quarta-feira, 17 de outubro de 2012

CONTE DES QUATRE SAISONS por Éric Rohmer



Conte de Printemps (1989)

"Jeanne apresenta-se como alguém que brinca com o desejo, que o domina, que se deixa levar por ele, mas que depois se contém - é, justamente, este jogo que me interessa, porque as personagens que me atraem não são as que, relutantemente, são peças das forças ocultas. Prefiro, claro, as que dominam os impulsos que têm e que ficam à margem, que olham para si mesmas, que estão conscientes da sua própria consciência - e esse desdobramento do qual nasce a intenção, apaixona-me. Demonstrei-o, de forma mais concreta neste filme, na medida em que retratei alguém que, pelo destino, pela própria profissão, estava fadada a analisar-se a si mesma, a brincar com o pensamento (...). A minha atitude pós-baziniana inspira-se também numa ontologia, como dizia Bazin, quer dizer, numa filosofia transcendental ou numa fenomenologia à que não interessam as explicações psicanalíticas ou semiológicas. Continuei fiel a ela. No Conto da Primavera pode-se dizer que me identifico com a minha  personagem e os seus paradoxos (...). Sim, Jeanne é espectadora e Natacha, criativa. Ou ainda criativa e não-criativa. Realmente, há duas explicações para este filme em particular. Natacha é a realizadora e Jeanne a espectadora, ou então Jeanne é criativa e Natacha. a heroína de uma história que apareceu na imaginação de Jeanne" (Cahiers du Cinema, nº 430, abril, 1990)

Conte d'Hiver (1992)

"A temática de The Winter's Tale de Shakespeare está muito longe da do meu filme, mas o que esse tem de conto maravilhoso inspirou-me a mostrar um pequeno excerto dele no filme. Não por oposição ao Conto de Primavera, mas mais relacionado com O Raio Verde. A cena da obra que eu filmo é, precisamente, a que me deu a ideia para o meu conto de inverno (...). O cinema adiciona a este conto um suplemento de realidade e intervém na forma em que são filmados os lugares em que as pessoas interpretam. A arte do cinema é dar aos lugares e aos actores (até se se lhes dá um texto ou se existe um guião muito trabalhado) uma certa liberdade. Dito de outra maneira, a arte do cinema - coisa, de certa forma, muito simples - é nao matar o que se filma. Existe uma espontaneidade do actor. Não é preciso estragá-la com incómodos ou ensaios a mais. Não é também preciso matar um sítio ocupando-o quase militarmente e suprimindo tudo o que ele possa ter de interessante, com a luz dos projectores, substituindo as pessoas que lá estão por figurantes ou remodelar as casas. Pode-se fazê-lo, mas perde-se essa qualidade do cinema que não é natural. Ganha-se outra coisa, talvez um estilo, e que transforma o cinema em teatro filmado. É bom ter uma equipa muito pequena para conservar o que é natural" (Cahiers du cinema, nº 452, Fevereiro, 1992)

Conte d'Été (1996)

"Este rapaz é todo interior. Compõe música, o que o fecha e faz retrair-se sobre si próprio. Não é ele que procura as mulheres, são elas que se interessam por ele, que pensam "no outro" ausente. Ele não é alguém que esteja à procura de alguma coisa como muitos outros personagens dos meus filmes (...). O que me interessava neste tema é algo que ao fim e ao cabo se abordou muito pouco, excepto no romance. Quando se conta uma história, tem-se a impressão que ela é crucial, que é o momento decisivo da vida. Se alguém é infeliz, vai sê-lo durante o tempo todo, e se é feliz, idem. Mas eu queria mostrar coisas que não comprometessem o futuro, coisas sem nenhuma importância porque o tempo vai mudar o curso dos acontecimentos. Daqui a dez anos, o personagem vai ser diferente. Queria mostrar qualquer coisa que escapa normalmente ao contador de histórias, seja cineasta ou romancista. O cinema não se presta a contar vidas. Era preciso fazer séries, folhetins, mas numa história curta descreve-se só um momento (...). Tenho a impressão que esta ambição de descrever um momento na vida e que não é definitivo está a desaparecer aos poucos e que normalmente tendemos a conceber que o comportamento de um personagem deve ser sempre representativo e exemplar" (Cahiers du cinema, nº 503, Junho, 1996)

Conte d'Automne (1998)

"No Conto de Outono e no Conto de Primavera apercebi-me (...) de que se fala muito em pensamento. Sob a forma do pensamento puro, transcendental - se é que se pode chamar assim - no primero, e sob a forma mais simples de imaginação no segundo. O que as personagens pensam é sugerido muito frequentemente neste, mas não forçosamente confessado. Nos dois filmes este pensamento em movimento está ao serviço de uma trama. No Conto de primavera esta trama é, talvez, mais imaginada, mais pensada que real (...). Há dois planos fundamentais no filme. O primeiro, muito ao princípio, quando Marie Riviére anuncia que a filha se vai casar. Ela olha para a filha e sorri. Não sabemos no que pensa. No casamento da filha? Em Magali? A partir daí, podemos imaginar que ela congemina encontrar um amante para Magali, etc. Do mesmo modo, o último plano não permite também saber no que pensa. Interessam-me muito estes dois planos de pensamentos opacos. Não se sabe o que há para interpretar neles. Ainda assim, eu não os tinha previsto durante a etapa da escrita. Foi durante a montagem quando decidi mantê-los no filme, que lhes dei mais valor (...)

A mise-en-scène varia em função do que filmo. No Conto de Verão, a câmara está num chariot quase sempre porque os personagens caminham muito perto dos passeios, e porque essas muitas praias bretãs com a maré baixa convidam naturalmente a filmar tudo em travelling. Era interessante fazê-lo assim numa paisagem muito uniforme, constante, sem fechar o plano, mas numa paisagem de vinhas, tão acidentado, não via interesse. E então fizemos planos fixos, com algumas panorâmicas e muito campo-contracampo." (Cahiers du cinema, nº527, setembro, 1998)

6 comentários:

O Narrador Subjectivo disse...

Só vi o Conte d'Hiver, que é bastante bom, apesar de não concordar necessariamente com a totalidade desse texto.

Anónimo disse...

Rohmer devia sentir enorme segurança sobre os atores que escolhia para seus filmes, já que permitia essa liberdade de onde almejava resultados, imagino, previstos de antemão (mesmo que não planejados). Afinal, no mesmo texto percebemos o controle absoluto e rigor que adviam das escolhas deste imenso cineasta.
Gostaria de perguntar ao Narrador Subjectivo em que partes discorda do texto.

Anónimo disse...

Uma correção: o texto a que me refiro inicialmente é o de 1992 e posteriormente o de 1998. Portanto, não o mesmo texto.

João Palhares disse...

Eu adoro ouvir e ler o Rohmer a falar de qualquer assunto. Aprendo sempre qualquer coisa. Não quer dizer que concorde com tudo o que diz, fora as vezes em que nem opinião tenho por não saber o suficiente sobre dado assunto, mas aqui até acho que não seja preciso pôr as coisas em termos de "concordar ou não concordar", porque ele está só a descrever o método, porque é que faz determinadas coisas, etc, etc. A explicar-se, no fundo. Mas deixo aqui o convite ao Narrador para dizer com que é que não concorda em específico no texto. :)

Eu não acho que haja métodos melhores que outros e nem acho que o Rohmer ache isso também. Por exemplo, quando ele diz que "Não é também preciso matar um sítio ocupando-o quase militarmente e suprimindo tudo o que ele possa ter de interessante" pode estar a falar do circo em que uma rodagem se pode tornar ou de simplesmente não ter o estofo ou a paciência para lidar com multidões e equipas gigantes. Compreendo perfeitamente. Não quer dizer que ele descredibilize qualquer coisa que se faça fora dos moldes do seu sistema.

Numa entrevista à TVO, e falando agora do controlo absoluto, ele dizia qualquer coisa como ser impossível para uma só pessoa escrever diálogos e portanto moldava as personagens que criava de acordo com os actores que tivesse e acho que até os deixava escrever diálogos. Ele diz que no La Collectioneuse as personagens são exactamente como as pessoas que as interpretaram. Isto tudo para conseguir uma certa veracidade, que era das coisas que mais queria nos filmes que fazia. Muito raramente a ficção em cinema (e quer-me parecer que o Rohmer é um ficcionista, acima de tudo) nos parece tão fluída e real como no Conte d'été ou no Rayon Vert, para citar os meus favoritos. Só talvez o Hawks ou o Minnelli vão mais além (em termos de comicidade, coreografia dos actores, etc)...

Abraços

João Palhares disse...

A tal parte da entrevista:

Pergunta: I'd like to return to the "Six Moral Tales". You've said you had the idea for the first one, and then the last. I'd like you to explain how these six films are connected.

Rohmer: The Moral Tales were written as variations on a theme. Actually, I realized that only after they'd all been written. I saw they had the same theme. While pursuing one girl, a boy meets another girl and spends the film with her, and at the end, he returns to the first girl, realizing she's the one he really wants. That's the theme of all the Moral Tales. Of course, the audience isn't interested in the girl he chooses but in the girl the film is about and who gets abandoned at the end. So right off, the audience will be at odds with the narrator and it's this tension that I findinteresting.

I wanted the Moral Tales to be very varied. I've noticed in films, and even in books that when an author makes his characters talk the characters speak in the same style as the author. It's very difficult to change your style, maybe even impossible. Balzac manages to do it, but his efforts are often rather conspicuous. He'll have a gypsy speaking gibberish, for example. It's very difficult. I think the best solution is to ''cut and paste'' using the words of other people. That's why, in the Moral Tales, I often used my actors' own words. I did this for "La Collectionneuse" as well as "Claire's Knee" with Aurora, a foreigner who speaks French her own way, and a bit with Vitez's character in "My Night at Maud's". He was the only one who collaborated on his own dialogue. This allowed me to obtain a language which was quite obscure. In fact I don't always understand it. There are words and references that I don't know. But the actors were very picky about the words they used. They wouldn't allow substitutions. They'd absolutely refuse. This led to many arguments about what words to use. This makes it seem affected, which can be annoying in "La Collectionneuse", but it's very realistic, because they really were like that.

Está aqui completa

Anónimo disse...

Os métodos dele são muito interessantes. Estou inteiramente de acordo com que Rohmer seja, acima de tudo, um ficcionista e penso mesmo que o melhor caminho no cinema para alcançar o objeto real, é o da ficção.
E continuo pensando que nesta atitude de não-intervenção (ou mínima) ao trabalho dos atores encerra-se um grande (se não absoluto) controle: não o controle detalhista, demiúrgico, artesanal, mas o controle seletivo, de escolha, de abordagem, sendo Rohmer menos um criador do que um intermediador, mas tendo ele essa exata consciência de onde quer chegar, do que pretende mostrar, abordar, contornar e que não pode ser criado ou representado, mas apreendido. Por isso o Raio Verde me causa tanto impacto, porque o que se dá no filme é algo impossível de se recriar, de se construir, é algo que está no mundo e é inexplicável.