domingo, 9 de janeiro de 2022

O Oeste eternamente recomeçado


por André Bazin

The Left Handed Gun, o primeiro filme de um recém-chegado da televisão, Arthur Penn, conta-nos com rara minúcia no detalhe a aventura de Billy the Kid, o fora-da-lei mais famoso do Oeste americano, com Jesse James. Uma peça de Gore Vidal serviu de apoio à intriga, o que explique talvez o seu carácter muito pouco convencional. Billy já não é o herói intrépido, vítima de um conjunto de circunstâncias infelizes, mas um pobre coitado ignorante, de moral rudimentar. Perdendo o seu cavalo, é contratado por um criador de gado, figura bíblica, ser nobre e generoso ao qual devota imediatamente uma admiração ilimitada. Quando o seu protector é abatido de forma selvagem, por razões de rivalidade comercial, pelo xerife de uma pequena cidade vizinha e três cúmplices, Billy jura vingar essa morte. Ele derruba os culpados à vez, a despeito dos apelos do seu amigo Pat Garrett, o boticário, que se empenha em lhe explicar que foi só o xerife que matou e que não há razão para eliminar os outros três. Billy só faz o que lhe passa pela cabeça, e chega mesmo a disparar em pleno local do casamento de Garrett. Isso é demais para este último, que aceita a estrela de xerife que tinha recusado até aí e vai fazer ele próprio justiça contra o seu antigo companheiro.

Billy the Kid e a sua lenda tocam duplamente o público americano: antes de tudo devido à juventude do herói, precursor desses rebeldes sem causa de uma ociosidade por vezes criminosa. Naturalmente que Billy tem uma «causa», a correcção de injustiças, mas em nome de critérios morais mais que confusos. Em segundo lugar, essa rivalidade de morte entre antigos amigos, Billy the Kid e Pat Garrett, simboliza de forma exemplar os dilemas cornelianos em que se encontravam por vezes colocados os defensores da ordem na jovem América do século passado. Billy, tal como o interpreta Paul Newman, combinação de Marlon Brando e de James Dean, assume contornos curiosamente fascinantes, o homicídio é o seu «hobby». Não é o grande bruto, antes uma criança a brincar às mortes com balas verdadeiras, ainda assim um criminoso. Em certos momentos Newman leva a sua personagem à caricatura, e hesita-se a escolher entre a justeza do traço e o histrionismo puro e simples. Aceita-se por fim o partido tomado pelo cineasta, porque lhe sentimos verdadeiramente uma visão concertada por trás das imagens.

Arthur Penn, o cineasta, não procurou fazer uma obra de floreios. O insólito do seu filme, mesmo que às vezes se lhe sinta o esforço, nasce dessa atenção escrupulosa ao comportamento dos actores, à importância dos objectos. A acção é constantemente desacelerada para colocar os caracteres de forma adequada no seu meio. Prospecção nenhuma nos enquadramentos, quase sempre bons.

Importam sobretudo o ambiente, a atmosfera. Para o espectador francês, The Left Handed Gun poderá parecer quase como uma lição de história, ainda que dirigida, sobre o caso mais famoso da grande epopeia do Oeste americano.

in «France Observateur», nº 440, 9 de Outubro de 1958.

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