quarta-feira, 11 de setembro de 2019

A DISTANT TRUMPET (1964)


por Miguel Marías

Este filme tem uma das cenas mais dignamente tristes da história do cinema: os apaches chiricahuas deixam cair ao chão as suas lanças – autênticas bandeiras na poeira – e os seus penachos de penas; as patas dos cavalos deles apagam os desenhos na areia – pegadas de uma cultura que sabe estar condenada – e toda a tribo – ou o que resta de uma nobre raça guerreira – começa a sua marcha fatigante para a reserva. 

Também há uma cascata de lama inesquecível, as cores mais secas e belas: terras vermelhas contra nuvens cinzentas, brancos e amarelos, casacos azuis, pinheiros verdes. E Suzanne Pleshette, que teria chegado a ser uma grande estrela se cineastas como Walsh, que já não existem, continuassem no activo.

A capacidade de se indignar aos setenta e sete anos; a sabedoria e a experiência, a desenvoltura e a falta de pretensões que permitem fazer um filme tão simples como complexo, clássico e crítico da tradição, dinâmico e reflexivo, e em que o humor e o romantismo andam de mãos dadas – como em Baroja. 

Como Sete Mulheres (Ford), Topázio (Hitchcock), Gertrud (Dreyer), Red Line 7000 (Hawks), Le Caporal épinglé (Renoir), Tristana (Buñuel), A Condessa de Hong Kong (Chaplin), Pocketful of Miracles (Capra), O Gosto do Saké (Ozu), Rua da Vergonha (Mizoguchi), Love Among the Ruins (Cukor) e A Vida Íntima de Sherlock Holmes (Wilder), para dar alguns exemplos ilustres, A Distant Trumpet é obra de um cineasta em plena posse das suas faculdades que vê chegar a sua hora e que, da última curva da estrada, contempla com lucidez e legítimo orgulho a sua longa vida criadora, decidindo reafirmar a sua trajectória (ou rectificá-la) antes de se despedir. 

Um filme de retirada que é uma vitória. Um western dirigido a cavalo. O último filme de Raoul Walsh, zarolho, aventureiro e poeta. 

Sem comentários: