitas vezes, e isto não surpreende, realizadores que levaram ao ecrã visões particularmente perturbadoras: Bergman (o sonho do velho homem em "Morangos Silvestres", 1957), Buñuel ("Os Esquecidos" de 1950, onde o jovem rapaz tem um sonho perturbador, pré-tarkovskiano, no qual a sua mãe anda em câmara lenta, em camisa de noite, por cima das camas , como um anjo saído de um quadro, enquanto chovem - como mais tarde em Tarkovsky - plumas e... uma galinha) e Fellini (cujo filme mais célebre, "Otto e Mezzo" de 1963 começa por um sonho de asfixia, depois de levitação - que inspirou o início de "Rubliov").
A pureza da intenção e da realização era o que Tarkovsky admirava em Robert Bresson, com quem um curioso destino levaria a encontrar-se em competição em 1983, em Cannes, onde partilharam um "prémio especial" de consolação, já que nenhum dos filmes obteve a Palma.
De Buñuel, ainda, a parábola apocalíptica obscura e perturbadora de "O Anjo Exterminador" (1962) onde um destino misterioso e inexplicável atinge um grupo de pessoas, influenciou profundamente "O Sacrifício".
Finalmente, "Nazarin"(1958) e "Viridiana" (1961) contam a confusão e as calamidades que provocam os heróis que querem pôr em prática os ensinamentos de Jesus; ilustram já a loucura do cristianismo. No entanto, mesmo não sendo insensível a alguns westerns, Tarkovsky é totalmente indiferente ao cinema de acção e de entretenimento."
Michel Chion, no livro do "Cahiers du Cinema " dedicado a Tarkovsky
* No que a Eisenstein diz respeito, não podia estar mais de acordo: cerebral, metódico e calculista demais para se gostar (pelo menos, eu), já no campo do Cinema de entretenimento é o contrário: adoro Hawks, adoro Chaplin... diz-me o que vês, dir-te ei quem és, e cada um é diferente do outro, sempre.
sábado, 28 de novembro de 2009
Mais sobre "Зеркало":
"O Homem Itinerante
Como uma fórmula mágica, o título em sete letras cirílicas, "Zerkalo" (como anteriormente "Solaris" e mais tarde "Stalker", sete letras também), é retomado em grande no fim do genérico inicial. Segue-se, imediatamente, um plano destinado a eternizar a imagem duma mãe: vista de costas, virada para o infinito, sentada numa cerca, e a fumar. Não sabemos onde estamos, mas a cerca em madeira seca, os postes telegráficos, o aspecto cultivado da paisagem humanizam o campo. Dois movimentos de sentidos opostos convergem para esta mulher: o da câmara, que avança para ela, e o da personagem, que vem do fundo da paisagem e que só mais tarde vemos aparecer como um ponto ao nível do seu pescoço, como se - esta expressão não é usada por acaso, o cinema assenta muito no "como se" - a mãe nos tivesse escondido ou como se aquela proviesse dela, do seu desejo.
A personagem do homem itinerante, inspeccionando a Terra, como o fez Tarkovsky, quando participou numa missão geológica na Sibéria, está presente em toda a sua obra. Este homem que voltaremos a ver mais tarde, aqui, vem no lugar do pai, que parece esperar a mulher. Encarna uma espécie de ilusão sobre "os pretendentes", todos os homens susceptíveis de seduzir a mãe.
Segue-se um plano aproximado da mãe a olhar friamente para o homem. Uma panorâmica sobre a direita volta a unir o rosto à natureza próxima. E só depois vemos a mãe do ponto de vista do homem, num plano subjectivo, com a casa atrás dela, quase ameaçadora por trás do seu maciço de árvores.
O homem diz-se médico e toma, na brincadeira, o pulso da mulher. Travelling circular à volta do puxo da mãe, cuja cabeça é como o centro à volta do qual gira o universo. É apenas quando o médico olha para trás dela que a mãe se vira e olha também friamente. Vemos então pela primeira vez crianças muito jovens numa rede, como se indistintamente embrulhadas uma na outra.
Retroactivamente, tudo o que vimos desde o início do filme torna-se agora como que numa visão e uma lembrança duma destas crianças. Mas, no seguimento, o enquadramento e a montagem não as voltam a mostrar e os dois adultos agem e falam como se as crianças não existissem ou como se estas só estivessem lá para ser o que as crianças são frequentemente: as "testemunhas no absoluto daquilo que vive" (François Dolto).
Assim que o homem se afasta, para sempre, passa um vento no campo de trigo-sarraceno e cria uma ondulação que vem de trás para a frente. É um efeito mágico, "como se" passasse uma corrente do homem para a mulher, com esta dimensão misteriosa, supersticiosa, duma frescura sempre renovada, que Tarkovsky dá aos fenómenos naturais como o vento e a chuva."
Michel Chion, sobre "Zerkalo"
* e sim, aqueles efeitos mágicos, sejam "os ventos que ondulam de trás para a frente", seja a marca de vapor a desaparecer na mesa, seja o lavar dos cabelos e o cair das gotas, o partir de janelas e o ruir dos tectos, são de um poder arrebatador e são feitos técnicos que não se podem, de maneira nenhuma, ignorar. TARKOVSKY É UM GÉNIO...
sexta-feira, 27 de novembro de 2009
"Зеркало" - 1975
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Visto já depois de conhecer o "estilo" do russo e de ter visto "Stalker" (um dos melhores filmes de sempre), o "Nostalghia", o "Offret" e o "Tempo di Viaggio", ver o "Espelho" foi, ainda assim, assombroso e uma viagem surpreendente, fascinante. E não há história, ou melhor, há pequenos pontos narrativos: uma família dividida, uma guerra, sonhos e deambulações; mas o Cinema não tem que ser narrativo nem tem que ser só prosa. "O Espelho" é poesia, é música. É uma viagem pessoal, sem ser, por isso, racional ou cerebral, mas antes um desabafo sentimental e artístico - uma obra de arte - vindo, claro e sempre, do coração.
E os planos são fabulosos, seja cada um em particular, seja a sua articulação, seja o todo. Esculpir o tempo, "cortar" no plano em sequência e usando o som e a luz (como Antonioni e Minnelli - este último menos, é certo), ir ao cerne de TUDO, filmando aqueles momentos reflexivos, sejam passeios ou olhares fixos. Os pássaros, as árvores, o vento, o passado, a família, a guerra, o pai, a mãe, Tarkovsky e o "Espelho".
Agora tenho de ver o Solaris, o Andrei Rubliov e a "Infância de Ivan" e, claro, ler o "Sculping Time". O poema que se segue é de Arseni Tarkovsky, pai de Andrei, e foi parte da influência de "O Espelho", assim como outros que ele escreveu.
"And suddenly all changed, like in a trance,even trivial things, so often used and tried,when standing beetween us, guarding us,was water, solid, stratified.it carried us i don`t know where.retreating before us, like some mirage,were cities, miraculously fair.under our feet the mint grass spread,the birds were following our tread,the fishes came to a river bend,and to our eyes the skin was open.behind us our fate was groping,like an insane man with a razor in his hand."
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domingo, 22 de novembro de 2009
"His Girl Friday" - 1939
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Os filmes de Howard Hawks são geniais, brilhantes (não há palavras que lhes façam justiça), porque não há mais simples que aquilo: é Cinema de personagens, argumento clássico sem elipses, nem malabarismos narrativos. Parece fácil mas não é, porque não há ninguém que desenvolva personagens (ou desenvolvesse) como Hawks o fazia.
"His Girl Friday" é assim, também. Tudo reduzido ao essencial (os planos, os cenários, as situações), uma noção de ritmo arrebatadora (como colar planos entre si - e poucos têm esse dom), porque Cinema - um bom filme, como ele dizia - é "duas boas cenas e nenhuma má". É lembrar o espectador que a vida vale a pena ser vivida e que não vale a pena passá-la em sofrimento. Cada filme dele é isso, uma reflexão sua sobre a vida, a sua moral e a sua visão do Mundo em película e não é por ser bem disposto que se colocam menos questões. Haverá coisa mais profunda que o Amor ou que um estudo sobre a pena de morte (no que a "His Girl Friday" diz respeito)? Por nos rirmos perde credibilidade? (isso é treta). "His Girl Friday" não é um filme que se veja e que se esqueça: faz parte da obra de um dos maiores realizadores que já viveu e uma das mais fascinantes, diga-se de passagem. Sempre o mesmo filme e nunca o mesmo filme, como diziam os críticos cineastas da Nova Vaga. Todo e cada um desses filmes diz coisas novas, dizendo o mesmo.
De resto e se se quer saber porque é que Hawks é um génio do diálogo, o Altman responde. Se se quer saber porque é que é um génio do timing em comédia, o Bogdanovich responde. Se se quer saber porque é que é um génio da economia espacial, dos cenários confinados, o Carpenter responde. Se se quer saber porque é que é um génio do desenvolvimento de personagens, o Tarantino responde, e, finalmente, se se quer saber porque é que é um génio estético (além de ético), o Rohmer e o Rivette respondem. Rivette escreveu uma crítica a "Monkey Business" chamada "O Génio de Howard Hawks". Começa assim:
The evidence on the screen is the proof of Howard Hawks's genius: you only have to watch Monkey Business to know that it is a brilliant film. Some people refuse to admit this, however; they refuse to be satisfied by proof. There can't be any other reason why they don't recognize it.
E espero que os próximos posts não sejam só sobre Hawks, preciso de falar doutras coisas: Antonioni, por exemplo.
The Genius of Howard Hawks por Jacques Rivette
sábado, 14 de novembro de 2009
"The Big Sleep" - 1946
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Vivian: Speaking of horses, I like to play them myself. But I like to see them workout a little first, see if they're front runners or comefrom behind, find out what their whole card is, what makes them run.
Marlowe: Find out mine?
Vivian: I think so.
Marlowe: Go ahead.
Vivian: I'd say you don't like to be rated. You like to get out in front, open up a little lead, take a little breather in the backstretch, and then come home free.
Marlowe: You don't like to be rated yourself.
Vivian: I haven't met anyone yet that can do it. Any suggestions?
Marlowe: Well, I can't tell till I've seen you over a distance of ground. You've got a touch of class, but I don't know how, how far you can go.
Vivian: A lot depends on who's in the saddle.
"The Big Sleep" e esta conversa, em particular, vão ficar para a História como a maior partida, como a maior rasteira ao Código Hays. Porque enquanto Preminger lutava para destronar essas leis, e conseguiu, Hawks rodeava-se de grandes argumentistas e fazia passar coisas como "Gentleman Prefer Blondes" e "Monkey Business", sem ter um problema de censura que fosse. O Marlowe e a Vivian falam de cavalos. Pois, pois....
sexta-feira, 13 de novembro de 2009
"Crash" - 1996
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![](http://1.bp.blogspot.com/_pSlZ9xuhLHc/Sv3rGGNd5XI/AAAAAAAAAcg/YQNUQ9ig3kE/s320/crash1.jpg)
![](http://2.bp.blogspot.com/_pSlZ9xuhLHc/Sv3rFwpz3wI/AAAAAAAAAcY/OHJcHTPG1B0/s320/crash4.jpg)
Cronenberg não teve, ainda, grande menção neste espaço, mas é dos meus cineastas preferidos. Foi, aliás, com Carpenter, o realizador que mais cedo descobri. E adoro toda a sua obra - tirando "The Fly" e "Fast Company"- de "Scanners" a "Eastern Promises", dos delírios literários de "The Naked Lunch" aos delírios entre a realidade e a fantasia de "eXistenZ" e do labirinto narrativo de "Spider" ao classicismo narrativo de "A History of Violence". Tão diferentes e, no entanto, tão iguais.
Porque, no fim, os filmes de Cronenberg têm uma e a mesma preocupação:, a de analisar a o ser humano através daquele que é o facto mais inabalável da sua existência: o corpo.
De todos eles gosto, mas só um prefiro: "Crash":
Vê-lo depois de ver o realizador a falar, e com sala cheia e em silêncio, foi fenomenal. Tudo o que tinha adorado quando o vi na televisão ampliou: aquela simplicidade (só aparente), a viagem delinquente, mas sedutora, dos orgasmos rodoviários, as personagens que falam em sussurros e que, claro, comunicam com os corpos... o que é "Crash"? - um suceder de episódios sexuais ou muito mais que isso?
É o ser humano a testar os seus limites, é o ser humano a resistir à insatisfação, a tentar viver?
É um filme para sentir, como poucos o são...
E só houve um filme que me marcasse tanto como este nos anos 90: "Escape From L.A." de John Carpenter...
domingo, 1 de novembro de 2009
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