domingo, 18 de agosto de 2024

Duas observações sobre Bonnie and Clyde


por André S. Labarthe

A crítica outra coisa não procura do que trazer à luz as analogias que o espírito espontaneamente cria. É de regra que ela cale a sua origem para apenas nos entregar o claro desenho de um espírito ocupado em captar o seu objecto. Assim, a luz que se faz deixa na sombra os motivos profundos que suscitam a crítica. Se, por exemplo, eu resolvesse, como estou tentado a fazê-lo, analisar aqui a forma e a função da montagem (ou da planificação) em Bonnie e Clyde, o que é verdade é que essa análise teria tido origem em duas imagens. Uma, a do nascimento e crescimento dos cristais (Bonnie e Clyde é para mim o filme desse crescimento, rodado em acelerado); a outra, a de um certo fogo de artifício de grande poder de que quase todo o cinema só sabe dar o declínio e que Arthur Penn nos mostra no seu esplendor.

Além disto, outra coisa: Bonnie e Clyde contesta a ideia feita que opõe cinema de montagem a cinema de actores, cinema de planos a exibição de artistas (e que diz que os bons directores de actores usam sempre planos longos). Já Welles e Becker tinham posto esta ideia em questão nalguns momentos. Penn acaba com ela de vez, quando pulveriza as suas cenas sem lhes cortar a continuidade e nos dá, num só plano rápido, de repente, todo o sentido do filme: aquele em que Bonnie revela o seu amor por Clyde quando tudo se move no silêncio ensurdecedor da morte mais violenta do cinema americano.

in «Cahiers du Cinéma», nº 196, Dezembro de 1967.

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