sábado, 21 de novembro de 2020

SEA DEVILS (1953)


1953 – USA (90') ● Prod. RKO (David Rose) ● Real. RAOUL WALSH ● Gui. Borden Chase inspirado no R. «Les Travailleurs de la mer» de V. Hugo ● Fot. Wilkie Cooper (Technicolor) ● Mús. Richard Addinsell ● Int. Yvonne De Carlo (Drouette), Rock Hudson (Gilliatt), Maxwell Reed (Rantaine), Denis O'Dea (Lethierry), Michael Goodliffe (Ragan), Bryan Forbes (Willie), Jacques Brunius (Joseph Fouché), Gérard Oury (Napoleão).
 
Guernesey, 1804. Um contrabandista inglês, Gilliatt, conduz até França a bordo do seu barco uma jovem francesa que lhe conta uma história segundo a qual está à procura do seu irmão, desaparecido depois do massacre da família deles em 1793. Na realidade, a jovem é uma espia que trabalha ao serviço dos ingleses. Faz-se passar por uma condessa francesa de que é sósia e tem assim de obter informações relativas à localização da frota de Napoleão e aos seus planos de invasão da Inglaterra. Gilliatt descobre que a rapariga por quem se apaixonou lhe mentiu. Mas engana-se, por sua conta, e pensa que ela trabalha para os franceses. Rapta-a e leva-a para a Inglaterra, pondo em perigo a sua missão já que ela tem de receber no dia seguinte no seu solar – quer dizer, o solar da condessa cuja identidade usurpou – Napoleão e o seu estado maior. Ela volta para a França a bordo do barco de Rantaine, um contrabandista rival de Gilliatt, que é amarrado no porão depois de uma tentativa fracassada de se apoderar do barco do seu inimigo e de impedir a jovem de continuar o seu trabalho de espia. Esta convence Rantaine a poupar Gilliatt e depois volta ao seu solar, onde recebe Napoleão e consegue escutar a discussão dele com o seu estado maior. Mas Fouché apanha a falsa condessa e prende-a na cripta do solar dela. O doméstico da prisioneira, que é também seu cúmplice, antes de ser abatido consegue lançar um pombo-correio que vai levar uma mensagem a Lethierry, o homem de quem a espia recebe as suas ordens. Este liberta Gilliatt, que tinha aprisionado, e pede-lhe para ir salvar a jovem que lhe revela servir a causa inglesa. Gilliatt navega outra vez para França e cumpre a sua missão. Depois de uma longa perseguição, a sua amada, nas barbas de Fouché, volta-se juntar a ele a bordo. 
 
► Fusão genial do cinema de prosa e do cinema de poesia. A prosa reside aqui na força específica da narração, rigorosa nos seus meandros, construída sobre um ritmo alternadamente lânguido e precipitado, e sempre de uma plenitude surpreendente apesar da (ou graças à) ironia imperceptível do autor. A poesia, essa, está na métrica da narrativa, nas suas rimas discretas e ricas (as idas e vindas entre a costa inglesa e a França), num esplendor plástico que quer que os exteriores se banhem constantemente numa doce luz crepuscular e contrastem com interiores subtilmente luminosos. Tudo é ensurdecido neste filme perfeito («É com a voz baixa que se encanta», diz Georges Poulet) e a finura da intriga e das personagens é aqui tão necessária para o nosso prazer e para a harmonia da obra como são a força explosiva dos caracteres e a amargura trágica da acção noutros filmes de Walsh. Só ela permite neste caso que a fantasia do autor floresça, que a graciosidade e a elegância das personagens se harmonizem de uma forma quase onírica com a magia dos exteriores. Límpida e alquímica, a beleza deste filme transporta o espectador fascinado para os arcanos do cinema. 
 
N.B. Na sua autobiografia, Notes for a Life (Collins, Londres, 1974), o futuro cineasta Bryan Forbes, na altura um pequeno actor sem contrato, fala da sua amizade com Walsh (ele já tinha filmado em World in His Arms) e da forma hábil e divertida com que este o impôs à produção no lugar de Barry Fitzgerald. Ele permite-o mesmo reescrever o seu papel, concebido originalmente para um actor muito mais velho. O capítulo XXXII contém um retrato delicioso de Walsh. De notar que este, quando fala do seu filme, utiliza a expressão: «a piece of horseshit» (que se poderia traduzir por qualquer coisa como « uma pouca de merda ». Forma pitoresca e colorida de confirmar a observação de Borges: «Para se ser bem sucedido no que se quer fazer, talvez seja melhor não lhe dar extrema importância.» Chamado originalmente Toilers of the Sea, queria-se que o filme fosse uma adaptação dos «Homens do Mar». Na versão final, o romance de Hugo só está presente em alguns nomes próprios e na localização da narrativa.

Jacques Lourcelles, in «Dictionnaire du Cinéma - Les Films», Robert Laffont, Paris, 1992.

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