Antes de mais, isto. Não tenho grande apreço pelos Coen, e salvo raras excepções (The Big Lebowski), pouco me dizem aquelas superficiais névoas de filmes. Isto, quando são, de facto, superficiais: o que eles faziam era pegar num género, floreá-lo com "inteligência" (muitas, muitas, aspas aqui) e desenvolvê-lo não a partir do que deve ser o motor de um filme (personagens, ideias de montagem e Cinema, vá) mas da ideia oca que tinham desse género (o film noir de The Man who wasn`t there e Blood Simple, a screwball comedy de Intolerable Cruelty, que é nada menos que intolerável, ou o western de No Country for Old Men, etc), era isto que motivava e justificava os seus filmes e que resultava numa futilidade fílmica e sem alma, quanto a mim. Era a ideia de uma ideia (de uma ideia....) de Cinema e fruto de quem por ele pareciam não ter respeito, um corromper e uma paródia aos filmes e aos géneros. Ah e No Country for Old Men nunca será "mau Peckinpah", mas a tentativa de reprodução de uma ideia de uma ideia de mau Peckinpah.
Claro que partir do género para um filme não é mau por si, se se faz, por exemplo, como um Leone ou um Carpenter, com um mínimo de destreza formal e preocupação histórica, com as devidas referências e percepção de um passado estético, precisamente. Nunca um filme poderá ser uma sucessão mais ou menos programática de maneirismos e pré-conceitos de um género.
Escrito isto, e não é por acaso que está ali em cima uma foto de A Serious Man, noto que depois de No Country for Old Men, os Coen parecem ter abandonado este esquematismo desleixado e enveredaram por algo mais próximo das personagens (Burn After Reading é, invariavelmente, um filme de personagens) e que tenta reflectir sobre algo minimamente ligado à realidade. Finalmente parece haver uma preocupação em trabalhar a superfície e em desenvolver laços entre as personagens e o espaço, nem que seja para ilustrar a sua inadaptidão em pertencer a esse espaço, neste caso social, a vida em sociedade.
Assim, Burn After Reading e A Serious Man marcam uma ruptura em relação à obra anterior dos realizadores e uma ruptura consciente, quer-me parecer. Apercebendo-se da sua inadaptidão em filmar o real, se assim se pode dizer, os Coens filmam personagens a tentar (e a não conseguir) pertencer ao real e fazem disso uma obsessão temática. O primeiro é uma comédia que tem como trama, a construcção de uma trama, precisamente, por parte das personagens, pessoas que vêem filmes a mais e que deambulam entre a realidade e o que lhes parece a realidade, transformando um incidente numa conspiração mundial e fictícia, mas que lhes traz consequências muito reais. O segundo é o melhor filme americano do ano passado, junto com o Inglourious Basterds e o A Single Man e capta as frustrações (muito humanas) de Larry Gopnik, um professor universitário (o Colin Firth de A Single Man também o é) que se vê confrontado com a ameaça de um divórcio, um despedimento e a exclusão social - unfit. Sem desenvolver e pensar muito no assunto, digo que é o melhor filme dos Coen e que por este, sim, podiam ter ganho os Óscares.
A Simple Plan era o filme que os Coen gostavam de ter feito, até terem feito estes dois filmes...