"Do you wanna go to Bad with me?"
Howard Hawks foi um génio, já aqui o disse e hei de continuar a dizer. É um dos meus cineastas preferidos e não houve nenhum filme dele que não gostasse - até um filme como Red Line 7000 tem, para mim, coisas brilhantes.
Em 49, Hawks fez outra obra-prima. Chama-se "I Was a Male War Bride" e, como podem imaginar, foi feito numa altura em que não se podia falar em sexo. Ora, no filme não se fala em mais nada senão em sexo. Por meias palavras, por sinais, por metáforas, é verdade. Mas é esse o tema, esse e o sempre actual tema Homem vs. Mulher (tema caro, também, a George Cukor e Frank Capra). Hawks cita, aliás, Capra como grande influência, particularmente com "It Happened One Night". Não querendo parecer esquisito, a verdade é que sempre preferi Hawks a Capra, e acho que este "I Was a Male Bride" tem mais carga sexual do que as comédias "screwball" de Frank Capra todas juntas (ainda assim, acho "Mr. Smith Goes to Washington" um filme extraordinário).
Em "War Bride", os papéis estão trocados e não se sabe, mesmo, quem é a "noiva de guerra": se Grant, se Sheridan, e é essa ambiguidade sexual que tanto encanto dá ao filme. Mas como se isso não bastasse, é uma crítica desenfreada ao establishment e à burocracia do exército norte-americano ("I am an alien spouse of female military personnel en route to the United States under public law 271 of the Congress."). Sem mais delongas, deixo a palavra a Bénard da Costa:
" (...) Entre o homem que nunca sabe qual é o seu estatuto nem qual é o seu lugar (pense-se na fabulosa sequência, digna de desenhos animados, em que a moto se põe em marcha sozinha, arrastando Grant semi-adormecido e contornando todos os obstáculos até se enfiar no monte de palha) e a mulher cujo estatuto lhe não permite sequer o contacto com as roupas do seu sexo nem com o corpo do sexo oposto (reacções físicas às aproximações de Grant) esta assombrosa comédia não fala de outra coisa senão do desacerto total e a todos os níveis de qualquer possibilidade de comunicação: desacerto entre o homem e a mulher, desacerto entre o homem feito mulher e a mulher feita homem. E, sob a aparente desenvoltura, o que fica é uma das mais formidáveis charges à sociedade americana (eficiência, puritanismo, matriarcado) em que o visto contradiz incessantemente o dito. O exemplo mais brilhante é a primeira noite dos protagonistas na estalagem. Quem vir - como nós vimos - sabe que não se passa nada. Mas quem fechar os olhos e se limitar a ouvir a banda sonora (pasmosos e elípticos diálogos e silêncios) jamais acreditará - como a criada não acreditou - que a noite tenha sido casta. A solo é um dos mais ousados diálogos de Hollywood. Experimentem, caso já conheçam o filme, ouvir mais do que ver.
A situação repete-se no dia seguinte, na cave, quando a Tenente quer experimentar como são os famosos beijos dos franceses. "A french kiss" é uma expressão internacional com conotação bem precisa. Poucas dúvidas haverá que é isso o que Ann Sheridan quer experimentar ("all we`ve done together, all we`ve not done together") e o que vai insinuando com aqueles "people say... people talk...". E se volta a ser melhor quando há colaboração (leit-motiv constante da obra de Hawks) é prodigiosa a elipse final (que oculta o beijo francês ou o beijo do francês) e determina o casamento.
Muito haveria a dizer sobre o prodigioso gag da mão de Cary Grant, essa mão que ele não consegue baixar. Mas o clou é a consumação final sob a imagem da Estátua da Liberdade, de que já se disse ser a mais amarga imagem da obra de Hawks sobre o seu próprio país e a civilização que simboliza. Ao menos a essa Estátua, ninguém lhe desce o facho, nem ninguém a impede de o erguer triunfalmente."
Hawks é o cineasta preferido de Carpenter e de Rivette. Hoje é o meu, também....
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