domingo, 5 de julho de 2020

GENTLEMAN JIM (1942)


1942 – USA (104') ● Prod. Warner First National (Robert Buckner) ● Real. RAOUL WALSH ● Gui. Vincent Lawrence, Horace McCoy a p. da vida de James J. Corbett e a autobiografia de Corbett «The Roar of the Crowd» ● Fot. Sid Hickox ● Mús. Heinz Roemheld ● Int. Errol Flynn (James J. Corbett), Alexis Smith (Victoria Ware), Jack Carson (Walter Lowrie), Alan Hale (Pat Corbett), John Loder (Clinton DeWitt), William Frawley (Billy Delaney), Minor Watson (Buck Ware), Ward Bond (John L. Sullivan), Rhys Williams (Harry Watson), Arthur Shields (o pai Burke), Madeleine Lebeau (Anna Held), Dorothy Vaughan (Ma Corbett), James Flavin (George Corbett), Pat Flaherty (Harry Corbett), Wallis Clark (o juiz Geary).

São Francisco, 1887. O boxe, que está longe de ser a arte nobre que se tornou a seguir, é um desporto praticado sem regras que se relega aos confins da cidade em exibições clandestinas. Jim Corbett, empregado de banco modesto, filho de um cocheiro irlandês, assiste muitas vezes a elas. Depois de uma batida policial, e graças a uma grande mentira, ajuda o juiz Geary a escapar às acusações e ganha assim o seu reconhecimento. Como muitos dos seus concidadãos, o juiz adora o boxe e queria vê-lo praticado por cavalheiros. No banco, Corbett aproveita a visita da herdeira rica Victoria Ware para oferecer os seus serviços e ir levar a seu pai, ao Clube Olímpico, o dinheiro que ele precisa para continuar o seu jogo de póquer. Corbett, que sonha em subir na vida, fica fascinado com a atmosfera e as instalações deste clube chique. A pedido dele, Victoria fá-lo visitar o ginásio. Veste-se para um breve combate com o célebre treinador Harry Watson e impressiona todos os que assistem com as suas qualidades de pugilista. Dão-lhe imediatamente o seu cartão de membro, e Victoria, ainda que estupefacta com a sua ousadia, aceita tornar-se sua madrinha. Os irmãos dele não querem acreditar quando lhes anuncia a notícia e o cepticismo deles desencadeia no seio da família Corbett uma dessas lutas homéricas de que apenas esta tem o segredo. No Clube Olímpico, a vaidade, a segurança e a obstinação infatigável de Corbett em se fazer valer (paga por exemplo ao mensageiro para gritar o seu nome em todas as salas) não tardam a irritar os outros membros que querem dar-lhe então uma lição. Propõem mil dólares ao antigo campeão de Inglaterra para o defrontar e lhe dar uma dentada ou duas. Vai ser a primeira partida de boxe em que se aplicam as regras do marquês de Queensbury. Contrariamente a todos os prognósticos, e especialmente graças ao seu jogo de pernas (movimenta-se como um dançarino no ringue), Corbett leva a melhor sobre o seu adversário por K.-O. Enquanto a impressiona, exaspera ao ponto máximo Victoria, que no final da partida o chega a chamar de bruto. Como querem expulsar do clube o seu colega, Walter Lowrie, um alcoólico e um chato impenitente que está sempre colado a toda a gente, Corbett junta-se à causa dele e abandona o clube. Depois de uma noite de bebedeira, vê-se em Salt Lake City, obrigado a uma promessa que fez ao treinador Bill Delaney de defrontar um pugilista local. Uma vez saído das névoas do álcool, vai pô-lo facilmente K.-O. De regresso a São Francisco, demite-se do banco e arrecada cada vez mais vitórias, primeiro em casa contra Joe Choynski, numa barcaça instalada na baía de São Francisco, depois em diferentes cantos dos Estados Unidos e nomeadamente em Nova Orleães. Mas a ambição dele não se limita ao boxe. Em Nova Iorque, representa numa peça intitulada «Gentleman Jim» da qual vai tirar a sua alcunha e espera um dia interpretar Shakespeare. Toda a família Corbett se muda para o bairro chique de Nob Hill. O pai e os dois irmãos de Jim inauguram o saloon que ele lhes ofereceu. Agora, o principal objectivo de Corbett é levar John L. Sullivan, o pugilista mais célebre do seu tempo, a aceitá-lo como adversário. Vai conseguir enervá-lo falando-lhe da sua idade e Sullivan vai aceitar o seu desafio. Mas Corbett tem de colocar em jogo dez mil dólares para que a partida tenha lugar. Foi a condição que Sullivan estabeleceu. Corbett entra em contacto com diferentes banqueiros que lhe recusam emprestar essa quantia. Em Nova Iorque, no hotel Waldorf-Astoria, revê Victoria por acaso e o encontro deles termina logo em disputa. Para ter o prazer de o ver vencido, fornece em segredo ao seu treinador Bill Delaney a quantia de que Corbett necessita. A partida pode então ter lugar. Mais vivo que nunca, Corbett atordoa e esgota o seu adversário, que nunca lhe consegue tocar. Na 21ª ronda, Corbett leva-lhe a melhor por K.-O. e torna-se o primeiro campeão do mundo de pesos pesados a triunfar segundo as regras do marquês de Queenbury. Durante a festa que se sucede ao seu triunfo, Victoria, que no entanto não pode deixar de o admirar, oferece a Jim um chapéu gigante para a sua cabeça grande. De repente, aparece Sullivan. Corbett presta-lhe uma homenagem vibrante e comove até às lágrimas aquele que acaba de destronar. Sullivan diz-lhe com reconhecimento que vai sem dúvida trazer ao boxe aquilo que lhe faltava e conclui com estas palavras: «Sei que se é difícil ser um bom perdedor, é ainda mais difícil ser um bom vencedor». Depois de uma enésima e breve disputa, Victoria cai nos braços de Jim que exclama: «Vais dar uma bela Corbett!» E, como é hábito deles, os irmãos Corbett, voltam mais uma vez a lutar...

► Terceiro dos sete filmes de Walsh com Errol Flynn, e sem dúvida a mais brilhante das suas colaborações. Através da personalidade do actor (de quem gosta de destacar aspectos diferentes que Curtiz, que o tinha dirigido em doze filmes) e através da biografia de Corbett, Walsh desenha o retrato de um homem ambicioso, atrevido, astuto, vaidoso, insolente, etc. cujo apetite de viver, extremamente desenvolvido, é polivalente e está constantemente à procura de outros alimentos. É esse carácter polivalente que faz dele um herói walshiano perfeito. Corbett quer tornar-se ao mesmo tempo um cidadão respeitado da alta sociedade de São Francisco, um grande pugilista, um actor shakespeariano, etc. Recusando a especialização, encarna uma arte de viver em que a elegância e a ironia são essenciais e que nunca fixa um limite ou um objectivo final a atingir. Corbet-Flynn, visto por Walsh, é um artista da vida, não um esteta, cujos próprios defeitos são tão grandes que se transformam em qualidades e alimentam a corrente de energia, aqui toda positiva, que o atravessa e o liga ao mundo. A sua ambição, não destituída de cálculo, ignora no entanto essa rigidez, esse azedume e essa tensão melancólica que torna tantos ambiciosos em vencidos e infelizes, mesmo quando atingiram o seu objectivo. A ambição de Corbett, essa, é alegre e está em movimento perpétuo. Para a transcrever, Walsh utiliza um estilo perfeitamente clássico, sem tomadas de posição, que veremos triunfar tão bem numa decupagem sem planos fixos (à John Ford) como numa decupagem ultra-viva em que abundam os movimentos de câmara, em que a câmara, sem nunca perder o fôlego, se casa naturalmente com os ímpetos de entusiasmo de um herói em perpétua transformação. No final, no cume da glória, ele tornar-se-á quase humilde na maravilhosa cena da sua saudação a Sullivan, cena que Walsh achou suficientemente importante para lhe registar o diálogo nas suas memórias («Each Man in His Time»). Gentleman Jim é sem dúvida o filme mais alegre de Walsh e, a cada nova visualização, fica-se maravilhado com a energia que liberta, com a sua vivacidade e a sua juventude milagrosa. 

BIBLIO. : argumento e diálogos in « L'Avant Scène » nº 167 (1976).

Jacques Lourcelles, in «Dictionnaire du Cinéma - Les Films», Robert Laffont, Paris, 1992.

Sem comentários: