The Yards é um portento de filme, prova que as coisas certeiras, as que fazem doer, em cinema, não estão em guiões nem em palavras, mas nos gestos dos Whalbergs, Phoenixs e Therons deste mundo, na encenação do acidente, na gestão sentida de planos, na proximidade acutilante da câmara, na mise en scène.
Não se resolve fazer um filme só porque sim. Se se filma, há uma gravidade imposta, é a responsabilidade de um cineasta. Se aquela família é tudo durante duas horas, não é devido a profissionalismos, a competências e a coisas "bem conseguidas", ou pelo menos não só devido a isso. Não. É a tal lembrança, o tal engenho, a tal sensibilidade. O travelling de James Gray (é o que fica, tem que haver um travelling só dele), fazer colidir todo o caos criativo, todas as ideias, certezas e dúvidas, estória e personagens, num só movimento de câmara.
Antes de começarem os créditos finais, depois da última coreografia do leitmotiv holstiano (há quatro, durante todo o filme, todas com significados e implicações diferentes, e fazem lembrar o que o Cimino fez com Mahler nas cenas-chave de Year of the Dragon) depois do luto, depois do grande plano desse actor enorme que é Mark Whalberg, depois do longo e penoso fade to black; as harpas, o contrabaixo, as cordas, o travelling à frente dos comboios, nas "yards". A delicadeza desse plano, que parece tudo resumir, a consciência e sabedoria impetuosas de quem pôs aquele plano ali, de quem o filmou. Tudo em perspectiva plena. A paixão secreta de Leo e Erika, a figura trágica de Phoenix (a dor e a raiva daquele personagem), a tristeza daquelas duas mães, o olhar dilacerado daquele pai, a humanidade, o não se poder pensar as coisas em termos de bem ou mal. A vida é um acidente terrível.
O talento de um artesão não está em conseguir projectar todas as implicações e dúvidas até ao infinito no fim de um filme, mas em querer fazê-lo, pelas suas personagens e pelo amor que lhes tem.
Isto, a "resolução". Primeiro, e enumero, o regresso de Leo a casa, a um paraíso instável e que, aos poucos, desaba; o encontro no corredor; os olhares que se trocam nesse encontro; um amor impossível; apagam-se as luzes, apaga-se o mundo; as velas e o primeiro prenúncio da tragédia; uma mãe frágil, doente, que quer acreditar que tudo melhorará. Todos querem. Leo é o intruso que vem abalar os alicerces daquela família, é ele que revela todos os "podres", todos os crimes, todos os pecados...
Zero de Scorsese, pouco de Coppola. Eu penso em Minnelli, acima de tudo (Ford e Cimino, também). Em Some Came Running. Sinatra e Whalberg, o mesmo olhar, o mesmo peso às costas, a mesma dor... Theron e MacLaine, o mesmo olhar também, fortíssimas. pilares. frágeis, instáveis... não é possível não as amar durante duas horas...
Phoenix, a figura mais trágica e triste de todo o filme. Depois do inferno se soltar, nas escadas, depois do terramoto, ao volante do carro, a chorar e a estremecer, desalmadamente. O respeito pelo Homem, a câmara nunca o tenta destronar, mas enaltecer, nos altos e nos baixos, na lei e no crime, esteja "certo" ou "errado" (The Yards é um documentário). O tempo, o compasso lento e doloroso dessa cena...
Um filme nuclear do cinema norte-americano...