quarta-feira, 26 de agosto de 2020

SILVER RIVER (1948)


1948 – USA (110') ● Prod. Warner (Owen Crump) ● Real. RAOUL WALSH ● Gui. Stephen Longstreet, Harriet Frank, Jr. a p. do R. de Longstreet ● Fot. Sid Hickox ● Mús. Max Steiner ● Int. Errol Flynn (capitão Mike J. McComb), Ann Sheridan (Georgia Moore), Thomas Mitchell (John Plato Beck), Bruce Bennett (Stanley Moore), Tom D'Andrea («Pistol» Porter), Barton MacLane («Banjo» Sweeney), Monte Blue («Buck» Chevigee), Joseph Crehan (o presidente Grant).
 
Enquanto o resultado da batalha de Gettysburg parece favorável ao Sul, um oficial nortista, Mike McComb, queima um milhão de dólares sob sua guarda para evitar que as notas caiam nas mãos do inimigo e o permitam continuar a guerra. Quando a batalha é ganha pelo Norte, ele vai a tribunal marcial, é degradado e expulso do exército. Agora, depois deste julgamento, fica bem decidido a ocupar-se apenas de si mesmo. Com um uniforme emprestado, apodera-se de uma parte do cofre de um antro de jogo cujo dono o tinha mandado sair. Com esse pequeno prémio, abre uma sala de jogos no Oeste, em Silver City. Stanley Moore, proprietário de uma das principais minas de prata da região, compra-lhe as carroças que ele tinha ganho ao jogo durante a viagem em troca de acções da sua mina. Começa a ascensão de McComb. Para se ocupar dos negócios dele, utiliza os serviços de John Beck, um advogado filósofo e alcoólico sem clientela. Cria um banco e em breve fica com acções de todas as minas da região. Em visita oficial, o presidente Grant encarrega-o de transmitir a sua mensagem aos proprietários das redondezas : é preciso acelerar a produção de prata para que os Estados Unidos sejam solventes para com o estrangeiro. McComb aprova o projecto de Moore (cuja mulher, Georgia, cobiça há muito tempo) de ir explorar novos territórios. Mas tem o cuidado de não lhe dizer que estão infestados de índios em guerra. Beck compara-o ao David bíblico e condena a sua atitude sem reservas. Quando McComb quer avisar Moore, é tarde demais. Parte à sua procura e vai trazer apenas o seu cadáver. Algum tempo mais tarde, McComb, que mandou construir uma enorme residência no deserto, organiza uma grande recepção na companhia de Georgia, com quem se casou. Completamente bêbado, Beck insulta-o diante de toda a gente. É a partir desse momento que começam os problemas para McComb. Cria-se um consórcio, o «Grupo do Oeste», para o arruinar na bolsa. Decide vender tudo. O trabalho nas minas pára. Sweeney, o inimigo jurado dele depois da sua chegada ao Oeste, vira os mineiros desempregados contra ele. Beck concorre agora ao lugar de senador. Declara a McComb que, como defensor do povo acima de tudo, vai lutar tanto contra ele como contra o Grupo do Oeste. Os mineiros invadem o banco. McComb ordena que lhes paguem até à bancarrota total. Enquanto pronuncia um discurso eleitoral numa tribuna a céu aberto, Beck é abatido pelos homens de Sweeney, a soldo do Grupo do Oeste. McComb promete à mulher que se vai empregar em realizar os últimos desejos de Beck, que ela recebeu dos lábios deste ao morrer: voltar a juntar os pedaços do seu império disperso e pôr toda a gente a trabalhar. Entretanto, e com os mineiros, McComb bate-se contra os homens de Sweeney. Vai-lhe evitar o linchamento e Sweeney será entregue às autoridades. McComb confessa à mulher que perdeu ali uma bela oportunidade para se livrar de Sweeney disparando-lhe pelas costas. Ela responde-lhe a rir que nunca há-de mudar. 
 
► Desfrutando de um orçamento sumptuoso, eis o último dos sete filmes de Walsh com Errol Flynn, e é uma obra importante na carreira do realizador bem como na evolução do western, devido à complexidade da personagem central, a mais rica e a mais ambígua de todas as que Flynn interpretou para Walsh. Ambição pessoal, individualismo desmedido que quase chega ao homicídio, cinismo e remorso, tentativa de redenção moral, solidão irónica do conquistador isolado pelo seu sucesso: todas estas noções, misturadas, formam uma personagem subtil e cativante da qual Walsh faz ressair de forma sóbria a amargura e o desencantamento. É a primeira vez que aparece tal amargura na sua obra e num western. Ela introduz um mal-estar e, através desse mal-estar, uma reflexão sobre o papel do herói, que renova totalmente o género e a obra do cineasta ao mesmo tempo. Oscilando entre o desejo de servir a sociedade e um desprezo secreto por ela, porque ela tanto o rejeita em nome de uma falsa ideia de justiça, como o repugna pelos seus «lobbies» de apetites ferozes, o herói é tentado a fechar-se em si mesmo. Atitude que, muito depressa, não deixa de lhe parecer mesquinha, sufocante e finalmente incompatível com esse orgulho viril que é a sua razão de ser. Ao lado dele, pela sua lucidez e o seu estofo shakespeariano, a personagem complementar mas essencial do advogado (interpretado por Thomas Mitchell) alimenta a reflexão da obra e eleva a sua inspiração ao lirismo. A mise en scène, o tom e a composição de Flynn atestam uma elegância suprema ao longo de todo o filme.

Jacques Lourcelles, in «Dictionnaire du Cinéma - Les Films», Robert Laffont, Paris, 1992.

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