Emil Anton Bundman nasceu a 30 de Junho de 1906, em S.Diego, na California. Começou como actor em Nova Iorque, mas em 1938 foi para Hollywood, juntando-se à Selznick International Pictures como director de castings, onde filmou screen tests para “Rebecca” de Alfred Hitchcock e para “Gone With the Wind” de Victor Fleming (e de uma data de outros realizadores). Nos anos 40, filmou uma série de film noir`s para a RKO, para a Eagle-Lion Films e outras companhias – alguns estão em domínio público – mas foram os seus westerns que o afirmaram e registaram (ou deviam registar - já lá vamos) como nome fundamental do Cinema Americano.
Fez 11 filmes dentro desse género, sendo o primeiro “Winchester 73” (primeiro filme da longa e estimulante colaboração com James Stewart – 8 filmes, 5 dos quais westerns) , estudo enigmático em torno da ganância e cuja narrativa gira em torno da Winchester do título (ela está sempre em campo narrativo), e o último, “Cimarron”, remake de um western de 31 (que venceu o Óscar de melhor filme nesse ano) mas que não é tão bom como podia ser por interferência do estúdio (M.G.M.). Pelo meio fez coisas tão prodigiosas como “Bend of the River” de 53 ou “Man of the West” de 58, dois dos melhores westerns de sempre (“Rio Bravo” e “The Searchers” incluídos). Estes últimos dois filmes, bem como “The Naked Spur”, “Winchester 73” e “The Man from Laramie”, estão associados a uma visão do mundo (coeso estética e moralmente) por parte do seu autor e a uma revolução em termos de representação do Homem (em geral) e do Oeste, que antecipa, mesmo, o cinismo e o desencantamento de realizadores como Sam Peckinpah ou Clint Eastwood.
Numa entrevista em 1967 (ano da sua morte), quando questionado sobre o ponto de partida para “The Naked Spur”, Mann disse isto:
“We were in magnificent countryside–in Durango–and everything lent itself to improvisation. I never understood why almost all westerns are shot in desert landscapes! John Ford, for example, adores Monument Valley, but I know Monument Valley very well and it’s not the whole west. In fact, the desert represents only one part of the American west. I wanted to show the mountains, the waterfalls, the forested areas, the snowy summits–in short to rediscover the whole Daniel Boone atmosphere: the characters emerge more fully from such an environment. In that sense the shooting of The Naked Spur gave me some genuine satisfaction.”
Mann foi, parece-me, o primeiro a distanciar-se da paisagem dominante no western (as grandes pradarias e os desertos – Monument Valley) e, portanto, de John Ford. Em Ford as paisagens são abertas, por assim dizer, em Mann (como em Hawks, mas de maneira diferente) elas são fechadas e de um sufoco inacreditável. Isto permite, em “The Naked Spur” (e, de certa forma em todos estes filmes, exceptuando, talvez, “The Man From Laramie” - o mais “fordiano” dos cinco) um paradoxo admirável – num filme rodado inteiramente em exteriores, os sentimentos predominantes são os da claustrofobia e do desespero. As sequências finais dos restantes quatro filmes também são assim. Um ano antes, em “The Bend of the river”, Mann filmou um confronto final num rio, com uma raiva e violência tremendas, a água, nesse confronto, era tão importante e geradora de conflito como os homens que se enfrentavam– e o Glyn Mclyntock (Stewart) de “Bend of the river” é, a par com o Linc Jones de “Man of the West”, o herói mais violento dos westerns de Mann. Os duelos nas montanhas em “Winchester 73” e em “The Man from Laramie” e, claro, em “Man of the West” são de uma força incrível, porque essas montanhas, como de resto a paisagem, em Mann são quase personagens e, como nota Robin Wood, “are barren rock, not even safe cover, with bullets ricocheting in every direction”. A paisagem em Mann não é só contemplativa (se é que é contemplativa), marca, também, uma espécie de obstáculo, de barreira, aos heróis dos filmes como se de um destabilizador psicológico se tratasse – “a paisagem física e a paisagem mental”, escreve José Fernandez em “El western de Anthony Mann”.
Os heróis, nos filmes de Mann, são homens que querem, à força toda, assentar, mas que por diversos motivos (sempre traumáticos, sempre) não conseguem. O passado pesa-lhes violentamente, têm vinganças pendentes, ajustes de contas com os inimigos e com eles próprios, com o passado, (sempre o passado) e encontram, dentro de si, violência, violência que repudiam, ao levar a cabo as suas vinganças. Porque, em Mann, não se mata por matar nem se acaba aí, o homicídio deixa marcas irreparáveis, levanta questões e dilemas infindáveis. Para as audiências da altura era ainda tão espantoso, porque os heróis desencantados e descrentes eram James Stewart e Gary Cooper, os heróis inocentes e influenciáveis de Capra nos anos 30 e 40 – subversão inteligentíssima de Mann. E Hitchcock deve ter visto os filmes de Mann antes de começar a sua própria colaboração com Stewart.
Finalmente, se bem que se possa falar de muito mais (o “scope” de Mann, as suas “pinturas”, os jogos psicológicos entre personagens - “The Naked Spur” será o exemplo máximo – e as mãos alvejadas e feridas como imagem recorrente – a mão é um ponto de vulnerabilidade e naqueles tempos era o de maior, por sinal), abordarei a representação da dor em Mann: Stewart e Cooper não são invulneráveis, entram em lutas e magoam-se , e bem (aquelas cenas de pancadaria, de uma frieza indescritível, brutais e desconfortáveis) e Mann filma-os a gritar, a gemer em planos fechados, procurando (e encontrando) o sufoco – o tal desconforto – e penso, por exemplo, nas cenas de “The Man from Laramie”, em que Will (Stewart) é amarrado e imobilizado para que um só homem (Dave) lhe bata, ou nas imagens de Howard Kemp (Stewart) a rastejar pela relva e pelas rochas em “The Naked Spur”, de uma violência tremenda e de uma mestria na sua representação.
Mann não tem, no entanto, a exaltação que merece, não se fala nos seus westerns, mesmo que James Stewart tenha dito que alguns dos seus melhores filmes tenham sido com o realizador ou que Mann tenha, nos anos 50, levado o western numa nova direcção. Até em “The Searchers” se nota a sua influência (se bem que seja discutível). Robin Wood, mais uma vez, adianta uma explicação: o conhecimento do Cinema clássico pelas novas gerações fez-se pela televisão, e as capacidades de Mann (“painterly talents”, diz Wood) diminuem no ecrã pequeno, não se notam. Talvez sim, talvez não, mas Mann, quando no seu melhor, rivaliza com Hawks ou Ford e é um cineasta essencial ("Bend of the River", "The Naked Spur" e "Man of the West", principalmente)...
Fontes:
Jonathan Rosenbaum, “Mann of the West”
José M. López Fernández, “Hombres del Oeste en tierras lejanas – El Western de Anthony Mann”
Robin Wood, “Mann of the Western”
*Trabalho para Géneros
1 comentário:
Do Mann só vi westerns (para alguns não há palavras, mesmo) e um Musical ("Glenn Miller"), mas dizem que os film noirs e os épicos que ele fez também são muito bons - é um realizador que vale muito a pena descobrir...
E obrigado. :)
Abraço.
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