quarta-feira, 13 de julho de 2011

Petição (VI)*


I / II / III / IV / V

* entre outras coisas...


Os homens pequenos
Quando são demais
Não fazem por menos
Tornam-se fatais

José Mário Branco

Como é que é possível ver cinema em Portugal, como é que é possível cimentar um "gosto", seja ele qual for, a ver televisão e a ir ao cinema em Portugal? Como é que é possível fazer cinema em Portugal, assim? É ver o director da RTP2, e perceber que se calhar não é possível, quando defende a programação pelo público infantil, sem lhe passar pela cabeça de que há mil e uma maneiras mais interessantes de o educar e entreter que não aquela; a defender a exibição de séries pelo tempo que têm, ou seja, pela economia temporal, sem lhe passar pela cabeça que há filmes tão ou menos curtos que um episódio dessas séries, é só procurar um bocadinho.

Não é um problema só da RTP, obviamente. É uma mentalidade conjunta, (os tais homem pequenos que se tornam fatais) a nossa, a de que nenhuma acção ou palavra conta, é o deixar correr, que descamba nisto, não se sabe bem como. Porque

"Nenhuma organização, instituição privada ou pública nos ajudou ou quis colaborar de forma expressa e substancial nesta causa"

Vamos ver o Doctor Zhivago e o Ryan's Daughter mil e uma vezes na RTP (penso que entre os vários canais da RTP, passaram perto de dez vezes em 2 anos, cada um) e em 4 por 3, vamos pensar que há uma oferta cultural naquele canal, vamos pensar que este país dá um pentelho pela sua cultura. Pensar que está tudo bem, que tudo se resolve por si, eventualmente. Que o dinheiro vai chegar, que os empregos vão chegar. Como é que fala de classes e de gerações, neste país, se não se tem a mais pequena noção de cidadania e comunidade? Não é possível ter sonhos, ambições, numa sociedade que não os alimente nem os tente incentivar, que nos diz que basta algum conforto e dinheiro para dar sentido à vida. Em tempos de crises várias, de chacota, de desprezo, de desdém, é preciso mais que debates e futebol, é preciso mais que isto. É preciso pensar que com os meios que temos ao nosso dispôr, através dos nossos cargos, "tempo de antena", podemos dar alguma esperança às pessoas, podemos dar-lhes as armas mais poderosas do mundo, a de ver e pensar as coisas de outra maneira, de várias maneiras, a de ser assertivo, compreensivo, em relação ao mundo, a de perceber, precisamente, que há um MUNDO fora deste microíssimo-cosmos de novelas políticas e futebolísticas. É possível ver o caos da vida passar-nos harmoniosamente ordenado à frente dos nossos olhos, a assistir a filmes do Mizoguchi, a ouvir canções dos Beatles, a assistir a interpretações da Nona, dos concertos de Rachmaninoff, e fazer passar algo disso para a forma como vivemos as nossas vidas...

Grande parte dos maiores intérpretes, dos talentos, deste país ou estão nas ruas ou são silenciados, de uma forma ou outra. Criticam e ficam porque amam o testamento cultural lusitano, querem mudar isto. E quem ama o cinema e não tem como o ver como deve ser, está fadado a vê-lo em portáteis, nem sempre nas condições que devia, e a falar sobre ele em blogs, a partilhá-lo assim na esperança de que alguém o veja, nesse processo.

Por fim, e até ver (espero que não seja verdade), é triste que a vontade de 3000 pessoas e o esforço do Luís, do Miguel, do Ricardo, do Carlos e do resto do grupo (eu incluído) não consiga abalar minimamente a direcção da RTP2.

2 comentários:

My One Thousand Movies disse...

Obrigado pela citação João. É mesmo isso que tu escreveste, e enquanto eu conseguir vou lutar com todas as minhas forças para ser uma alternativa a...nada.

João Palhares disse...

E fazes tu muito bem! Nós agradecemos.