terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

PROFONDO ROSSO (1975)


Movies are pieces of film stuck together in a certain rhythm, an absolute beat, like a musical composition. The rhythm you create affects the audience.

Unfortunatelly, he takes himself so seriously, these days. He's an artist now (sobre David Cronenberg, aqui)

John Carpenter

Il fallait de l'audace pour oser pasticher le lyrisme de ces deux films testaments en forme de calligraphies baroques. Le résultat est inattendu. Comme si Hongkong avait inventé son western-spaghetti, le Mizoguchi-spaghetti.

Louis Skorecki, sobre Raining in the Mountain

É difícil para muita gente transpôr - ultrapassar - a barreira do Género, a barreira do conteúdo, a que parece distinguir os pequenos dos grandes temas (e os pequenos dos grandes filmes). Parece fácil perceber quem faz disto o cinema, uma brincadeira - os realizadores de género - e quem abraça a coisa de uma forma mais séria - os "autores", os "artistas", os "realizadores". Isto, como é óbvio, é tudo exterior aos filmes, tem que ver com "credibilidade", com os meios e festivais que se frequentam, com as coisas que se dizem, com a "ambição" que se tem, com a sociedade, um bocado. Em termos de cinema, é muito fácil - e parece lógico, até - dizer que alguém como o Haneke é um artista e que o John McTiernan é um "gajo que faz filmes". Torna muito difícil perceber, se for caso disso, que o segundo é melhor cineasta que o primeiro, porque até pode ser verdade - e eu, por acaso, acho que sim; acho até que o Haneke nunca há-de fazer um filme tão prodigioso como o terceiro Die Hard. Isto tudo para dizer o quê? Que sim, talvez, tem-se muitas vezes por arte no cinema aquilo que nos fala de coisas "filosóficas", "profundas" (sem tentar perceber ou desenvolver bem esses conceitos), enfim, envolvidas numa paleta "austera" e "bonita" que um grande director de fotografia pode oferecer, muito própria para tertúlias "filosóficas" em que se martela e insiste no óbvio, com "de factos", "realmentes" e outras introduções pomposas de discurso. E isto é muito triste.. por isso é que é preciso dizer coisas como "ao melhor Haneke oponho o pior McTiernan".. mesmo não sendo verdade que Medicine Man seja melhor que Funny Games.. (e daí talvez até seja..)

Os filmes são coisas muito concretas, têm todos uma equipa, realizador, técnicos variados, sejam gravados em película ou digital. Vêm todos em latas de metal (a tendência é passarem a vir cada vez menos) e podem - devem! - ser comparados. Um filme é um filme.

Os temas sociais?

Isso. A televisão, felizmente para o cinema, recuperou uma grande parte dessas discussões, e hoje é a televisão que se deve encarregar, e é muito bem feito, de tratar os grandes temas, a sociedade, o bem e o mal, o racismo e tutti quanti. O que não quer dizer que os filmes se devam desinteressar do bem e do mal, do racismo, etc. Mas portanto Chabrol dizia, em traços gerais: é preciso pegar nos pequenos temas que não têm nada de especial e transformá-los em grandes filmes, em vez de pegar nos grandes temas e fazer com eles pequenos filmes!

(Jacques Rivette, em entrevista)

É preciso pegar nos pequenos temas e transformá-los em grandes filmes.


Dario Argento não tem grandes pretensões para além de levar uma cena, mesmo um plano, até às últimas consequências, é um cineasta de obsessões formais e criativas. Rítmicas. Sim, trabalhar um filme como se de uma composição musical se tratasse. Não me parece que quisesse (ou queira) reclamar um lugar ao sol, respeitabilidade ou grande recepção crítica. O prémio por fazer um filme é fazer o filme, não há segundas intenções. Se é mesmo assim ou não, não sei, mas há uma aura de artesanismo e amor ao trabalho que passa através dos filmes do italiano, por explosões de côr, travellings impensáveis, conjugação de som e imagem, música e cores, que se nos invadem e nos fazem crer nisso mesmo. Nuns mais que noutros, é verdade. Talvez mais neste e no La Sindrome di Stendhal, as obras-primas de Argento (com a certeza, ainda assim, de que tenho que ver alguns e de rever outros).

Mas o que advém disto tudo, é o acreditar-se nos pormenores mais recônditos de uma estória, de escavar e escavar (e escavar) a fundo no que ela pode oferecer. Andar em círculos dispostos em camadas até ao full circle, até ao fechar narrativo, onde tudo bate com tudo. Minuciosamente. Há uma cena, um dos círculos da estória que mostra Marcus (David Hemmings) a tentar desvendar a história da "casa assombrada". Argento, como Marcus, perde bastante tempo a desenvolver esse "desvendar" por estar absorto (e nos absorver a nós) em pormenores, justamente (diferentes pontos de vista, subidas de escadas, passos na escuridão, panos a cair, garrafas pisadas no chão, paredes e o que elas escondem). Não é a meta que interessa, é o caminho.. Depois de chegar a um dos pisos superiores da casa, Marcus pega numa lixa para ver o que esconde uma das paredes:








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Parece-me uma cena ilustrativa da força argentiniana: o escavar, a obsessão, a ponte entre Antonioni e DePalma (mais concretamente, Blow-Up e Blow Out), ter a perfeita noção e conhecimento dos conceitos e das formas com que se trabalha.. de perceber que tudo tem implicações, de explorar isso no fim com inteligência, sim, mas respeitando a nossa, também.

Dizia o Tarantino há uns tempos que já não via filmes em que surgiam dados novos a cada minuto que passava, porque havia medo de arriscar em termos narrativos (ou coisa parecida). Devia estar a pensar que já não se fazem filmes como este..

2 comentários:

Luís Mendonça disse...

Essa passagem do Carpenter, em epígrafe, é do caraças... Thanks!

João Palhares disse...

A sobre o Cronenberg? Eu saí do último filme dele sem saber bem o que pensar, ouvi o Carpenter a dizer aquilo e pareceu-me fazer algum sentido: a grande mudança no cinema do Cronenberg não é de estilo, como se anda a dizer muito por aí, mas de pose. Mas ainda acho que os dois anteriores com o Mortensen são filmes magníficos..