Citando João Bénard da Costa sobre o filme O Movimento das Coisas: das múltiplas singularidades do cinema português, este filme e o seu destino são um dos casos mais singulares, aplicaria este pressuposto a Manuela Serra, a sua realizadora.
Nascida em Lisboa a 31 de Maio de 1948, estudou psicologia, curso que abandonou para, em Bruxelas – cidade a que chegou em 1971- ingressar no Institut des Arts et Difusion (IAD), onde estudou cinema durante um ano e meio.
Com o 25 de Abril de 1974, decidiu regressar a Portugal, abandonando o curso e, a convite de Rui Simões, que também frequentara o IAD, trabalhou como assistente de realização, e na montagem de Deus, Pátria, Autoridade (1975), por este realizado.
Entre 1975 e 1976, fundou, juntamente com Antónia Seabra e os ex-colegas do IAD: Rui Simões, João Brehm, Dominique Rolin, Gérard Collet e Richard Verthé, a Cooperativa de Cinema VIRVER. Participou nos trabalhos desenvolvidos pela Cooperativa, nos mais variados sectores: argumento, assistência de realização, produção, montagem, bem como animações culturais.
No filme Bom Povo Português (1980), de Rui Simões, para além de ter sido assistente de realização, e ter participado no argumento, na produção e na montagem, teve também um breve desempenho como actriz, numa das raras sequências encenadas desse filme.
Em 1979 partiu para a rodagem da sua primeira e única obra enquanto realizadora: O Movimento das Coisas. Um ano depois, em 1980, o filme teve um segundo período de rodagem, e só se conseguiu concluir cerca de seis anos mais tarde, em 1985. Foi durante esse processo de realização (1981/1982) que abandonou a Cooperativa VIRVER. O filme teve a sua primeira exibição no Festival de Mannheim, na Alemanha, em 1985, onde obteve o prémio FilmduKaten; e, de seguida, é apresentado no Festival de Tróia, ganhando o prémio AGFA.
Nos anos seguintes, teve inúmeras passagens noutros festivais e mostras, onde foi obtendo outros prémios e distinções e conseguiu algumas vendas para canais televisivos. Apesar disso, nunca será estreado comercialmente.
Manuela Serra ainda tentou elaborar um novo projecto, ao qual daria o título: “Ondas”, ou “Ondulações” ou “O Movimento das Ondas”, com o qual obteve um subsídio para a escrita, atribuído pela Fundação Gulbenkian. Contudo, tal filme nunca foi realizado. É que, após diversas apresentações a concurso, no Instituto de Cinema, o projecto nunca obteve aprovação.
Em face desse desgaste, ao qual se juntou também alguma frustração e insatisfação, nos raros e breves trabalhos que ainda desenvolveu, noutras produções, Manuela Serra acabou por se ir afastando, vindo a abandonar definitivamente o cinema entre 1991 /1992 e, desde então, a ele não voltou.
“A sua singularidade define ao mesmo tempo um modelo – de cinema, de autor, de um país, de uma época –, se esse modelo pudesse ser constituído sob a forma da indefinição e do inacabamento”.
É, pois, tempo de descobrir ou redescobrir este filme, tão secreto e singular, feito de tempo, e com o tempo; nos tempos da sua montagem, da sua musicalidade, das memórias que transporta; nas dualidades entre ficção e documentário; o abstracto e o materialista; na sua indefinição e dispersão; na sua coerência e unidade, através da visão e sensibilidade, de Manuela Serra.
E fiquemos com a sinopse original de Teresa Sá:
“Histórias do quotidiano de silêncio. Em caminhos desertos de vento inquietante, numa aldeia Norte. Há um dia de trabalho atravessado por três famílias: quatro velhas, o campo, o pão, as galinhas, e, a lembrar-nos, clareiras de histórias velhíssimas de gestos saboreados em mineralógicas palavras. Uma família de dez filhos numa quinta mergulham na largueza do tempo, no gesto todo do trabalho, o pai corta uma árvore. Mais longe, a água do rio habitado por gente, numa barca, o sol, e o largo da aldeia, a ponte em construção, a varanda, a refeição, a densidade e o misticismo ao domingo, a missa e a feira: ritualizada ao sábado. Nestes fragmentos de cenário move-se Isabel, também, com os olhos postos no futuro, para lá dos outros, em que o sentido da vida é apenas viver.
O tempo atravessa o nascer e o pôr-do-sol.
É um respirar a vida, usando o campo como o meio numa aldeia do Norte, de gestos antiquíssimos e pousados.
É uma paragem sobre a vida através de: coisas e a sua deslocação no tempo; valores; silêncios...”.
Manuel Mozos
Outubro de 2011
E porque, sim, é o filme português mais secreto ou "feito secreto" pela injustiça, pelos tempos e pelas pessoas. Existe:
O Movimento das Coisas
Portugal, 1979/85, 16mm, Cor, 88 minutosManuela Serra ainda tentou elaborar um novo projecto, ao qual daria o título: “Ondas”, ou “Ondulações” ou “O Movimento das Ondas”, com o qual obteve um subsídio para a escrita, atribuído pela Fundação Gulbenkian. Contudo, tal filme nunca foi realizado. É que, após diversas apresentações a concurso, no Instituto de Cinema, o projecto nunca obteve aprovação.
Em face desse desgaste, ao qual se juntou também alguma frustração e insatisfação, nos raros e breves trabalhos que ainda desenvolveu, noutras produções, Manuela Serra acabou por se ir afastando, vindo a abandonar definitivamente o cinema entre 1991 /1992 e, desde então, a ele não voltou.
As parcas informações sobre Manuela Serra e o seu percurso cinematográfico, que se estende apenas por quase duas décadas - dos anos 70, ao início dos anos 90 - e sobre o seu filme, O Movimento das Coisas, residem, sobretudo, na óptima entrevista, efectuada por Ilda Castro à realizadora - contida em “Cineastas Portuguesas 1874 – 1956” (C.M.L.,2000) - bem como em dois textos, um deles já acima citado, de João Bénard da Costa, para as “folhas da Cinemateca”, e outro, de Nuno Lisboa, publicado na revista “docs.pt”, de Junho de 2007, de que cito a seguinte frase, tão sucinta, como certeira, sobre O Movimento das Coisas:
“A sua singularidade define ao mesmo tempo um modelo – de cinema, de autor, de um país, de uma época –, se esse modelo pudesse ser constituído sob a forma da indefinição e do inacabamento”.
É, pois, tempo de descobrir ou redescobrir este filme, tão secreto e singular, feito de tempo, e com o tempo; nos tempos da sua montagem, da sua musicalidade, das memórias que transporta; nas dualidades entre ficção e documentário; o abstracto e o materialista; na sua indefinição e dispersão; na sua coerência e unidade, através da visão e sensibilidade, de Manuela Serra.
E fiquemos com a sinopse original de Teresa Sá:
“Histórias do quotidiano de silêncio. Em caminhos desertos de vento inquietante, numa aldeia Norte. Há um dia de trabalho atravessado por três famílias: quatro velhas, o campo, o pão, as galinhas, e, a lembrar-nos, clareiras de histórias velhíssimas de gestos saboreados em mineralógicas palavras. Uma família de dez filhos numa quinta mergulham na largueza do tempo, no gesto todo do trabalho, o pai corta uma árvore. Mais longe, a água do rio habitado por gente, numa barca, o sol, e o largo da aldeia, a ponte em construção, a varanda, a refeição, a densidade e o misticismo ao domingo, a missa e a feira: ritualizada ao sábado. Nestes fragmentos de cenário move-se Isabel, também, com os olhos postos no futuro, para lá dos outros, em que o sentido da vida é apenas viver.
O tempo atravessa o nascer e o pôr-do-sol.
É um respirar a vida, usando o campo como o meio numa aldeia do Norte, de gestos antiquíssimos e pousados.
É uma paragem sobre a vida através de: coisas e a sua deslocação no tempo; valores; silêncios...”.
Manuel Mozos
Outubro de 2011
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E porque, sim, é o filme português mais secreto ou "feito secreto" pela injustiça, pelos tempos e pelas pessoas. Existe:
O Movimento das Coisas
Realização: Manuela Serra
Produção: Manuela Serra
Fotografia: Gérard Collet
Som: Richars Verthé
Música: José Mário Branco
Montagem: Dominique Rolin
Som: Luís Martins
Interpretação: Habitantes da Aldeia de Lanheses
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