terça-feira, 28 de junho de 2011

Ivan, o incrível

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Do muito que fica (e não quer sair nunca) depois de ver Ivanovo Detstvo, o mais impressionante é o virtuosismo escondido. Camuflado. O do câmara e do realizador, que respeitam continuamente o Homem e o espaço, o de quem não faz as coisas só porque sim e ao desbarato. porque se obriga a o não fazer. É tudo uma descrição contínua de sonhos e paisagens, tentativa de mostrar em imagens e sons aqueles momentos mágicos que todos sentimos e vivemos mas não conseguimos descrever facilmente. Deambulações, olhares e pensamentos, admirar algo vendo-nos a nós próprios, muito mais do que num espelho. "Eu sou" a sombra daquela árvore, a névoa e o vento matinal, "sou tudo e não sou nada", quero aspirar a mais que "só isto", quero voar, quero estar noutro sítio. Se há coisa que Ivan, como quase toda a gente, não pode fazer, é "ficar", "estar". Tem de "ir", "voar". Na realidade e no sonho. O 'belo' e o 'horrível 'nada significam um sem o outro. Não se sentem os delírios esvoaçantes de Ivan sem aquelas sombras agudas e negras, não há Céu sem Abismo. Aquela corrida na praia além de belíssima, é a imortalização suprema de uma personagem que viveu e sofreu demais para estar vivo. E é a lembrança de tudo quanto vem para trás que nos faz delirar com o travelling cósmico sobre o Ivan e a rapariga. Beleza nenhuma definhará, morte nenhuma mata a infância, horror nenhum dilacera a inocência. Ivan vive.

Aquela árvore, a mesmíssima de Offret. As gotas, as poças, o som.

É tudo o que um primeiro filme deve ser. 'Amador' na verdadeira acepção da palavra, descontínuo, disconexo, bruto, belíssimo. Livre.

Imperfeito até ao tutano.

2 comentários:

Álvaro Martins disse...

Muito bom o texto ;)

João Palhares disse...

Não há como ver filmes destes... adorei.. :)