domingo, 14 de março de 2010

"Pickpocket" - 1959*







(dialéctica)

O livro “Notas sobre o Cinematógrafo”, de Robert Bresson – colecção de notas soltas do realizador, quando em rodagem – não tem esse nome por acaso. Não é Cinema, é cinematógrafo, como o instrumento dos irmãos Lumière. Porque o Cinema com actores, com encenação, não deve ser o praticado, é uma reprodução, uma interpretação, uma farsa... E, já agora, é assim que começa “Pickpocket”, com um aviso:


« Ce film n’est pas du style policier. L’auteur s’efforce d’exprimer, par des images et des sons, le cauchemar d’un jeune homme poussé par sa faiblesse dans un aventure de vol à la tire pour laquelle il n’était pas fait.Seulement cette aventure, par des chemins étranges, réunira deux âmes qui, sans elle, ne se seraient peut-être jamais connues. »


A partir daqui sabemos que o filme (e, para todo o caso, o Cinematógrafo) não se “aproxima” da verdade da mesma maneira (e com os mesmos meios) que o Teatro ou a Literatura, mas sim através dos seus próprios meios (Imagens e sons – montagem). Não são as interpretações (elas afastam-se de tudo), não são as histórias, são, sim, as imagens, particularmente a sua ligação, o diálogo interno entre planos. Imagens que separadas não têm significado (devem aliás ser desprovidas dele), juntas aproximam-se de algo próximo da Verdade. O realizador (o “homem”, nas palavras de Bresson) deve perceber que as imagens são como “as palavras do dicionário, só têm força através da sua posição e da relação” com as outras. Montagem foi, aliás, a grande (ENORME) “dádiva” do Cinema e é o que a torna numa Arte única (e Welles e Eisenstein diziam o mesmo). Não, Cinema não são boas interpretações, boa história e boa realização (se é que é possível apurar o que isso é) e isso tem que se afigurar como óbvio... É a distanciação (ética, formal...) que transforma um conjunto de imagens, portanto, num filme.

Pickpocket” será, porventura, a concretização de tudo isto, se bem que ache que é “Un Condamné à mort s`est échappé”, não só o melhor filme de Robert Bresson, como, também o que melhor o explica (a si e ao seu pensamento). São duas obras-primas de um génio (um dos grandes do Cinema, por sinal) que têm toda uma estética por trás, sim, mas também uma ideologia. Porque o que são Michel (“Pickpocket”) e o tenente Fontaine (“Un Condamné”), senão entes dominados (enclausurados, diria até) por rotinas e comportamentos impostos pela Sociedade?

Terminava, dizendo que são, sim, os filmes de Bresson que devem ser dissecados e analisados, acima de quaisquer outros, até...

"Pickpocket", por Gary Indiana / robert-bresson.com

*outro para Teoria mas Bresson, claro, diz-me muito mais que Sica...

2 comentários:

Álvaro Martins disse...

Bresson é muito minimalista, muito cru, simples. Pickpocket é sem dúvida uma obra-prima, mas Un Condamné à mort s`est échappé é também o meu preferido dele. O L'argent também me satisfaz muito, como ensaio do capitalismo, da sociedade, do corrompimento humano. O valor das imagens, da montagem de que falas é esse minimalismo que Bresson tem, é isso que o distingue de outros cineastas como Truffaut, Godard, Resnais...
Ou seja, concordo contigo ;)

João Palhares disse...

Já tenho o "L`Argent" para ver há algum tempo, vou tratar de o ver...