1949 – USA (114') ● Prod. Warner (Louis F. Edelman) ● Real. RAOUL WALSH ● Gui. Ivan Goff e Ben Roberts a p. de uma história de Virginia Kellogg ● Fot. Sid Hickox ● Mús. Max Steiner ● Int. James Cagney (Arthur Cody Jarrett), Virginia Mayo (Verna Jarrett), Edmond O'Brien (Hank Fallon/Vic Pardo), Margaret Wycherly (Ma Jarrett), Steve Cochran («Big Ed» Somers), John Archer (Philip Evans), Wally Cassell (Giovanni «Cotton» Valletti), Fred Clark (o operador).
Cody Jarrett é um gangster neurótico, que sofre de crises de enxaquecas agudas e tem uma adoração patológica pela mãe. À cabeça de um pequeno grupo de cúmplices, envolve-se no ataque de um comboio na Califórnia. Durante a operação, um dos membros da equipa é queimado por um jacto de vapor e ficam quatro vítimas para trás. Cody fecha o seu grupo bem como a mulher que despreza, Verna, e a mãe numa casa isolada. Espera por uma tempestade antes de se fazer outra vez à estrada. O cadáver do homem queimado permitiu à polícia, que utiliza métodos cada vez mais científicos, descobrir o rasto de Cody. Os polícias acabaram por seguir a mãe; é sabido que ela e o filho nunca se separam. Num primeiro momento, Cody escapa aos seus perseguidores, depois decide entregar-se confessando-se o autor de um golpe muito menos grave que o ataque ao comboio e que lhe vai valer apenas dois anos de prisão. As autoridades fingem cair na armadilha mas um polícia, Hank Fallon, especialista neste tipo de trabalho, é enviado para a penitenciária do Illinois onde Cody é encarcerado para lhe extrair confissões. Fallon mistura-se com os outros detidos e ganha a confiança de Cody a pouco e pouco. Sabendo da morte da mãe em pleno refeitório, Cody tem uma crise mais violenta que as outras e é preciso colocar-lhe a camisa de força. Um pouco depois, ele consegue evadir-se na companhia de vários detidos, entre os quais Fallon. De regresso a casa, Cody mata Ed, o amante da mulher, que o queria suplantar na frente da sua quadrilha. Verna declarou a Cody que Ed tinha matado a mãe disparando-lhe pelas costas quando na verdade tinha sido ela a cometer esse assassinato. A quadrilha prepara um novo golpe: trata-se de introduzir petróleo numa refinaria com um petroleiro para roubar os cofres na véspera do pagamento dos empregados. Fallon descobre por esta altura a identidade, até aí não encontrada pela polícia, do homem que informa a quadrilha e lhes serve de operador. Fallon instala um dispositivo electrónico por baixo do camião que permite à polícia localizá-lo e segui-lo. Dentro da fábrica cercada pelos polícias, um dos gangsters recentemente contratados pela equipa reconhece Fallon. Cody tenta trocá-lo pela sua própria liberdade, mas Fallon escapa-lhe. Os gangsters são abatidos um a um. Cody sobe ao topo de um reservatório. Acometido por uma exaltação demoníaca, desafia os polícias e dirige-se à mãe para lhe dizer que chegou ao topo do mundo : top of the world, expressão que ela utilizava frequentemente para o incitar ao sucesso.
► O grande regresso do filme de gangsters depois da guerra. (Este género é muito diferente, se se quiser dar um conteúdo real a essas categorias, do outro ramo então em pleno andamento do filme policial: o film noir.) Walsh re-actualiza e renova o género acentuando três das suas características já presentes antes da guerra, mas nunca levadas a este grau de ousadia e incandescência: a violência, o realismo documental, o comportamento neurótico e patológico do herói. É neste terceiro aspecto que se constata a evolução mais espectacular e mais pessoal da obra de Walsh. Os «valores» heróicos (a coragem, a tenacidade, a ousadia, o ascendente sobre as mulheres) evoluíram todos de forma negativa para a monstruosidade. Walsh dá a esta monstruosidade um relevo impressionante, uma truculência negra que não o impede – é a força do filme – de às vezes tornar a personagem de Cody bastante próxima do espectador (cf. a cena em que ele diz a Fallon que ter falado um bocado com a mãe – morta – lhe fez muito bem). Walsh descreve Cody com tanta nitidez e profundidade nas cenas de diálogo que mostram a sua intimidade e as suas relações estranhas com os seus como nas cenas de movimento em que o aspecto metálico da fotografia, as fulgurâncias da découpage e do encadeamento dos planos, o ritmo ofegante imposto às sequências exprimem a energia demoníaca deste personagem em plena acção. A este respeito, a cena final em que Cody se dirige à mãe permaneceu antológica do género, da carreira de Cagney e do estilo de Walsh. White Heat representa além disso a perfeição do filme de firma (ou de estúdio) tal como foi praticado durante muito tempo em Hollywood. Cada colaborador está idealmente no seu lugar na etapa do trabalho em que intervém, cada um tem uma consciência aguda do resultado a atingir e dos meios para o conseguir e portanto toda a gente se encontra a fazer o mesmo filme sem mal-entendidos nem desfasamentos. Este processo surge com grande claridade no prefácio de Patrick McGilligan à publicação do argumento pela Universidade do Wisconsin (ver Biblio.), no qual o autor examina as diferentes fases da elaboração do guião. Ivan Goff e Ben Roberts melhoram e transformam consideravelmente durante um trabalho minucioso de seis meses uma primeira sinopse de Virginia Kellogg (argumentista do interessante e vigoroso Caged de Cromwell). Têm consciência de estar a escrever uma espécie de tragédia grega com complexos de Édipo e cavalos de Tróia em jogo, mas adaptada à época moderna. Esta «tragédia» é confiada ao realizador mais capaz na Warner (e mesmo em todo o cinema hollywoodiano) de a evidenciar. Ivan Goff qualifica Walsh de «diamante em estado bruto». (ele e Ben Roberts vão escrever depois para Walsh Captain Horatio Hornblower e Band of Angels.) Quanto a Cagney, ele está no centro da inspiração do filme uma vez que o seu personagem é o produto actualizado dos heróis que tinha encarnado – às vezes de má vontade – antes da guerra (cf. The Public Enemy). Walsh modificou muito pouco o guião mas acrescentou gestos, em colaboração com Cagney, que enriquecem de forma intensa o personagem: ex: Cody sentado ao colo da mãe durante a sua crise ou derrubando a cadeira para que Verna tinha subido, quando ela faz uma observação irónica sobre a mãe que foi ao mercado procurar morangos para o seu filho querido. A cena inaudita em que Cagney fica louco ao descobrir que a mãe morreu esteve quase para não ver a luz do dia por razões de economia e devido a Jack Warner. Mas Walsh prometeu realizar a cena com metade dos figurantes previstos (trezentos em vez de seiscentos) e de a acabar antes do almoço. Rodou-a efectivamente em três horas e numa só tomada, filmada com várias câmaras.
BIBLIO.: argumento e diálogos publicados por The University of Wisconsin Press (1984). Guião de rodagem: a maior parte das modificações trazidas durante a realização estão assinaladas em notas. Prefácio apaixonante como todos os da colecção. («Wisconsin/Warner Bros. Screenplay Series».) Para o papel da mãe do personagem, os argumentistas Goff e Roberts inspiraram-se em Ma Baker, à qual Roger Corman dedicou um filme (Bloody Mama, 1970).
Jacques Lourcelles, in «Dictionnaire du Cinéma - Les Films», Robert Laffont, Paris, 1992.
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