terça-feira, 3 de outubro de 2017

Frank Borzage (1893-1961)


por Henri Agel

A história de Borzage ilustra bem o aspecto devorador de Hollywood e o consumo implacável que se faz de generosos talentos. Em 1939, o autor de The River declarou com uma ironia sombria : « O grande mal de certos realizadores é levarem-se demasiado a sério. » Era aceitar, com uma desenvoltura dissimulada, o papel de subalterno a que foi confinado desde essa data. E no entanto, esse homem foi uma das almas mais maravilhosamente líricas do cinema mudo. O que nós admiramos hoje num Nicholas Ray já se nota em Borzage, esse estremecimento de uma sensibilidade terna e dilacerante, esse dom de glorificar com uma estranha pureza os destinos mais sórdidos. Borzage foi um dos grandes pintores do amor no ecrã. Soube fundir num acordo que permanece único na história do cinema a alegria calorosa e luminosa do casal feliz e a apreensão surda que os avisa da precariedade dessa felicidade num mundo selvagem. Os heróis são seres simples e às vezes rudes (Charles Farrell em A Hora Suprema e The River, Spencer Tracy em A Vida é um Sonho e Na Grande Cidade). É essa mesma simplicidade que dá às cenas de ternura uma doçura tão pungente. Nada de idealizado nestas histórias, de resto. Se a Paris de A Hora Suprema, um bocado composta demais ao gosto americano, pode ter chocado o público de 1927, o amor maravilhoso que une Diane e Armand nas vésperas da guerra e para além da ausência, encarna-se numa realidade quotidiana tão profundamente sentida como a natureza que envolve a cabana de The River ou a paisagem miserável que compõem as docas de A Vida é um Sonho. Fornecedor de uma fluidez imaterial lírica no primeiro desses três filmes, Borzage soube encontrar para os outros dois uma violência sadia, um realismo potente, que os enraíza vigorosamente no mundo. Esse antagonismo entre o amor surreal e o sórdido de cada dia irrompe também em Little Man, What Now?, situado no contexto da Alemanha pré-hitleriana : podendo a miséria muito bem esmagar os dois protagonistas, eles encontram na profundidade da sua união uma razão para ter esperança. A atmosfera é a de um Dickens que se cruza às vezes com o fôlego de Dostoiévski. Lembremos a cena assombrosa de The River durante a qual Allen (Charles Farrell) sai numa noite tempestuosa e, querendo provar à sua companheira demasiado distante a sua presença como homem, abate as árvores da floresta com uma espécie de determinação feroz, até ao momento em que, tomado pela congestão, é levado à cabana pela jovem mulher, que se estende sobre ele para lhe dar o seu calor.

É no inferno sarnento de Brooklyn onde vive o desempregado de A Vida é um Sonho, com certeza, que este amor aparentemente fadado ao fracasso pelo destino social, triunfa da maneira mais comovente. O calor picaresco de Spencer Tracy e os grandes olhos de corça de Loretta Young enaltecem este filme que é, pela sua mistura de sátira e poesia, um dos mais surpreendentes do cinema mudo. Como esquecer essa noite que é a da miséria e da ternura em que Bill (Spencer Trazy) leva Trina (Loretta Young) a dormir à zona da ponte de Brooklyn ? Sente-se também a veia satírica por baixo da poesia em Três Camaradas, Na Grande Cidade, Tentação e o último filme de Borzage, de uma amargura por vezes desesperada, Consciência em Paz. Mas foi em No Greater Glory, baseado em Molnar, que a sua argumentação teve mais força e pathos : dirigiu um rapaz com uma dúzia de anos, Georges Breakstone, cuja criação mantém um lugar à parte entre os muitos filmes consagrados à infância delinquente. Ter filmado Marlene Dietrich (Desejo) e Joan Crawford (Manequim, Tentação) não acrescenta nada à glória de Borzage. Mas com ele, Janet Gaynor (A Hora Suprema), Loretta Young (A Vida é um Sonho) e Luise Rainer (Na Grande Cidade) revelaram uma espiritualidade viva e humana que as junta à Lilian Gish de O Lírio Quebrado. Nas belas páginas que dedica a Borzage, Ado Kyrou observa com tristeza que o seu « clima » começa a desaparecer do cinema (Amour, érotisme et cinéma, p. 361 s.). Talvez tenha havido aí um daqueles entendimentos misteriosos entre uma época e um temperamento, que possam ter suscitado a vibração rara e a delicadeza privilegiada de inspiração e de estilo. Hoje, só talvez um Chaplin mantenha essa tradição do mudo, propondo a mesma linha melódica de uma intimidade e de uma interioridade perdidas.

Fez-se com que a carreira de Borzage praticamente terminasse em 1950, e é certo que a maior parte das suas obras posteriores caem num academismo decepcionante, apesar de algumas fulgurações. É preciso isentar, no entanto, Consciências em Paz, de uma bela densidade dramática, e sobretudo Sempre em meu coração, um filme que, pelo próprio excesso do seu sentimentalismo delirante, anuncia certos êxtases de Minnelli. Não há dúvida que Sempre em meu coração, pelo seu romantismo exacerbado, que vai do pior Lamartine ao pior Sinatra, está próximo de toda essa corrente americana que parece resumida pela música pseudo-beethoveniana de Max Steiner. O filme relaciona-se com esse pathos pela sua prodigalidade sonora e pela escolha das suas ilustrações musicais, de uma hipertrofia romântica quase inacreditável para a época moderna. Chopin, Liszt e Rachmaninoff têm aqui um lugar privilegiado. Mas tal como, no domínio do sagrado, o abominável mau gosto de um Joannon alcança um paroxismo que ultrapassa todos os limites e quase impõe o respeito no final de Le désert de Pigalle, também há na emoção e no dolorismo de Borzage, ao longo de toda esta odisseia melodiosamente dramática, qualquer coisa de tão alucinante que não podemos deixar de ser levados pela vertigem.

in « Les Grands Cinéastes Que Je Propose », Les Éditions du Cerf, Paris, 1967.

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