sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Perseguição Impiedosa


por Jorge Silva Melo

O ritual do Western funde-se com o ritual do thriller no espaço comum que pode ser a tragédia (é Penn que declara que o western é o «quadro perfeito para um tema de tragédia grega»; cf. «Le Western», col. 10/18, pg. 276) para servir como que de método de inquérito ou questionário: assim é no deambular expiatório do Sheriff (Brando como inflexível representante da lei: private joke?) num huis-clos que também e portanto é um microcosmos (como o palco o é para e por A Orestíada ou para o Soulier de Satin) que se nos descobre o carácter sagrado de um sábado à noite, ritual e desgastado rompimento de um horário numa cidade em que o tempo é a existência de uma repetição: em que a festa de sábado é esse mesmo quotidiano que se pretende abandonar e que fica desse modo projectado numa outra dimensão. O desequilíbrio (e, portanto, a tragédia) dá-se quando o olhar cheio de som e de fúria, ou seja de paixão, traz a memória a esta cidade destituída de passado, e a faz nascer, absurda, consequentemente. Se por vezes nos situamos mais frente a uma cuidada dissecção de cadáver (de tal modo o ritual se aproxima e por vezes se esquece no lugar comum não recolocado) é porque talvez nós nos esqueçamos também da extrema vitalidade deste olhar de Penn aqui, creio, mais importante pela violência do que pela lucidez;

in «Um Ano Passado em Lisboa: Na Espera de El Dorado», O Tempo e o Modo, 1ª Série, nº 50-54, Junho-Julho-Agosto-Setembro-Outubro de 1967.

segunda-feira, 1 de janeiro de 2024