Segundo tomo da trilogia do Apocalipse (assim intitulada por Carpenter, a trilogia começa com The Thing, em 82 e acaba com In The Mouth of Madness, de 94 e é temática, não sequencial), Príncipe das Trevas é junto com esses dois filmes (e com Escape From L.A., Cigarrette Burns, Assault on Precinct 13, The Fog, They Livee Halloween) uma obra-prima.
Foi criticado, completamente desancado, na estreia como o foram aliás todos os filmes de Carpenter nas respectivas estreias. O New York Times escreveu isto na altura:
''Prince of Darkness,'' which opens today at the Movieland and other theaters, is a surprisingly cheesy horror film to come from Mr. Carpenter (''Halloween,'' ''Escape From New York,'' among others), a director whose work is usually far more efficient and inventive. Martin Quartermass, whose first screenplay this is, overloads the dialogue with scientific references and is stingy with the surprises. You may well suspect things are not going to go well when the movie spends its first 15 minutes intercutting between the opening credits and scenes introducing the characters.
Acharam que o guião de Martin Quatermass tinha referências científicas a mais. Provavelmente também acharam que a montagem de John T. Chance para Assault on Precinct 13 era presunçosa e excessivamente manipuladora ou que o guião de Frank Armitage para They Live era além de ridículo, muito 'left wing'. Carpenter nunca foi compreendido nos Estados Unidos (como muitos outros: Lewis, Welles) e em meados dos anos 80, os Cahiers du Cinema aclamaram Carpenter como autor. Oliver Assayas e Charles Tesson tiveram que fazer com Carpenter e Cronenberg (que estavam à margem da Hollywood consolidada, a Nova Hollywood - Spielberg, Scorsese, Coppola) o que Truffaut e, entre outros, Rivette, fizeram com Hawks e muitos outros, o que reconciliou de certa forma a América com o seu Autor.
"You try to make a studio picture your own, but in the end it`s their film.And they`re going to get what they want. After that experience I had to stop playing for the studios for a while and go independent again.""Depois das minhas atribulações com as "majors", sobretudo por causa de Big Trouble in Little China, as pessoas da Alive Films vieram ter comigo e deram-me carta branca para realizar um filme de terror. Foi Prince of Darkness, que pude controlar da primeira à última imagem. (...) Um filme em primeiro grau, brutal e sem concessóes. Fi-lo sob o efeito da raiva e creio que isso se sente, com muita força, ao longo de todo o filme. É que Big Trouble in Little China e Prince of Darkness correspondem a um período muito difícil da minha vida profissional."John Carpenter
Príncipe das Trevas foi feito em 1987 por 3 milhões de dólares e em apenas 20 dias de rodagem, e praticamente num só cenário, uma Igreja. Foi feito depois dos grandes desentendimentos com as "majors" (que se deram após o "flop" de "The Thing" por causa das concessões artísticas a que Carpenter foi obrigado nos 3 filmes seguintes: Christine, Starman e Big Trouble in Little China), com os estúdios de Hollywood. Desse desentendimento nasceu um filme independente (seguir-se-ia outro - They Live) como Assault e Halloween o eram. Príncipe das Trevas marca então um regresso às origens, um renascimento, também.
É em Prince of Darkness também, que convivem todas as obsessões, temas e motivos da obra de Carpenter. É um 'siege movie' como Assault e Ghosts of Mars, é um anúncio do Anti-Deus como Pro-Life, uma metáfora para a doença como The Thing, um filme assente em profundas raízes literárias como The Fog (Poe) e In The Mouth of Madness (Lovecraft) e que lida com a iminência do Apocalipse (The Thing, Escape From L.A., In The Mouth of Madness, Ghosts of Mars e Cigarrette Burns).
"Na minha modesta opinião, Howard Hawks foi o maior cineasta americano"
"Luis Buñuel é um dos meus cineastas preferidos"
John Carpenter
Carpenter cruza também imensas influências em Prince of Darkness. De The Twilight Zone ao já citado H. P. Lovecraft, passando pelo sempre referenciado Howard Hawks (do primeiro ao último filme, Carpenter faz sempre transparecer o amor que tem pelo realizador) e por Luis Buñuel (e há vários pontos de ligação com El Angel Exterminador, por exemplo).
Faz aliás, todo o sentido aproximar Carpenter de Buñuel. Seja pela anarquia e cepticismo que atravessam todas as suas obras, ou (e nos casos concretos de Prince of Darkness e El Angel Exterminador) a crítica vincada à Igreja e à religião.
O filme é uma ode ao desconhecido, um passeio pelo limiar da realidade e a mais secreta e misteriosa obra de Carpenter, o seu tesouro mais bem guardado.
Bibliografia: "John Carpenter - Memórias de um Homem Bem Visível"
Quem não viu o filme, não deve continuar:
A Ciência explica o "como" não o "porquê". Carpenter referencia o paradoxo de Schrodinger no filme: um gato é posto numa caixa junto com veneno e é depois fechado, permanecendo vivo e morto ao mesmo tempo, porque só quando se abre a caixa é que se vê se ele está ou morto ou vivo. A realidade só existe quando existe também alguém para a percepcionar.
Carpenter leva o paradoxo às suas mais misteriosas e dúbias consequências.
No final do filme (e ninguém em Hollywood tem coragem para acabar um filme desta maneira), Carpenter no perfeito pico da sua arte, baralha toda a realidade e toda a fantasia. Atira um "amanhem-se" visceral e literal ao espectador naquele que é o melhor final do Mundo, uma lição da duração e articulação entre planos, de realização, de montagem sonora, de TUDO:
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