por Jean-Louis Comolli e André S. Labarthe
Cahiers Quando comparado tanto a Bonnie e Clyde como ao Left Handed Gun, The Chase pode parecer, mesmo ao nível do argumento, menos elaborado, e até desajeitado: a primeira sequência do filme, por exemplo, tem o efeito de uma peça anexada, que se mantém externa. Qual é a importância do seu trabalho nos argumentos?
Arthur Penn Para The Left Handed Gun, a história inicial era muito simples, e o meu trabalho foi enriquecê-la desenvolvendo primeiro as relações de Billy com os seus amigos (sobretudo o escocês), e trabalhando em seguida todos os outros aspectos do filme de forma sistemática com o argumentista. No início de Bonnie e Clyde, há um argumento que chega até nós bastante completo, totalmente escrito (era um argumento para o qual François Truffaut tinha contribuído um pouco). Mas, como é hábito meu, pedi aos autores para o re-trabalharem comigo e fazer nele algumas mudanças. Eles aceitaram, integraram as minhas ideias ao argumento deles, e tanto assim foi que, como com The Left Handed Gun, houve verdadeira colaboração entre mim próprio e os autores do argumento. O que não aconteceu com The Chase. A estória foi escrita por Lillian Hellman, mas apenas até um certo ponto, porque parecia que nunca mais a ia conseguir terminar, tanto que tive de intervir e vi-me obrigado a acrescentar ao trabalho dela tudo aquilo que forma o final do filme: a grande cena no ferro-velho e o homicídio final, à Kennedy. Para todo o resto do filme, tive de me contentar exclusivamente com o argumento que ela tinha escrito, de modo que The Chase não é um filme que me seja verdadeiramente pessoal.
Cahiers Porque é que não conseguiu colaborar com ela como com os seus outros argumentistas?
Penn Ela não quis considerar que pudéssemos sequer discutir aquilo que ela tinha escrito. É uma grande senhora, e não concebe que se toque naquilo que faz. A certa altura, o produtor, Sam Spiegel, chamou outra pessoa para re-escrever aquilo que ela tinha feito, apesar de tudo, mas aí já estávamos a filmar, o que fez com que tudo se tornasse muito rapidamente na maior das confusões: num dia tínhamos um pedaço do argumento de Lillian Hellman, noutro dia qualquer coisa escrita por Horton Foote, noutro ainda um fragmento re-trabalhado por Ivan Moffet e às vezes também, possivelmente, passagens que se deviam ao próprio Sam Spiegel. Uma mistura terrível! Eu não sabia que iriam acontecer mudanças destas. Isso começou com Brando, que queria certas modificações no seu papel e no do negro. A personagem que Brando interpreta tem essa particularidade de não poder fazer nada no filme, uma vez que é a Lei. Ora, aquilo que existe de mais difícil para um actor, é não fazer nada de todo, e isso incomodou Brando, que queria interpretar um homem de acção...
Cahiers O desempenho dele é espantoso na cena do espancamento: fica-se com a impressão de que dá e recebe mesmo os golpes, e o efeito de violência é ainda mais nítido...
Penn Brando teve algumas ideias para esse espancamento. Nós primeiro tínhamos rodado a luta normalmente, e depois rodámos em acelerado, a 16 imagens, e aí Brando acertou realmente nos seus adversários e levou com os golpes deles. Mas no entanto isso não está no filme: quando os montadores viram essa tomada, ficaram assustados e não a utilizaram porque lhes parecia insuportável. Mas eu um dia utilizo-a...
Cahiers Fale-nos de Mickey One...
Penn O filme foi rodado em Chicago, na sequência de um acordo especial com a companhia de produção, a Columbia. Os dirigentes da Columbia deram-me todo o dinheiro necessário e não se envolveram de todo no filme: além disso, contratualmente, nem sequer tinham o direito de ler o argumento. Realmente, esse devia ter sido melhor filme, porque tinha a mais total das liberdades.
Cahiers Em The Chase, pelo contrário, parece ter sido constrangido pela máquina hollywoodiana...
Penn Fui. É uma coisa terrível isto de fazer um filme com tantos técnicos à nossa volta, tanta gente muito qualificada e muito hábil: se temos uma ideia, ela vê-se imediatamente filtrada como o fumo pelo filtro de um cigarro. Cada um dos que nos rodeia sabe exactamente como é que a nossa ideia deve ser realizada, e aquilo que acaba por sair de todos esses esforços precisos, não é a nossa ideia, mas o arquétipo da ideia hollywoodiana, o lugar comum, o banal. Se quisermos evitar isso, é preciso dizer constantemente que não aos nossos colaboradores: recusar as propostas deles sistematicamente, de uma nuance na cor à escolha de uma gravata, é preciso mudar tudo! Se queremos que o resultado do nosso trabalho ainda nos pertença e que nos exprima pessoalmente, é preciso vigiar tudo, tudo, em cada cena, para nos assegurarmos que o mais pequeno detalhe é tal como o queríamos. Assim, muito rápido, já não se tem interesse nem sobretudo energia suficientes para poder fazer tudo sozinho, e eis porque, no final das contas, The Chase se tornou mais um filme de Hollywood do que de Penn.
Cahiers Com Mickey One e Bonnie e Clyde, rodou dois filmes com Warren Beatty. Como é que trabalha com ele, ele colabora no argumento ou na concepção das personagens?
Penn Para Mickey One, não. Para Bonnie e Clyde, Warren Beatty não só era o produtor, como tinha sido ele a comprar o argumento. Efectivamente, falámos de todos os problemas, e ele participou pouco na escrita definitiva do argumento. A única modificação importante, que tinha a ver com a personagem de Bonnie, veio da sua intérprete, Faye Dunaway: ela pensou que, mais para o final do filme, Bonnie e Clyde deviam conseguir fazer amor juntos. Ela falou-me disso, eu concordei, falei disso a Warren e ele também teve essa ideia, que então adoptámos. Quanto a Warren actor, ele interpretou o seu papel de forma muito séria, exactamente como lhe tinha pedido. Eu sei que ele tem a reputação de ser um jovem muito difícil de dirigir, mas nós somos muito próximos, muito amigos, e temos uma forma de falar um com o outro que evita qualquer problema: muito crua, muito directa e muito natural.
Cahiers Depois de Mickey One, houve um pequeno desacordo entre vocês?
Penn Sim. A nossa relação foi difícil: o Warren não queria interpretar o papel como eu queria que interpretasse, ele não o via como eu. E não nos entendemos bem. Mas antes de começar Bonnie e Clyde, concordámos em dizer muito francamente aquilo que pensávamos um do outro, e em dizê-lo de forma muito violenta se fosse necessário. Também concordámos que em caso de desacordo total, seria ele a ceder e faria aquilo que eu queria. Aí está. Na verdade, curiosamente, nós tínhamos as mesmas ideias. O único ponto sobre o qual divergimos um pouco, foi na escolha de Faye Dunaway para Bonnie: no início, ele não gostava dela e achava que não era a Bonnie que precisávamos. Depois de ter trabalho com ela, lá para o meio da rodagem, percebeu que era perfeita.
Cahiers A rodagem foi cronológica?
Penn Não. Eu queria, mas era impossível.
Cahiers Porque seguimos a mesma evolução que Beatty em relação a Faye Dunaway: ao princípio estamos contra, um pouco mais tarde a favor...
Penn Nós quisemos que essa evolução no espectador em relação a Faye Dunaway fosse assim. Era preciso que ela no início fosse um bocado vulgar, nem agradável nem simpática, para que em seguida, depois da primeira cena de amor com Clyde, quando se torna evidente que ele é impotente, nos pudéssemos dar conta de que fica comovida e tocada com essa fraqueza, e que a partir daí, a personalidade de Bonnie mudasse.
Cahiers Podem-se encontrar parentescos entre a personagem do Left Handed Gun e a de Clyde: a vida é para os dois um jogo, que eles jogam com uma arma, como crianças. E ambos morrem, mas tendo-se metamorfoseado e tendo mudado. Pode-se dizer que para si o pistoleiro canhoto também era impotente?
Penn Penso que não. Era muito jovem, de certa forma infantil, e a única mulher com quem tinha dormido era o do seu antigo amigo. Não lhe interessava verdadeiramente, isso de ter uma história de amor, e pode-se falar de um lado edipiano nele. Ele não era impotente, mas quase: talvez seja fazer psicologia primária, mas pode-se presumir que as pessoas que vivem muito de arma na mão têm um problema a nível sexual, que isso manifesta um complexo...
Cahiers Encontramos em Bonnie e Clyde - levada ao seu ponto extremo - a mesma tendência dos seus outros filmes: breves sequências justapostas que exploram ao máximo a violência das situações e conduzem ao paroxismo a representação dos actores...
Penn A razão deve-se ao facto de que eu queria um ritmo e uma montagem muito nervosos. As recordações que eu tinha de Bonnie e de Clyde, efectivamente, eram recordações de fotografias. Também não queria utilizar uma câmara móvel que seguisse uma cena durante muito tempo, mas de alguma forma uma técnica caleidoscópica.
Cahiers Parece então que cada plano do seu filme obedece a uma dupla função: integrar-se no movimento geral do filme, e fornecer ele próprio uma informação, uma ideia nova, em relação ao plano anterior, por um processo que lhe concede uma autonomia quase completa. Como se cada plano, ainda que participando da montagem geral que almeja a continuidade, contradissesse essa continuidade com o seu isolamento quase radical...
Penn A minha concepção do filme baseia-se em grande parte na noção de ironia. Muitas vezes, faço um plano para induzir o público a acreditar numa coisa, e no plano seguinte, inverto essa certeza. Por exemplo, no início do filme, quando o fazendeiro chega e afirma que o banco lhe tirou a casa, Bonnie e Clyde sabem que são ladrões, mas ainda não sabem do quê nem porquê. Portanto no final da cena temos um grande plano de Warren Beatty que diz: «Nós roubamos bancos». É aí que ele se apercebe daquilo que quer fazer, depois de o fazer, após o facto. É como se dissesse subitamente: «Descobri a minha causa, agora sou um ladrão de bancos, sei o que tenho de fazer». A ideia geral de Bonnie e Clyde era falar de uma inteligência muito obscura, não de alguém subtil ou complexo. É alguém que tem um grande desejo de acção mas que não sabe muito bem de que acção nem porquê. Também queria mostrar por contraste que as outras pessoas, pelo seu lado, estavam paralisadas pela Depressão, como durante a cena do acampamento, no final: há uma espécie de estilização na imobilidade, os outros estão atrofiados, congelados, apenas Bonnie e Clyde estão em movimento, funcionam, talvez por motivos idiotas e auto-destrutivos, mas agem.
Cahiers O que é que pediu à actriz para o último plano do filme, quando ela olha pela janela?
Penn Warren Beatty e ela não se davam nada bem, estavam muito chateados um com o outro, enquanto que eu e ela nos dávamos muito bem. Eu era um pouco protector, se não mesmo paternalista para com a minha actriz. Eu disse-lhe: «Olha para Clyde» - na direcção onde era suposto Warren estar. Mas no último segundo, descartei Warren e pus-me no lugar dele, tanto que ela tem um olhar muito doce, muito gentil, e esse olhar - embora ela tenha esboçado um gesto de surpresa que quebrou o plano - guardei-o, porque o queria e tinha-o procurado.
Cahiers Quando o vi a trabalhar em Hollywood, fiquei impressionado com facto de falar em voz baixa para os actores, enquanto a maior parte dos outros cineastas gritam frequentemente...
Penn Às vezes, faço apenas isso para os descontrair e lhes inspirar confiança, mas outras vezes com outra intenção: revelar-lhes por exemplo algo sobre a personagem de outro actor, e algo que o outro não saiba. Então, quando a cena começa, aquele que não está por dentro pergunta-se: «O que é que Penn lhe disse? O que é que ele lhe disse para fazer?» E para mim isso cria uma tensão, uma vivacidade e até uma inquietude de olhares que se acrescentam à cena como estava planeada e alimentam o seu interesse. Mas outras vezes, também, o que eu digo não se relaciona directamente, nem indirectamente, com a cena. É por exemplo: «Queres um cigarro, ou ir à casa de banho?», coisas simples que permitem a alguém recomeçar a trabalhar como um ser humano, não como uma máquina...
Cahiers No momento em que Clyde morre, há um plano em picado, ele vira-se, vêmo-lo de costas, o corpo dele sobe, como uma espécie de enxurrada, e depois muda-se de plano. Teve esta ideia antes ou durante a rodagem?
Penn Antes. Eu queria representar de alguma forma o espasmo da morte, e servi-me de quatro câmaras, cada uma a uma velocidade diferente: 24, 48, 72 e 96 imagens por segundo, creio eu, também com objectivas diferentes.
Cahiers E a morte de Bonnie?
Penn A verdadeira Bonnie foi electrocutada. Mas eu queria as duas formas da morte. A dela é um choque puramente físico, filmamo-la com várias câmaras, acrescentámos buracos de balas, e até há um pedaço da cabeça de Warren que salta, como a de Kennedy naquela imagem famosa da sua morte.
Cahiers O que é que pediu aos actores nesse momento?
Penn Apenas que representassem a morte, que caíssem, que obedecessem às simples leis da gravidade. Warren caiu num pequeno outeiro, depois vira-se. Ela, foi atingida atrás do volante do carro, amarrámos uma das pernas dela para que não caísse do carro, mas balançasse simplesmente de lado. Fiz com que se fizesse essa tomada três ou quatro vezes, mudando velocidades e objectivas, para conseguir essa espécie de variação no espaço e no tempo.
Cahiers E ao mesmo tempo, isso confere algo de um pouco irrealista à morte de Clyde...
Penn Sim, eu sabia que o filme iria terminar assim, portanto podia fazer com que fosse uma morte dura, vulgar, verdadeiramente obscena, com algo de terrível, mostrá-lo despedaçado pelas balas, mas isso não me parecia a forma certa de terminar: a morte do casal é uma conclusão lógica, prevista de antemão, incluída nas premissas da narrativa, era preciso fazer dela uma abstracção em vez de um objecto de reportagem...
Cahiers Isso introduz uma dimensão quase mítica no final do filme...
Penn Exactamente. Por sinal isso também é verdade para The Left Handed Gun, mas, infelizmente, o seu final foi acrescentado, e evidentemente não é meu. Depois de Billy cair, havia uma pequena procissão na aldeia, de mulheres com velas, que rodeavam o corpo e se sentavam junto dele... um pequeno ritual para encerrar o ciclo da lenda, mas acrescentaram aquele final idiota com a mulher do xerife que diz: «Agora pode regressar a casa», um final que não tem sentido nenhum.
Cahiers Será que - nessa óptica -, não teria sido preferível terminar Bonnie e Clyde com o plano de Beatty a virar-se para trás, em vez de fazer aqueles sobre a cidade com as pessoas que chegam?
Penn Eu pensei nisso tudo primeiro, mas depois pareceu-me demasiado abrupto. Tive a impressão de não estar a alcançar a última nota de uma sinfonia, que se desvanece, que se acalma a pouco e pouco, progressivamente. Obviamente que isso diz apenas respeito à forma. Quanto ao conteúdo, têm razão: o momento em que Warner se volta, é realmente o final da história. Mas isso correspondia à reportagem, severa, brutal. Eu queria um final de bailado, imaginário, lendário.
Cahiers Já que citou um termo musical, pensou na construção do seu filme em referência a uma ou a várias formas musicais?
Penn As duas pessoas que escreveram o guião são jornalistas: eles conheceram um músico que tocava banjo de cinco cordas e que é maravilhoso, e, quando escreveram o argumento, pensaram em utilizá-lo, e isso deu-nos a ideia do género de música que iríamos usar. Aí está a banda-sonora do filme. No que diz respeito à sua construção, de partida não o imaginei conscientemente sobre um modelo musical conhecido. Talvez essa referência exista, seja como for não é consciente da minha parte.
Cahiers Há outra diferença em relação a The Left Handed Gun, o facto de o tom ser ao início o do burlesco, que depois se torna patético. Essa diferença existia desde a fase do argumento?
Penn Apenas em certa medida. A minha intenção era começar por contar uma pequena crónica de uns jovens engraçados, divertidos, que não fazem coisas muito sérias. Então, quando Clyde não consegue sair do carro, porque o tinha estacionado de lado, e o homem salta para cima do carro e leva um tiro na cara, de repente, deixamos de nos rir: «Meu Deus, matei alguém, não o queria fazer, estava só a assaltar um banco». Tudo muda nesse momento.
Cahiers Todas as mortes são muito penosas e muito sangrentas...
Penn O meu próprio sentimento é que a morte violenta é verdadeiramente muito sangrenta. A quantidade de sangue surpreende-me sempre, há imenso. Penso sempre no verso de Shakespeare: «Quem poderia imaginar que o homem tinha tanto sangue nele». Parece-me que quando a mostramos no cinema, deve-se produzir esse efeito de choque. No final, no entanto, e como vos disse, dei à morte um carácter mais «abstracto», menos físico.
Cahiers Pratica essas mudanças constantes de tom para provocar sentimentos contraditórios nos espectadores?
Penn Para surpreender constantemente. Neste filme, nós não tínhamos personagens extremamente fortes. Elas são relativamente superficiais, bastante vazias, não necessariamente más, mas sem dilemas morais. Portanto, era preciso insistir mais no lado exterior, como nos desenhos animados em que cada quadro tem de mudar: aqui, devemo-nos rir, aqui devemos ficar surpreendidos, ali chorar e acolá rir novamente. Portanto montámos o filme desta forma, e as imagens foram concebidas com vista a permitir essa montagem, em vez de serem mais fluídas.
Cahiers O que concede a Bonnie e Clyde uma dimensão lúdica evidente...
Penn Absolutamente, mas isso não aconteceu nos meus outros filmes, The Left Handed Gun ou Mickey One por exemplo. Aí, interessava-me nos pensamentos das personagens, nas suas motivações, mesmo e sobretudo quando eram ilógicas. Mas aqui as personagens são assassinos, gangsters, pareciam ter apenas uma consciência obscura. Eu não lhes podia dar artificialmente uma vida interior profunda. Portanto decidi manter-me fora deles. O que não quer dizer que tenha querido privá-las de toda a consistência, criar seres teóricos, incorpóreos e sem profundidade. Espero ainda assim que se manifeste uma certa vida autêntica através delas, mesmo se o tom um tanto frio da crónica prevaleça sobre o da análise dos sentimentos.
Cahiers Mas não lhe parece perigoso poder dispor assim ao seu critério das reacções do público que, interessando-se menos nas personagens, se torne apenas sensível ao seu mecanismo?
Penn Sim, isso pode ser perigoso se não tivermos cuidado e se não desconfiarmos dos poderes do cinema. Mas aqui não penso que tenha «abusado» do espectador, mesmo que o manipule um bocado. Seja como for, penso que neste filme era a única forma de agir. Tinha de me servir do riso, para dar ao público a sensação de pertencer a este gangue e de viver as suas aventuras. Mais tarde, quando o tom muda, quando Bonnie diz: «Quero ver a minha mãe», o humor pára, e sobretudo quando a mãe lhe diz: «Tu não podes viver a três milhas de minha casa, porque morrias se vivesses perto de minha casa»: é o início da morte dos dois.
Cahiers Tem outros projectos de filmes?
Penn Estou a trabalhar numa nova história, a de um pele-vermelha americano. Vai ser um filme bastante engraçado, mas com cenas horríveis, sobre o que era verdadeiramente o destino do pele-vermelha na época do general Custer. Evidentemente, é grande a analogia com os negros. Mas neste momento, não saberia como fazer um filme sobre os negros, seria limitado, parcial ou romanceado. Ao passo que, por um processo análogo, me pudesse expressar melhor. De qualquer das formas, ainda estou em fase de projecto.
Cahiers Pode-nos explicar de forma mais pormenorizada o género de dificuldades que haveria, para si, ao fazer um filme sobre os negros?
Penn É um problema que eu próprio não percebo muito bem. Não tenho perspectiva suficiente, conheço certamente muitos factos e incidentes, mas não tenho um ponto de vista suficientemente vasto e completo. Se, por exemplo, relatasse factos, se mostrasse exemplos evidentes de injustiça, isso seria aterrador, duro de ver, mas não diria nada da essência do problema, que eu não compreendo. E pode ser que fazer um filme sobre os peles-vermelhas me ajude - colocando-me problemas de analogia e diferença - a dar alguns passos em frente, pelo menos assim o espero. Vou-vos relatar um episódio muito interessante: uma noite, mostrámos Bonnie e Clyde a cinco negros, e eles identificaram-se completamente com eles. Estavam encantados: «É assim que se faz, Baby, é assim que se chega lá! Bravo!» Num certo sentido o negro americano tem essa atitude, a de gente que não tem nada a perder. «Não quero saber se me matam, não tenho nada a perder». Os negros estão lá: «Sem distúrbios, sem rebelião. A Revolução!».
Cahiers Continua com a sua actividade teatral?
Penn Sabem, a situação nos Estados Unidos mudou muito. Noutros tempos, quando se trabalhava no teatro como artista «sério» e se partia para Hollywood, prostituíamo-nos mais ou menos, mas agora é o contrário. No cinema, pode-se fazer coisas mais sérias, mais verdadeiras, na Broadway, não se realizada mais nada sério, é tudo puramente distractivo.
Cahiers E na off Broadway?
Penn É a mesma coisa que «in» Broadway, também é caro, têm o mesmo público limitado, burguês, branco, de si próprio, e que não quereria ver mudar os seus hábitos de pensamento por nada deste mundo. Nos teatros da «off-off» Broadway, aí, pode-se fazer bom trabalho. Por exemplo no teatro do Massachusetts que eu dirijo, onde praticamente vivo, onde começámos a organizar peças, novas, mais próximas do cinema tanto pelos temas como pelas técnicas que empregamos... Eu trabalho na Broadway para viver, mas na verdade vivo neste pequeno teatro de Stockbridge que satisfaz mais a minha ideia e o meu gosto pelo teatro.
in «Cahiers du Cinéma», nº 196, Dezembro de 1967.