sexta-feira, 26 de junho de 2020

THE WORLD IN HIS ARMS (1952)


1952 – USA (104') ● Prod. UI (Aaron Rosenberg) ● Real. RAOUL WALSH ● Gui. Borden Chase, Horace McCoy e R. Bertenson a p. do R. de Rex Beach ● Fot. Russell Metty (Technicolor) ● Mús. Frank Skinner ● Int. Gregory Peck (capitão Jonathan Clark), Ann Blyth (condessa Marina Selanova), Anthony Quinn (o Português), John McIntire (Deacon Greathouse), Andrea King (Mamie), Carl Esmond (o príncipe Semyon), Eugenie Leontovich (Anna), Sig Ruman (general Ivan Vorashilov), Hans Conried (Eustace), Bryan Forbes (William Cleggett), Rhys Williams (Eben Cleggett), Bill Radovich (Ogeechuck).

São Francisco, 1850. O fogoso capitão Jonathan Clark, conhecido como «O homem de Boston» pelos russos que o perseguem há anos em vão, regressa de dois anos de pesca ao largo da costa do Alaska (nesta altura território russo). O barco dele está repleto de peles de foca que vai negociar por intermédio do seu homem de confiança, Eben Clegett. Mas por agora precisa de recuperar a sua tripulação do Português, um capitão escroque que raptou os homens dele e os fechou no bar de Kelly. Clark e o Português são rivais de longa data, mas é sempre o americano a ter a última palavra. Depois de uma briga homérica, Clark, ajudado pelo seu imediato, Deacon, e pelo fiel esquimó Ogeechuck, recupera os seus marinheiros. De seguida aluga uma dezena de quartos no hotel mais sumptuoso da cidade para poder festejar condignamente o seu regresso. Privado da tripulação que tinha roubado, o Português já não pode levar para Sitka a condessa Marina Selanova, sobrinha do governador do Alaska, como tinha prometido. A condessa está a tentar fugir do príncipe Semyon, com quem tinha de casar por ordem do seu tio. Procurado para substituir o Português, Clark, que não tem inclinação alguma pela nobreza russa e pelo czar, recusa categoricamente fazer a viagem ao general que acompanha a condessa. Sabendo-o admirador do sexo frágil, a condessa não vê outra solução para ter sucesso além de se misturar com as raparigas que Clark convocou para animar a festa que está a dar no hotel. Aí, Marina, fazendo-se passar por seguidora da condessa, atrai a atenção de Clark que a convida para jantar e a faz visitar São Francisco. Amor recíproco à primeira vista. A condessa vai chegar de madrugada como que hipnotizada. No dia seguinte, Clark leva-a a dar um passeio a bordo do seu barco, o «Peregrino de Salem», e os dois apaixonados combinam a data do seu casamento. Clark anuncia-lhe que sempre achou muito comum o sonho da sua vida: comprar o território do Alaska aos russos em nome da América e pôr assim fim ao massacre de focas pelos russos, que na sua caça frenética pelas peles não respeitam as regras indispensáveis à preservação da espécie. De regresso ao seu hotel, a condessa tem a má surpresa de encontrar o príncipe Semyon que a leva à força para Sitka. Clark vê-se sozinho no casamento e descobre a verdadeira identidade da noiva com espanto. É a oportunidade para uma bela sessão de divertimento para o Português. Decepcionado e sem mais crédito nenhum no hotel, Clark pensa em vender o seu barco. O Português oferece-se para o comprar. Clark faz-lhe outra proposta : uma corrida entre os dois barcos até às ilhas Pribilof. O vencedor ganha o barco do outro. Durante a corrida, Clark toma todos os riscos e vence. Teria mesmo aguilhoado o «Santa Isabella» do Português se Deacon não o tivesse deixado antes inconsciente. No arquipélago, Clark fica outra vez cheio de peles. O Português, que Clark se recusou ainda assim a privar do barco depois da corrida, tenta-lhe roubar o carregamento de peles em alto mar. Mas surge a canhoneira de Semyon e faz as duas tripulações prisioneiras. Em Sitka, o príncipe faz açoitar o americano à frente da condessa. Para evitar que seja enforcado, esta aceita casar com Semyon em troca da libertação de Clark. Os prisioneiros são soltos. Mas durante a cerimónia do casamento entre Semyon e a condessa os homens de Clark e do Português, depois de colocarem as vestes dos sacerdotes, dão o golpe de misericórdia às bodas e levam a condessa. Clark mata Semyon em duelo e faz explodir a sua canhoneira antes de se voltar a juntar a Marina a bordo do «Peregrino de Salem». E em 1867, os Estados Unidos compraram efectivamente o Alaska aos russos...

► É um desses filmes emblemáticos de Walsh que parece sempre resumir a sua obra inteira enquanto a faz progredir ao mesmo tempo. Por uma espécie de prodígio, Walsh foi capaz de realizar perto de um desses por ano durante os últimos vinte anos da sua carreira. Aqui trata-se de um divertimento espectacular e variado, fundado a partir de uma realidade histórica, que se assemelha ao mais extraordinário dos romances (a aquisição do território do Alaska pelos americanos). O filme é composto de três partes relativamente distintas que dão uma ideia bastante justa da imensidão do registo walshiano. Na primeira, que vai até ao rapto da condessa por Semyon, o humor, a truculência, o relevo e o pitoresco servem de introdução ao ímpeto romanesco que impulsiona o capitão e a condessa na direcção um do outro antes da sua brutal separação. Nas cenas de grupo, a mise en scène acaba quase por se tornar confusa, de tão dinâmica que é. Nas cenas íntimas, Walsh mostra que foi sempre o poeta da paixão amorosa e dos encontros providenciais entre os seres. Essa primeira parte, uma espécie de filme completo por si só, oferece um condensado extremamente sedutor do universo walshiano. A segunda parte (a corrida dos dois veleiros) é uma marinha admirável, um estudo de movimentos através do qual Walsh revela outra faceta do seu talento: a de pintor dos elementos e da energia humana face a esses elementos. A terceira parte (o casamento impedido da condessa) é uma narrativa de aventuras seriais, fantasistas, hollywoodianas se quisermos, em que o Technicolor é rei. Nas três partes, o jogo, o disfarce e a competição vista como uma partida de prazer são privilegiadas; nada resiste excepto o amor. Ainda que beneficiando de um orçamento de muito menos importância que Captain Horatio Hornblower, O Mundo nos seus Braços não lhe é inferior em nada como filme de aventuras e mesmo como filme. Na primeira parte dos anos 50, o mar é de resto um elemento essencial da poética walshiana e foi a inspiração do cineasta para quatro filmes importantes: Captain Horatio Hornblower, este, Barba Negra, o Pirata e Sea Devils. No meio do grupo, O Mundo nos seus Braços distingue-se pela sua vivacidade, pela sua efervescência dionisíaca perpétua e pela sua ligeireza genial, que permitem ao autor evocar o que lhe é mais caro ao coração num tom liberto e gracejador que tem muito charme.

Jacques Lourcelles, in «Dictionnaire du Cinéma - Les Films», Robert Laffont, Paris, 1992.

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