terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

WHAT PRICE GLORY? (1926)


1926 – USA (120') ● Prod. Fox. ● Real. RAOUL WALSH ● Gui. James T. O'Donohoe a p. da P. de Laurence Stallings e Maxwell Anderson ● Fot. John Marta, Barney McGill, John Smith ● Int. Victor McLaglen (capitão Flagg), Edmund Lowe (sargento Harry Quirt), Dolores Del Rio (Charmaine), William V. Mong (Cognac Pete), Phyllis Haver (Shanghai Mabel), Elena Jurado (Carmen), Leslie Fenton (tenente Moore), Sammy Cohen (Lipinsky).

Quer seja em Pequim, nas Filipinas ou na França, o sargento Harry Quirt e o sargento Flagg nunca param de brigar e de gozar um com o outro, rivais em tudo e sobretudo no amor. Nesse domínio é sempre Harry Quirt, mais jovem, mais elegante, menos pesado e menos brutal que o seu rival, quem triunfa. Em 1917, os dois amigos são separados. Flagg é nomeado capitão e corteja numa pequena aldeia francesa a filha de «Cognac Pete», estalajadeiro e dono de bar. Participa nas grandes carnificinas da Primeira Guerra Mundial no norte da França e regista o horror que esses combates lhe inspiram no seu bloco de notas. Mais tarde, fazendo a instrução de três jovens recrutas, dirá: «há algo de podre neste mundo que a cada trinta anos tem de ser regado com o sangue de jovens como eles». Quirt volta a aparecer como sargento-chefe da companhia dirigida por Flagg. Charmaine fica imediatamente fascinada com ele, com a sua aparência, com a sua loquacidade e com os seus truques de magia. Esquece rápido o seu «Papa Flagg». O pai de Charmaine exige que aquele que «danificou» a sua filha se case com ela e lhe pague quinhentos dólares. Felizmente para Quirt, Charmaine recusa-se a ser o objecto de tal transacção. Novos combates, novas atrocidades. Cargas de baionetas nas trincheiras e máscaras de gás. Quirt é ferido. Mesmo antes de ser curado, escapa do hospital e volta-se a juntar a Flagg. Os dois homens querem-se bater por Charmaine e depois Quirt propõe que a apostem às cartas. Flagg ganha, mas foi Quirt quem ganhou há muito tempo o coração de Charmaine. Flagg desaparece. A companhia tem de voltar a partir. «Eles regressaram uma vez e depois uma segunda vez», lamenta Charmaine, «não vão regressar uma terceira.» A companhia afasta-se. Flagg apoia Quirt, que ainda não está muito sólido.

► É o filme mudo mais célebre de Walsh, com O Ladrão de Bagdad. Rodado nos novos estúdios da Fox em Westwood, considerados como os mais modernos da América, é retirado da peça de Laurence Stallings e Maxwell Anderson, comprada a preço de ouro pelos dirigentes da firma. Mas o argumento «partiu» parcialmente a estrutura teatral da peça. O génio de Walsh explode na sua vitalidade e na sua diversidade a cada sequência. Uma primeira linha de força que poderíamos chamar de picaresca, duma sensualidade franca e sem complexos, caminha através da descrição da rivalidade permanente dos dois sargentos através desses retratos de mulheres pintados em alguns traços (Shanghai Mabel que «se divorciou do Exército para melhor se unir à Marinha»; raparigas de bar nada pudicas avistadas no Bar-le-Duc) ou mais aprofundados, como o da heroína interpretada por Dolores Del Rio, personagem tão sensual como maternal (cf. As cenas com o jovem soldado interpretado por Leslie Fenton). Esta linha de progressão sinuosa cruza-se com outra em que Walsh faz notar sem pathos, sem indignação supérflua, mas no fogo da acção, a imbecilidade monstruosa da Grande Guerra, a sua desordem imunda de carne para canhão que incide sobre a juventude do mundo inteiro. Esta segunda linha de força é feita de brusquidão, de ironia e de cólera reprimida: não dar à guerra outra importância nem outro significado além dos da sua monstruosidade. Além da modernidade do tom, vamos notar a da interpretação, da construção, composta por uma sucessão de sequências com durações muito desiguais, de esboços de atmosferas apanhadas no local, como um diário de guerra que teria o autor, tão bom pintor como bom dramaturgo. Admiráveis, entre outras: a leitura das cartas à chuva; uma casa nocturna em Bal-le-Duc com o seu pianista de perna de pau. A maior parte dos espectadores da época (pelo menos os que sabiam ler os lábios) notaram a audácia das conversas entre Quirt e Flagg; alguns até se ofenderam. Walsh retomou as suas duas personagens em The Cock-Eyed World ("O Mundo às Avessas") de 1929 e em Woman of All Nations ("Mulheres de Todas as Nações") de 1931. John Ford adaptou de novo a peça original sob o mesmo título em 1952.

Jacques Lourcelles, in « Dictionnaire du Cinéma - Les Films », Robert Laffont, Paris, 1992.

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