sábado, 30 de janeiro de 2021

RAOUL WALSH


por Edgardo Cozarinsky

A carreira de Raoul Walsh (nascido em 1887) e a história de Hollywood estão tão intimamente ligadas que se iluminam uma à outra de forma eloquente e dramática. Esta ligação, longe de única, é partilhada por realizadores como Allan Dwan, King Vidor, John Ford e Henry King. Entraram todos na produção de filmes no início dos anos 10, entregando filmes de duas bobinas a um ritmo de partir o pescoço. Depois da Corrida do Ouro, Hollywood manteve-se na vida americana como o último posto avançado do mito da fronteira, ainda não absorvido pela ideologia do glamour; e daí em diante estes homens mantiveram-se continuamente activos até cerca de 1960, com altos e baixos que reflectiam a sua capacidade variável em acompanhar os tempos, deles próprios e da indústria. 

A carreira de Walsh, no entanto, fornece uma instância excepcional de interacção enriquecedora entre lenda pessoal e trabalho profissional. Já em 1913 foi ao México rodar material contextual e cenas de acção para The Life of Villa, um filme que era para ser realizado por Griffith para a Mutual. A companhia tinha assinado um contrato exclusivo com Pancho Villa, que concordou em fornecer informação e supervisão, e quando Griffith, já envolvido em O Nascimento de Uma Nação, passou o projecto para Christy Cabanne, o material de Walsh não só foi incorporado, como foi também a escolha pessoal de Villa para interpretar o líder mexicano em jovem. O próximo papel dele foi como John Wilkes Booth em O Nascimento de Uma Nação (1915). Em 1923, e depois de rodar no local Lost and Found in a South Sea Island, lembra-se de ficar tão bêbado durante a festa de despedida no Tahiti que os seus avanços a uma rapariga nativa levaram-no a permitir que a família dela lhe ligasse as narinas por perfuração. (Ele ainda é capaz de demonstrar isto, passando uma linha de lado a lado.) Finalmente, a famosa pala negra por cima do seu olho direito foi ganha em 1929, durante a rodagem de In Old Arizona. Durante muito tempo, a figura esguia e muscular de Walsh foi um ícone para o homem de aventuras de que falavam os seus filmes. O marinheiro rouco que ele interpretou em Sadie Thompson (1928, com Gloria Swanson no papel do título) é apenas um na longa galeria de militares robustos e barulhentos nos seus filmes. 

Walsh trabalhou para a maior parte das grandes companhias em Hollywood, e há ciclos reconhecíveis no seu trabalho, dependendo das estrelas, argumentistas e técnicos que essas companhias tinham sob contrato, bem como de abordagens temáticas variáveis. Se é possível considerar Walsh uma personalidade, não é por uma teoria de autor obstinada qualquer. Um artesão, quando recebe o material e os instrumentos para trabalhar nele, não consegue impedir que as suas atitudes, bem como a sua indiferença ocasional, deixem a sua marca. No seu próprio interesse, essas mesmas companhias foram rápidas em reconhecer o que melhor convinha aos talentos sob contrato. No caso de Walsh isto queria dizer filmes de acção, fossem filmes de guerra, westerns, filmes de gangsters, sagas marítimas ou as comédias de ritmo acelerado que parecem desenvolvimentos dos interlúdios de alívio cómico frequentes nesses mesmos filmes de acção. 

O cunho consistente de Walsh é uma forma de lidar com o tema apenas através da acção, e com a acção apenas através da linguagem cinematográfica. Ele foi citado a dizer que "não há cinco maneiras diferentes de mostrar um homem a entrar numa sala". Qualquer aluno no primeiro semestre de uma escola de cinema sabe que há inúmeras maneiras de mostrar um fragmento de acção, mas a atitude clássica, e o talento, é fazer com que a escolhida pareça ter sido a única possível. A célebre relutância de Walsh em ter um plano em que nada acontece, ou em deixá-lo ficar no ecrã mais tempo do que é preciso para fazer passar aquilo que o filme precisa de adiantar, é a base empírica para uma teoria do filme clássico de Hollywood. Nesse sentido os seus filmes são muito mais reveladores do que os de realizadores mais "pessoais". Destituído do sentimentalismo e do tradicionalismo consciente de John Ford, e do cepticismo e da adstringência intelectual de Howard Hawks, Walsh trabalha num equilíbrio perfeito entre a noção romântica do autor como criador e o preconceito pretensioso outrora predominante do realizador de Hollywood como uma engrenagem bem oleada dentro da máquina. 

Embora Walsh tenha realizado pelo menos uma dúzia de filmes extraordinários, há um elemento de prazer que hoje em dia parece inestimável mesmo no seu trabalho menos conhecido. Elliott Stein assinalou a paródia mordaz do monólogo interior de Strange Interlude (o filme intelectual do período) em Me and My Gal (1932). Uma produção rápida de orçamento apertado e com sessenta e quatro minutos do ano seguinte, Sailor's Luck, é mais engenhosa do que muitas comédias mais conhecidas dos anos 30, atando de forma brilhante, em acção cómica sempre crescente, personagens e situações. Mesmo algo aparentemente tão impraticável como um veículo de promoção para Lily Pons acaba por ser uma farsa louca—Hitting a New High (1937), em que a prima donna canta em copas de árvores como 'rapariga pássaro' africana, e um leão, que ninguém suspeita que seja selvagem, se passeia calmamente por uma suite de hotel art déco branca. Numa altura em que Hollywood distribuía entretenimento fresco todas as semanas, estes filmes podem ter parecido corriqueiros. Hoje em dia não só parecem mais suportáveis de ver do que o produto mais caro e "sério" do período, como também são dotados de uma inventividade infalível, tão mais notável por ser pouco vistosa. Embora O Ladrão de Bagdad (1924), O Preço da Glória (1926), Sadie Thompson e In Old Arizona fossem filmes "grandes", Walsh continuou a entregar filmes "pequenos" durante todos os anos 20. 

Em retrospectiva, o seu período de vinculação quase exclusiva à Warner (1939-51, com duas excepções entre vinte e seis filmes) parece ter feito ressaltar muito do seu melhor. A encenação e os cortes precisos da acção, a caracterização lacónica e o sentido infalível de narrativa na maior parte destes filmes destacam-se claramente se comparados com o produto padrão da Warner do período. The Roaring Twenties (1939) não é um filme mítico de gangsters, como Scarface, O Pequeno César ou O Inimigo Público, mas um retrato muito realista, em termos sociais e económicos, do período a seguir à Primeira Guerra Mundial. High Sierra (1941) preenche a lacuna entre o filme de gangsters dos anos 30 e o film noir dos anos 40 com uma história em que a violência criminal e a paixão sexual se apoiam uma à outra num crescendo impiedoso. Melodramas como They Drive by Night (U.K.: Road to Frisco 1940) e The Man I Love (1946), histórias de paixão perdida, são notáveis devido a uma intensidade que deriva não de uma estilização tão radical como a de Sternberg, mas do refinamento dos códigos secretos das relações sociais através do estilo dos actores e os artifícios óbvios dos guiões. Gentleman Jim (1942) é a variação mais elegante sobre uma ideia de galantaria que Walsh incorporou em Errol Flynn (algo que não conseguiu alcançar na sua breve associação anterior com Douglas Fairbanks Sr, e só iria recapturar nos anos 50, no seu encontro tardio com Clark Gable). Objectivo Burma (1945) é quase um exemplo de manual do filme de acção de guerra—totalmente falso factualmente, mas evocando a maior suspensão da descrença à medida que se desenvolve no ecrã com uma lógica de acção física e um equilíbrio de tensão e tranquilidade que nunca foi igualado. Mesmo quando a psicanálise chegou a Hollywood, Pursued (1947) manteve-se livre de pedantismo apesar dos seus muitos laivos de tragédia grega do seu guião de Niven Busch; e White Heat (1949), embora apresente uma estranha relação edipiana (Cagney a chorar ao colo de Margaret Wycherley), pode muito bem ser o mais simples e o mais sólido dos filmes de Walsh—o gangster anti-herói faz-se explodir finalmente gritando "Olha, Mãe! No alto do mundo!" Colorado Territory (1949) desloca a história de High Sierra para um cenário de western típico e acaba por dar rédea total ao gosto de Walsh pela tragédia romântica: a sequência final é um Liebestod menos histérico do que o de King Vidor em Duelo ao Sol, mas igualmente impressionante. Mesmo em meados dos anos 50, entre os formatos largos e as cores vistosas que eram inevitáveis na Fox, o humor sarcástico e a franqueza sexual de The Revolt of Mamie Stover (1956) eram os mesmos que os dos modestos projectos rápidos de Walsh nos anos 30. 

O risco de enumeração é aparente. A personalidade de Walsh é a de uma obra e é difícil não encontrar, mesmo no seu trabalho menos significativo, rajadas de humor, imaginação e mero sentido de cinema que são impossíveis de descrever. Até mais do que os westerns ou os filmes de gangsters, os filmes de guerra proporcionaram a Walsh um cenário propício. Nisso, mais do que em qualquer outro aspecto, a sua desconsideração serena por qualquer revisão crítica das atitudes tradicionais é visível, e descreve uma curva eloquente de O Preço da Glória ao seu penúltimo filme, o obscuro Marines, Let's Go (1961). 

A adaptação antiga de uma peça de sucesso por Lawrence Stallings e Maxwell Anderson, vinda no rescaldo do êxito de King Vidor, The Big Parade (1925), O Preço da Glória quase eliminou a ironia do original dos palcos, meramente através de uma preocupação dominante pelo prazer dos homens em acção, fossem combates ou rixas em tabernas A atitude de que a "guerra é um inferno" era expressa em títulos, entre a acção de guerra mais excitante (Walsh é um dos poucos realizadores em cujos filmes os combates podem ser acompanhados; o sentido e a legibilidade das movimentações e dos desenvolvimentos tácticos nunca são sacrificados a aparatos 'visuais' hécticos) e o humor das casernas. 

Depois da severidade formal extrema de Objectivo Burma, e do esquema mais solto dos seus thrillers contemporâneos de sabotagem e espiões na Warners, é revelador que Battle Cry (1955, argumento de Leon Uris a partir do seu romance) e Os Nus e Os Mortos (1958, o romance de Norman Mailer, adaptado pelos irmãos Sanders) não pareçam muito diferentes no tratamento de Walsh, apesar da distância em ambição literária entre os best-sellers originais. As melhores sequências de ambos os filmes são as algazarras nas tabernas, onde a excitação dos soldados no seu tempo livre e o erotismo reprimido parecem explodir num acordo exacto mas despretensioso com o formato largo, as panorâmicas e a montagem. 

Marines, Let's Go, um filme muito menor sob qualquer critério, teria sido ignorado ou descartado sem grande alarido uns anos mais cedo. Em vez disso, e na altura em que os homens na lista negra estavam a voltar e os filmes de grande orçamento os estavam a utilizar, quando a censura estava a rachar de forma rápida e ruidosa, o New York Times achou-o de "sem crédito para ninguém" e deplorou o seu "tributo aos lutadores americanos na Coreia oco e exasperante"; o New York Herald Tribune julgou-o "de mau gosto... verdadeiramente ofensivo" e disse que "Raoul Walsh devia ter vergonha de si mesmo"; enquanto a Variety desferiu o golpe mortal—"datado, lamechas, juvenil e previsível". Estes comentários, quando muito, espelham a brecha crescente entre a sensibilidade e as atitudes dos homens que montaram a indústria e as necessidades de sobrevivência dessa indústria num contexto social em rápida transformação. Embora o último filme de Walsh, A Distant Trumpet (1964), seja excelente, é possível que também ele pudesse dizer, como fez William Wellman a Peter Bogdanovich algum tempo depois, que "já não sabia como fazer um filme". 

Como leitura adicional, veja-se a autobiografia de Walsh, Each Man in His Time: The Life Story of a Director (1974). Também há duas monografias sobre a sua obra, uma editada por Phil Hardy, Raoul Walsh (1974), e uma por Kingsley Canham em The Hollywood Professionals, Vol. I (1973).

in «Cinema - A Critical Dictionary: The Major Filmmakers», Martin Secker & Warburg, Londres, 1980, pp. 1052-1055.

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