"Mas, quando a corda é cortada, tudo se torna de uma lentidão imensa, enquanto o barco se afasta e Matahi se afunda nas águas, nadando, nadando sempre, como se esse movimento já sem razão fosse a última razão possível."
Falava-se aqui, ontem, em finais de filmes e em como os muito bons nunca são estragados por spoilers. Para o caso era Au Hazard Balthazar, mas para Tabu também as palavras se adequam. Deixo-o aqui, o final do mais belo filme do mundo.
9 comentários:
Para mim não será o mais belo porque existe o "Sunrise". Vi-o em sala há muitos anos na Covilhã. grande obra, como todas as de Murnau.
E o City Girl! Entre os três é impossível escolher, são todos o mais belo filme do mundo... :)
Nunca vi o City Girl, mas estou como o Victor, não é o mais belo por causa do Sunrise, e do Offret do Tarkovsky, e do Ordet do Dreyer, e... ;)
Já não revejo o Sunrise há algum tempo, mas os últimos 3 filmes do Murnau são maravilhosos. "O mais belo filme do mundo" serve para substituir as palavras que sobre eles se possam dizer, que serão sempre poucas.. para os outros dois que referes também.. e haverá mais, talvez.. :)
Eu percebi João :)
Não aprecio o «Sunrise». Até me custa entender como é que aquilo saiu «das mãos» do Murnau, mas enfim... Já que se fala nele, porque não mencionar o final de «Nosferatu» (a mariquice, hein? A colocar aspas em tudo o que a elas tem direito!)? Belíssimo e tremendamente irónico (o Murnau era um pândego, também me custa a aparente dificuldade em entender isso; é como o Tchékhov na literatura, cuja sinceridade passava precisamente pelo jogo subtil com a ironia). Cada vez mais me convenço de que é um dos meus filmes preferidos, por funcionar a tantos e tão diversos níveis diferentes. O final é uma coisa parva de bela.
O final do Balthazar é maravilhoso. Do «City Girl» gosto mais daquela cena em que ambos correm pelos campos de centeio, na viagem da cidade para o campo. Se o puderes ver em blu-ray, fá-lo, que a cópia é uma delícia.
Um dos meus finais preferidos continua a ser o do «L'eclisse», carambas. Mas curiosamente hoje via o «Sous le sable» e pensava em como não ligo especialmente aos finais, contrariamente ao que acontecia quando comecei a amar o cinema, daí que tenha dito no Brecht que já não me choca saber finais de filmes. E é a razão pela qual não gosto especialmente de filmes que dependem de «twists» finais. E é uma das razões porue adoro Sirk. Outro dos meus finais preferidos é o de «Bigger than life», que é das coisas mais deliciosamente corrosivas que vi em cinema. Adoro happy ends, acho que o seu potencial subversivo é totalmente subestimado precisamente pelas pessoas que deveriam entendê-los (os tais «amantes de cinema», como nós). E pronto, escrevi este longo comentário porque estou na biblioteca a matar o tempo, desculpa lá. E agradeço o link para o novo blogue. Foste o primeiro a linká-lo, sinto-me honrado.
É difícil acompanhar as tuas constantes mudanças e reinvenções, eheh, mas tenho conseguido!
Apesar de compreender até certo ponto o que dizes, não acho que haja muita ironia no Murnau, ou pelo menos não tanta como no Sirk, que na sua altura foi incompreendidíssimo. Quando leio ou ouço happy endings corrosivos penso sempre no Wilder e em coisas como o Apartamento e o Kiss Me Stupid.
Pode ser inocente da minha parte, mas tendo a distanciar consideravelmente o Murnau dos cínicos corrosivos de Hollywood, mesmo sendo alemão..
Topo-te. Eu considero o Nosferatu bastante cínico. O City Girl também um bocadinho. O Sunrise enfim, não conta. O Tabu já não considero cínico, mas desencantado. Acho que não vi mais nada. Não acho que o Murnau seja tão panhonha quanto isso. Ou então sou eu que sou um cínico filho da mãe e vejo cinismo em todo o lado. Mas penso que não: o Nosferatu está mesmo pleno de ironias. A minha preferida é quando ela está junto ao mar à espera do marido, sem saber que quem viaja por mar é o bicho, e que ele vem por terra. Nosferatu é, na minha cabeça (e na de outros, graças ao bom senhor), claramente a dimensão sexual que não existe no seu casamento «de manos». É claro que esta ironia não tem nada a ver com o Sirk ou o Wilder. É uma ironia vinda do romantismo alemão, de Kleist e assim. Se bem que a do Sirk também vem da tragédia grega, adaptada à indústria norte-americana, mas enfim. Pareço um cagãozinho a falar, mas sabes como gosto destes tipos. Eh, eh.
Eu apreendo os filmes do Murnau como dualidades entre paraísos e infernos amorosos, as coisas que sustentam esses paraísos, o "Amor", o casamento, e as que os impedem, de alguma forma. Os três últimos filmes falam disto integralmente, o Tabu está dividido em "Paradise" e "Paradise Lost".
É simples e, de certa forma, inocente, se for inocente acreditar no amor - eu quer-me parecer que o Murnau era um romântico incurável - mas a forma, a montagem e os planos, é de uma pureza inabalável e evidencia isso, a felicidade e a tristeza.
É um altar cinematográfico, e quando penso que possa haver ironia ou cinismo nisso (na minha maneira de os entender, pelo menos) o altar abala-se um bocado, eheh. Acho que o poder da arte do Murnau está na eliminação completa da metáfora (a do Hawks passa pelas múltiplas metáforas, a de Sirk também), na evidência. É o que é. Simplicidade e beleza, realidade, uma relação carnal com a realidade, já.. acho que todas as metáforas que possamos engendrar, no Sunrise, no City Girl e no Tabu, pelo menos, são exteriores aos filmes.
No caso do Nosferatu, no entanto, concordo completamente contigo, é infinitamente metafórico e intencionalmente, parece-me.
Enviar um comentário