“Umberto D.” é tido como o último filme associado à estética e aos propósitos do Neo-Realismo italiano (há depois as excepções tardias, obviamente), uma corrente que vinculava o Cinema a aspirações eminentemente sociais e que marcava uma ruptura em relação ao Cinema “escapista”, artificioso e fortemente retórico da Idade dourada de Hollywood. Isto será verdade, mas apenas na sua generalidade, porque a História do Cinema americano oferece-nos maravilhosas excepções, desde a “trilogia social” de Fritz Lang à adaptação de “Grapes of Wrath”, por John Ford, passando pelo melhor filme de Leo Mccarey - “Make Way for Tomorrow” - aquele tal que, segundo Orson Welles, “would make a stone cry” - e depois há os “disfarçadamente” artificiosos e “escapistas”, mas desses nem falo, cito apenas dois nomes: Hawks e Minnelli.
Mas, bem, o neo-realismo italiano marcou, sim, uma ruptura estética e potenciou novas formas de pensamento, novas corrente teóricas (nem é preciso citar Bazin e Deleuze, o próprio Rivette sustentou teorias com base em Rossellini). Potenciou-as, portanto, mas elas não eram, de maneira alguma, condizentes e os próprios realizadores (Rossellini, Sica) não as viam de bom tom. Porque, depois, havia (e há) o neo-realismo segundo Rossellini, o que diz Bazin ser de um amor e representação distanciada das personagens (“envolvidas com uma consciência desesperada da incomunicabilidade dos seres” - e não faltam pontos em comum entre Rossellini e Antonioni, mas isto já é uma divagação), e há o neo-realismo de Vittorio de Sica, cujo (Bazin, outra vez) “amor pelas personagens irradia delas próprias. São o que são, mas iluminados do interior pela ternura que ele (Sica) lhes tem”.
A Visconti é creditado o primeiro filme neo-realista, Ossesione, mas ele foi dos que se distanciou cedo da corrente (ainda assim, fez “La Terra Trema”, arquétipo do género e um dos filmes mais fiéis aos propósitos da génese do movimento), Rossellini fez apenas três filmes associados ao movimento, principalmente porque não suportava os “catálogos” e as simplificações do seu Cinema – não era neo-realismo, era Rossellini. O próprio Sica disse, uma vez, que o neo-realismo não devia ser, nunca, realidade e as deambulações poéticas, os ângulos de câmara e a música não diegética são disso prova (porque eu, em “Umberto D.”, vejo Welles, vejo Chaplin). Ele, no entanto, foi o mais fiel à corrente e mesmo apesar das comédias românticas dos anos 60 e não será demais dizer que trabalhou com Selznick, também.
Deleuze disse que, o neo-realismo marcou uma viragem na nossa (do espectador) apreensão da verdade, do modo como esta é pensada e que o movimento italiano é um “prelúdio” à imagem-tempo, porque dele “irrompem imagens puramente ópticas e sonoras”, como se de documentários em bruto se tratassem. Em “Umberto D.” temos, obviamente, algo disto – é o quotidiano de um idoso, um documento de grande repúdio à Sociedade italiana - mas o filme, é sobretudo um retrato intimista de alguém que na sua pobreza nunca se torna pobre de espírito e que é, até, um combatente feroz à sua condição, não se contenta e não se rebaixa. O filme é sobre o Homem e o Mundo, sobre ele e o espaço circundante, recorre a banda-sonora e há dramatização, há guião – não há tentativa de abstracção do guião, de tentar torná-lo inexistente, como faz Rohmer, por exemplo – e Cesare Zavattini, convém assinalar, foi nomeado para o extinto OSCAR de melhor história. Sei que tenho de relacionar o filme à teoria deleuziana, mas à parte dessa pequena relação que salientei, não consigo. O filme, para mim, é um conto de perda, de sofrimento e se bem que distanciado do Cinema Clássico americano, não consigo deixar de ver relações (e não são pequenas) entre O Umberto Ferrari, o Calvero de “Limelight” (curiosamente, também de 52) e o “Pa” e a “Ma” Cooper de “Make Way for Tomorrow”.
Todos à espera da morte, seja a artística (Calvero), a social (Umberto) ou a familiar (“Pa” e “Ma” Cooper), mas nenhum abandona os seus ideais, fazendo, mesmo, sacrifícios pelos outros. Os 3 filmes, são retratos dos quais se pode tirar uma ou mais morais, mas que não são, de todo, moralistas. E “Umberto D.” tem uma componente “fantástica” ou, pelo menos, algo de intervenção divina – falo do cão, pois claro...
* trabalho escrito para Teoria do Cinema II
3 comentários:
Bom texto. Espero que tenhas tido boa nota ;)
Gosto muito do filme.
A ver vamos... :)
E obrigado..
Também gostei muito do filme
Obrigado, João. :)
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