sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

A 'obscenidade' em Hollywood (IV)*


*ou a outra face da moeda

I / II / III

The Apartment (1960)

Há uma diferença entre aquilo que se vê e aquilo que pode ser o tema de um filme, ou aquilo que se sente que é o tema de um filme. Qualquer percepção que se possa ter de apenas ver o que está à nossa frente, é errada, porque é uma primeira impressão. De qualquer maneira, foi neste molde de pensar e "ver" os filmes, que entrou a inteligência dos grandes smuglers de Hollywood.

À primeira vista, The Apartment pode parecer uma comédia "fofinha" e rotineira da "fábrica dos sonhos", como podem todas as "comédias" de Wilder, mas por trás disso tudo, estão duas pessoas que alugam a dignidade para subir até ao último andar da cadeia corporativa e social, que a trocam por "sucesso" e "estabilidade".. CC Baxter empresta o apartamento para os encontros extra-conjugais dos seus superiores na empresa onde trabalha, e Miss Kubelik parece cega perante a chama de sucesso, dinheiro, que Sheldrake - o director da empresa - emana. A promessa de uma vida ao lado de um homem bem sucedido impede-a de ver muitas coisas. É tudo muito mais complicado que isto, obviamente, e ainda bem que é, mas o que está aqui de certa forma implícito, é que o sexo é a moeda de troca para a subida na carreira e na vida, que é a tese, vá, de Showgirls (o filme dos sete Razzies, como The Apartment é o filme dos cinco Oscars - a "capa" do segundo é mais suportável e consegue esconder certas coisas, embora seja tão ou mais "obsceno")

É sobre duas pessoas que só não são invisíveis socialmente por terem trunfos para jogar com os grandes apostadores (e lembro que o filme acaba com um jogo de cartas), um tem o apartamento no centro, outra tem a beleza. E só se cansam de jogar este jogo quando surge a única coisa com alguma pureza durante todo o filme, o amor que Baxter sente por Miss Kubelik, Kubelik essa que no fim, por um ataque de consciência mas sem dizer nada sem ser "shut up and deal", parece por fim corresponder. Parece. Eu quero acreditar que sim..

O preto e branco do filme é desolador, quer-me parecer que até nem uma comédia é.. porque é um retrato social horrível, justo talvez, mas horrível.. Os comportamentos de toda a gente neste filme são repreensíveis.. O passar-se na semana entre o Natal e o Ano Novo, torna a coisa ainda mais desoladora. Diz e mostra que há quem o passe mais que sem prendas, sem amigos ou família. Diz e mostra que quem tem orgulho e consciência é despedido por ter orgulho e consciência.. Diz que não há ser humano algum que seja digno, mas apenas os que se apercebem disso e os que não. E aquele "final feliz" não me parece tão feliz assim.. Como há pouco de felicidade naquele filme..** É um momento de felicidade momentânea que dura exactamente aquele momento, portanto, até às palavras "THE END". Resta-nos a nós depois perguntar (ou não) "pois, e agora?"..

**Relembro o grande plano de MacLaine quando recebe os cem dólares de Sheldrake, a personagem de Fred MacMurray. Wilder não tem plano mais pesado e triste nos dramas que fez.. como a brutalidade aguda daquela véspera de Natal, no apartamento: aquela lavagem ao estômago, as chapadas do médico; no bar: o par que se junta só para aliviar a solidão, sem que haja vontade nem razão nenhuma sem ser essa.. Como há, também, coisas belíssimas: os dias que Baxter passa a cuidar de Kubelik, o travelling da corrida desta ao encontro dele... as conversas dos dois no elevador..

3 comentários:

Matheus Cartaxo disse...

Da obscenidade: http://www.youtube.com/watch?v=ly3XzLCYmu0

João Palhares disse...

Esse Renoir é magnífico

Rodrigo Duarte disse...

Bela ponte entre "Showgirls" e "The Apartment".