quarta-feira, 18 de novembro de 2020

WHAT PRICE GLORY?


por Kevin Brownlow

What Price Glory? estreou-se na semana em que a Broadway descobriu a guerra. Depois de um período em que o teatro, como o cinema, tinha ignorado a guerra, em 1924 estrearam-se três peças sobre a guerra com poucos dias de intervalo umas das outras: Nerves, Havoc, and What Price Glory? Sem qualquer tipo de publicidade antecipada, What Price Glory?, de Maxwell Anderson e Laurence Stallings, surpreendeu o público da primeira noite com a sua honestidade contundente, a sua linguagem áspera, e a sua falta de respeito sem precedentes. Falou-se de acção federal para impedir a peça. Elaborou-se um relatório a acusar que os subordinados eram mostrados a não ter respeito pelos seus oficiais superiores, permitia-se ao público acreditar que o pessoal do Corpo de Fuzileiros Navais dos E.U. estava sujeito à devassidão a todo o momento, e que havia falta de disciplina, o que só podia trazer descrédito ao Exército e ao Corpo dos Fuzileiros.[1]

O produtor Arthur Hopkins atenuou algumas das profanidades mais selvagens, mas a peça passou de mero sucesso a lenda da Broadway.

Chamada originalmente None but the Brave (A Comedy with a Few Deaths), a peça adquiriu a reputação de ser fortemente pacifista, por contraste à versão cinematográfica. Embora os autores tenham registado o seu protesto contra o desperdício incessante de vidas jovens, o fascínio principal deles estava nos dois beligerantes, o Capitão Flagg (Louis Wolheim) e o Sargento Quirt (William "Stage" Boyd), cuja batalha contra os alemães era incidental ao seu desejo de se massacrar um ao outro. As duas personagens apelaram tão fortemente ao público que inspiraram uma nostalgia pela vida militar, e apresentaram uma imagem irresistível para aqueles que nunca a tinham conhecido.

Laurence Stallings foi contratado pela MGM. A Fox comprou a sua peça e de Anderson assim que se tornou óbvio, com a aclamação dada a The Big Parade, que os filmes de guerra iam ser comerciais outra vez. Tinha-se estabelecido que Louis Wolheim ia interpretar o mesmo papel, e Raoul Walsh foi contratado para realizar.

Victor McLaglen estava determinado em conseguir o papel do Capitão Flagg. Homem enorme, fisicamente perfeito para o papel, McLaglen era metade irlandês, metade escocês, e filho de um bispo. Fugiu de casa aos catorze anos para se juntar ao exército, percorreu o mundo, tornou-se pugilista e participou na corrida ao ouro em Kalgoorlie, na Austrália. Durante a guerra, serviu na campanha mesopotâmica, e tornou-se chefe da Polícia Militar de Bagdade. J. Stuart Blackton deu-lhe o papel principal na sua produção britânica a cores de The Glorious Adventure, depois trouxe-o para a América para protagonizar The Beloved Brute.

Segundo McLaglen, ele foi rejeitado para What Price Glory? porque Walsh achava que não podia retratar de forma alguma o protótipo do fuzileiro americano. "Eu disse-lhe que não havia soldados mais duros no mundo que os homens do meu velho regimento de Middlesex." Pedindo um plateau para um filme com Buck Jones, McLaglen convenceu um produtor britânico, George Ridgewell, a actuar como barman, e lançou-se numa cena violenta, a rosnar e a dizer blasfémias enquanto se amanhava pelas deixas, convencendo Walsh totalmente.[2]

A sede de McLaglen pela vida militar era insaciável: em anos posteriores formou um exército privado em Hollywood conhecido como a Cavalaria Ligeira de McLaglen.

A contracenar com ele, como Sargento Quirt, estava o actor veterano de cinema Edmund Lowe. O filme foi rodado em Westwood, nos Fox Hills, onde se tinham cavado as trincheiras de Havoc.

Margaret Chute fez uma reportagem sobre as cenas de batalha para a Pictures and Picturegoer em Inglaterra: "Quando foram filmadas as cenas de explosões, a maior parte dos residentes perto do Fox Hills Ranch teve muito pouco sono durante boa parte de uma semana. Ouvi o bombardeamento regular em Hollywood, e lembrei-me dos dias de ataques aéreos em Londres.

"Depois fui levada a ver algumas das cenas de trincheira nocturnas e achei as explosões tremendamente realistas, de perto. Não era permitido a ninguém ficar a descoberto quando as várias minas disparavam. As câmaras estavam escondidas e disseram-nos para ficar atrás de uma fila de camiões e por baixo de guarda-chuvas grandes que apanhariam os pedaços de terra que caíssem. Num buraco em baixo, em trincheiras cheias de lama, rastejavam centenas de homem, e ficavam imóveis, e rastejavam outra vez.

"Da orla da cratera, Raoul Walsh, o realizador, gritava instruções para Edmund Lowe enquanto ele se deitava de cara para baixo no buraco da bomba. 'Ele está ali há três horas, pobre diabo,' disseram Victor McLaglen e Leslie Fenton, a sorrir, enquanto consumiam café quente e sanduíches numa barraca de café amigável que viajava à volta do plateau. (...)

"Afastados à nossa esquerda, cinco ou seis homens iam protegendo o caminho ao longo da encosta, parando a cada poucos metros; estavam a colocar a pólvora para as minas que se iam explodir daí a uns minutos. Estava tudo pronto. Uma maquilhadora apressou-se até Edmund Lowe, esguichou-lhe algum óleo para a cara, besuntou alguma lama no óleo e retirou-se a correr. Raoul Walsh parou de dizer piadas: o 'exército' dele parou de se rir com os seus comentários espirituosos, feitos para aliviar o tempo de espera.

"Houve meio minuto de silêncio, depois uma explosão ensurdecedora a seguir a outra, terra a voar em pedaços, figuras a correr para se abrigar. Enquanto encurtávamos caminho para um guarda-chuva grande, houve outras pessoas a avançar na mesma direcção. A corrida estava renhida, e enquanto nos abraçávamos, ouvi uma voz muito inglesa a exclamar, 'Minha nossa! Sei que vamos todos morrer!' Virei-me e ali estavam Beatrice Lillie e Gertrude Lawrence - as estrelas de Charlot's Revue!"[3]

Raoul Walsh lembrou-se dos protestos dos residentes das cercanias de Beverly Hills durante a rodagem das cenas nocturnas. "Tínhamos de arranjar um assistente de realização diferente todas as noites. As explosões partiam janelas em bangalôs, e o xerife chegava de carro e dizia, 'Quem é o responsável?' E o assistente dizia, 'Sou eu.' Punham-no no carro e levavam-no, e eu começava de novo."[4]

As batalhas foram tão perigosas como os visitantes imaginaram, e morreu um homem durante a rodagem.

Walsh era apoiado por homens talentosos e experientes. O director artístico era William Darling; o operador de câmara principal, Barney McGill; o segundo, Jack Marta. Daniel Keefe, primeiro assistente do realizador, era um veterano do Exército dos E.U. Charles Griffen, conselheiro técnico, viu serviço activo nas frentes francesas e italianas. Salvatore A. Capodice, observador técnico, serviu com os fuzileiros na floresta de Belleau, ao lado de Stallings.[5] O director de produção James Tinling serviu no 63º de Artilharia. Todos os figurantes, sem excepção, eram veteranos - dezoito tinham combatido na floresta de Belleau.

As reposições do filme sofrem com as legiões de imitações que se seguiram.* Não que o filme tenha algo de original no sentido cinematográfico. Tirando a linguagem, inteligível apenas para leitores de lábios, o elemento que fez disparar a temperatura do público foi o conteúdo sexual completamente descarado das cenas de amor. Raoul Walsh era perversamente habilidoso em expor mais áreas da coxa feminina do que as que o gabinete de Hays normalmente permitia, mas o público da actualidade é naturalmente cego a tais subtilezas. Não reage ao Sargento Quirt a devolver um gancho de cabelo a Charmaine na manhã seguinte - o tipo de detalhe visto na altura como revolucionário.

A comédia crua, outra marca característica de filmes de Walsh, agora parece datada e tosca, ao passo que na altura parecia uma lufada de ar fresco depois da reverência que rodeava a maior parte das cenas da vida militar. Não que tivesse ganho aprovação universal.

"Lembra-se da cena em que os rapazes têm a luta no quarto de Phyllis Haver?" disse Raoul Walsh. "E saltava um macaco para o penico? E aparecia de vez em quando para ver a luta, e a luta se tornava dura e se agachava? Quando o Jack Ford viu o filme, disse, 'Bom, quando eu tiver de recorrer a macacos a saltar para dentro de baldes de mijo para conseguir gargalhadas, saio da indústria.'"[6]

Os sentimentos pacifistas produzem um tom tão incongruente que a sua mensagem se perde totalmente. Há dois intertítulos proferidos por McLaglen que resumem a natureza esquizofrénica do filme. Depois da excitante batalha nocturna, McLaglen dirige-se às suas tropas: "Enviaram-me bebés para baptizar em sangue. Vocês passaram por isso" - e McLaglen sorri em forma de aprovação - "e de soldado para soldado, estou tão orgulhoso de vocês como a América devia estar."

O último plano mostra Flagg e Quirt ferido em grande plano, a marchar outra vez para a batalha com uma ardente camaradagem. Quirt bate num capacete de aço e agarra numa espingarda com a baioneta já fixada. Esse gesto, e o poder de emoção por trás do plano, faz afundar todo o pacifismo no filme.

Raoul Walsh, alegadamente um antigo cowboy, veterano do México, e realizador de The Prussian Cur, não era um pacifista. "Eles gostavam de mim em Washington," disse ele. "What Price Glory? fomentou mais alistamentos no Corpo de Fuzileiros do que qualquer outro filme já feito. Está a ver, no filme eles viviam uma vida tão boa - rapazes despreocupados com raparigas e isto e aquilo. As pessoas no público viram isso e disseram, 'Diabos, vou para os Fuzileiros. É isto a boa vida.' Uma e outra vez encontrava algum oficial que dizia, 'Seu sacana. Foste tu que me meteste nisto.'"[7]

* O filme em si teve as sequelas This Cockeyed World e Women of All Nations, e um remake de John Ford. Ford rodou uma das cenas no What Price Glory? original das tropas a irem para a frente de guerra tal como rodou os táxis da sequência de Marne para Seventh Seaven (Lefty Hough).

[1] Classic, Dezembro de 1924, p. 87.
[2] Victor McLaglen, Express to Hollywood (Londres: Jarrolds, 1934), p. 226.
[3] Pictures and Picturegoer, Março de 1927, p. 27
[4] Raoul Walsh ao autor.
[5] Motion Picture Director, Agosto de 1926, p. 17.
[6] Raoul Walsh ao autor.
[7] Ibid.

in «The War, the West and the Wilderness», Alfred A. Knopf, Nova Iorque, 1979.

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