sexta-feira, 12 de novembro de 2010

"Land of the Pharaohs" - 1955



Land of the Pharaohs é considerado uma espécie de óvni na obra de Hawks, pouco dele se reconhece no filme, à primeira vista. É, como quase todos os Hawks, um prodígio narrativo, não por acaso, Faulkner, foi um dos 3 argumentistas. É cínico e trágico mas contém em si, os perfeitos negativos de todos os “motivos” e temas do realizador, da mulher “hawksiana”, aqui completamente retorcida, não só dominadora mas verdadeiramente mercenária e vingativa, ao companheirismo que se respeita e digna até às últimas consequências (do faraó e do seu conselheiro) mas que até ao final do filme, pouco nos diz, essencialmente pela maldade e pelo cinismo (outra vez) das personagens.

O filme é um épico e retrata a sede e busca (des)humana por poder no Egipto antigo, sob o signo da morte, e a tragédia paira sempre pelo ar. Mas espanta-me sobremaneira que, mesmo assim, Hawks consiga encontrar um equivalente para os seus clássicos “get together and sing”, os seus rituais musicais, ao piano em Only Angels Have Wings, à guitarra em Rio Bravo, ou só com voz em The Big Sky (O filme mais “aberto” e poético de Hawks. Peço desculpa pelo desabafo), que normalmente coincidem com a integração ou a chegada de alguém “ao grupo” (e quão belos são esses momentos), com a recepção festiva ao faraó em que toda a gente canta e bate palmas. Aquilo é Hawks antológico e puro.

É também Hawks puro e antológico o primeiro encontro do faraó com a princesa do Chipre, em que se confunde toda a noção de “macho” e “fêmea” num duelo feroz e cómico, a espaços. É voltar outra vez a I Was a Male War Bride ou Bringing Up Baby. Mas por pouco tempo, porque aquele tesouro nas secretíssimas câmaras enfeitiça toda a “nobreza” egípcia, que, a caminho do final do filme vai perdendo toda e qualquer “nobreza”, se a tinha. O colar é o primeiro sintoma e presságio das intenções mercenárias da segunda rainha (e este é outro dos filmes de Hawks que se pode resumir, ideologicamente, ao percurso ou significado de um objecto, como Red River e a pulseira ou Only Angels Have Wings e a moeda) “no man should own such treasure”, diz-lhe ela (cito de cor) antes de alimentar e semear a morte pelo reino.

Mas nem só de inveja, ciúme e maldade nos fala The Land of The Pharaohs. Fala-nos também de sacrifícios. Por amor, por interesse, por consciência ou por insondável respeito. O do arquitecto pelo seu povo, o da primeira rainha pelo seu filho (numa das mais belas sequências da obra de Hawks), o do servo e do amante pela segunda rainha e o do conselheiro pelo seu rei e senhor (talvez o mais impressionante pelo seu cruel, mas talvez justo, propósito – o tal “production for use” de que Bénard da Costa fala na crítica a este filme, referenciando His Girl Friday).

Fala-nos também da morte (aliás, o ponto de partida (e chegada) do filme é a construcção de um túmulo e portal para uma segunda vida - a do Faraó - a custo de vidas, suor e trabalho de centenas de escravos) e, até lá, da longa espera pela sua chegada, da tentativa muito humana de atingir imortalidade pelo poder, pela construcção e produção de monumentais monumentos, algo que prove esse poder e o ecoe pela eternidade, um túmulo impenetrável mas repleto de trágicas estórias. Do princípio ao fim, a felicidade e a estabilidade vão diminuindo, o tempo vai escasseando e o espaço confinando, até se sentirem fechar todas as aberturas, toda a luz, todas as portas e fugas possíveis, toda a esperança, até cada um ter o que merece e o que lhe é devido (ou não, nalguns casos), até cada pedra do mecanismo projectado pelo arquitecto encerrar a câmara fúnebre e projectar o faraó para a eternidade que o dinheiro e o poder lhe puderam comprar...

A pirâmide é o princípio e o fim de todas as coisas e encerra em si muitos segredos, da obra e pensamento de Hawks, também. Da morte, do poder, de cobras e enterros. Em Cinemascope..


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