segunda-feira, 29 de novembro de 2010
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
quarta-feira, 24 de novembro de 2010
Finais e spoilers
"Tabu" - 1931
terça-feira, 23 de novembro de 2010
Two Shaves and a Shine - Nurse With Wound
domingo, 21 de novembro de 2010
domingo, 14 de novembro de 2010
Noites na TCM (3)
sexta-feira, 12 de novembro de 2010
Ainda Land of the Pharaohs
"Land of the Pharaohs" - 1955
Land of the Pharaohs é considerado uma espécie de óvni na obra de Hawks, pouco dele se reconhece no filme, à primeira vista. É, como quase todos os Hawks, um prodígio narrativo, não por acaso, Faulkner, foi um dos 3 argumentistas. É cínico e trágico mas contém em si, os perfeitos negativos de todos os “motivos” e temas do realizador, da mulher “hawksiana”, aqui completamente retorcida, não só dominadora mas verdadeiramente mercenária e vingativa, ao companheirismo que se respeita e digna até às últimas consequências (do faraó e do seu conselheiro) mas que até ao final do filme, pouco nos diz, essencialmente pela maldade e pelo cinismo (outra vez) das personagens.
O filme é um épico e retrata a sede e busca (des)humana por poder no Egipto antigo, sob o signo da morte, e a tragédia paira sempre pelo ar. Mas espanta-me sobremaneira que, mesmo assim, Hawks consiga encontrar um equivalente para os seus clássicos “get together and sing”, os seus rituais musicais, ao piano em Only Angels Have Wings, à guitarra em Rio Bravo, ou só com voz em The Big Sky (O filme mais “aberto” e poético de Hawks. Peço desculpa pelo desabafo), que normalmente coincidem com a integração ou a chegada de alguém “ao grupo” (e quão belos são esses momentos), com a recepção festiva ao faraó em que toda a gente canta e bate palmas. Aquilo é Hawks antológico e puro.
É também Hawks puro e antológico o primeiro encontro do faraó com a princesa do Chipre, em que se confunde toda a noção de “macho” e “fêmea” num duelo feroz e cómico, a espaços. É voltar outra vez a I Was a Male War Bride ou Bringing Up Baby. Mas por pouco tempo, porque aquele tesouro nas secretíssimas câmaras enfeitiça toda a “nobreza” egípcia, que, a caminho do final do filme vai perdendo toda e qualquer “nobreza”, se a tinha. O colar é o primeiro sintoma e presságio das intenções mercenárias da segunda rainha (e este é outro dos filmes de Hawks que se pode resumir, ideologicamente, ao percurso ou significado de um objecto, como Red River e a pulseira ou Only Angels Have Wings e a moeda) “no man should own such treasure”, diz-lhe ela (cito de cor) antes de alimentar e semear a morte pelo reino.
Mas nem só de inveja, ciúme e maldade nos fala The Land of The Pharaohs. Fala-nos também de sacrifícios. Por amor, por interesse, por consciência ou por insondável respeito. O do arquitecto pelo seu povo, o da primeira rainha pelo seu filho (numa das mais belas sequências da obra de Hawks), o do servo e do amante pela segunda rainha e o do conselheiro pelo seu rei e senhor (talvez o mais impressionante pelo seu cruel, mas talvez justo, propósito – o tal “production for use” de que Bénard da Costa fala na crítica a este filme, referenciando His Girl Friday).
Fala-nos também da morte (aliás, o ponto de partida (e chegada) do filme é a construcção de um túmulo e portal para uma segunda vida - a do Faraó - a custo de vidas, suor e trabalho de centenas de escravos) e, até lá, da longa espera pela sua chegada, da tentativa muito humana de atingir imortalidade pelo poder, pela construcção e produção de monumentais monumentos, algo que prove esse poder e o ecoe pela eternidade, um túmulo impenetrável mas repleto de trágicas estórias. Do princípio ao fim, a felicidade e a estabilidade vão diminuindo, o tempo vai escasseando e o espaço confinando, até se sentirem fechar todas as aberturas, toda a luz, todas as portas e fugas possíveis, toda a esperança, até cada um ter o que merece e o que lhe é devido (ou não, nalguns casos), até cada pedra do mecanismo projectado pelo arquitecto encerrar a câmara fúnebre e projectar o faraó para a eternidade que o dinheiro e o poder lhe puderam comprar...
A pirâmide é o princípio e o fim de todas as coisas e encerra em si muitos segredos, da obra e pensamento de Hawks, também. Da morte, do poder, de cobras e enterros. Em Cinemascope..
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
Em jeito de homenagem
Scarface, Shame of a Nation (Hawks)
por Manuel Cintra Ferreira
“Scarface is my favourite picture” (Howard Hawks)
Quando Scarface chega ao público em 1932 já Al Capone está na cadeia a cumprir uma pena de onze anos de prisão por evasão fiscal, única forma que o governo encontrou para atingir o homem que tinha a responsabilidade de mais de 400 mortes violentas desde que iniciara a sua actividade em 1920, para além de cerca de 40 que teria executado por suas mãos. Esse período é a “idade de ouro” do gangster americano e corresponde a quase toda a vigência do Volstead Act, a 18ª Emenda à Constituição dos EUA que impôs a Lei Seca em quase todo o território.
É a este período, à actividade dos gangs e a alguns dos seus episódios mais notórios que Hawks e Ben Hecht vão buscar a matéria prima para construir a maior saga de violência jamais feita no cinema (pode haver filmes posteriores, e de tempos mais recentes, e penso na canibalesca versão de Brian de Palma, em que ela seja mais explícita, mas nenhum se fez em que ela se fez mais significativa). Quatro episódios, em particular, encontram eco no filme de Hawks: o assassinato de “Big Jim” Colosimo em 1920, na morte de Lou Costillo que abre o filme; o atentado contra Capone em 1926, nas rajadas de metralhadora que apanham Camonte no restaurante; o massacre do dia de S. Valentim, o mais facilmente identificável e que estaria ainda na memória de todos pois teve lugar em 1929; finalmente a execução de Johnny Aiello em 1930, o autor da traição, na morte de Johnny Lovo. Tudo isto faz parte da história, tudo isto está lá no filme.
Não quer isto dizer que Scarface seja um filme “histórico”, como não é também um filme “social”. Não encontramos, da parte de Hawks, a preocupação de estabelecer um “background” que “explique” o fenómeno do gangsterismo e “justifique” os seus actos, como fazem, no primeiro caso, William Wellman em Public Enemy (a crise, o desemprego, a miséria de Hell`s Kitchen como geradores de marginais) e, no segundo caso, Raoul Walsh em The Roaring Twenties (os heróis da primeira grande guerra, a quem ensinaram o ofício de matar, e a quem recusam oportunidades para se reintegrarem na ordem social depois do conflito). O que Scarface faz é constatar, sem paliativos de qualquer género, um estado de violência em que o gangster é apenas um dos seus elementos.
Daí que Scarface possa ser incluído, com toda a lógica, entre as comédias mais ferozes de Hawks, em que tudo é levado ao excesso e à desmesura, sendo os seus heróis os mais infantis da obra do realizador (a Joseph McBride, Hawks descreveu os gangsters que conheceu aquando da rodagem do filme como verdadeiras crianças no que tinham de vaidade e irresponsabilidade) cujo paralelo poderiam ser os desmandos de Cary Grant e Ginger Rogers rejuvenescidos no fabuloso Monkey Business: a crueldade “inocente” das suas tropelias pode comparar-se à de Camonte. Repare-se no exibiocinismo e nas provocações infantis do gangster diante da autoridade, principalmente ao raspar o fósforo na estrela do delegado (momentos depois, na esquadra, procura repetir o gesto mas hesita por a estrela se encontrar encoberta). Ou ainda o trocadilho que faz com o “habeas corpus” que lhe dá a liberdade; no apartamento de Lovo refere-se ao documento como “hocus pocus”.
Na sequência da apresentação de Rain, antes da execução de Gaffey no bilhar, em que obriga Angelo a ficar até ao fim para lhe contar como termina a peça. Na mesma linha se poderia referir a ligação afectiva que tem com a irmã, embora esta nos leve agora para o campo da tragédia. Jean-Louis Comolli refere-se-lhe como sendo, ao lado de Tiger Shark, “uma das raras tragédias, no sentido shakespeariano, que o seu autor filmou”. E a afirmação não é excessiva. Entre outros pormenores basta comparar o destino de Camonte com o de Macbeth. A morte de Rinaldi, como a de Bancquo, sela o seu destino.
A censura, que se oficializou em 1931 com o Código Hays, impôs uma série de cortes e alterações ao projecto original. O que nos interessa aqui, neste momento, são os cortes feitos em relação ao argumento original, e outras mudanças impostas. Em particular o final inicialmente previsto e que deve ter provocado pele de galinha aos censores que o leram. Se ele já surgia como um herói, esse final fazia dele a emanação de um super-herói (mesmo sem ele, Ado Kyrou chamou a Scarface um filme fascista): com o corpo crivado de balas, Camonte cambaleava até junto da sua Nemésis, o delegado, encostava-lhe a pistola à cabeça e carregava no gatilho, ouvindo-se a sua percusão no vazio. O outro repetia o gesto e estoirava-lhe a cabeça à queima roupa. O final teve que ser alterado, impondo a censura uma conclusão que revelasse o carácter fraco e cobarde do personagem (outro final tão inverosímil como este seria, anos depois, imposto a Angels With Dirty Faces de Curtiz), e a chorar por efeito do gás lacrimogéneo. Hawks filmou então o final que conhecemos, com Camonte rompendo de súbito a barreira, abatido por uma rajada e caindo na valeta. Mas mesmo este não foi exibido em todos os locai, constando particularmente das cópias europeias. Nos EUA, em várias localidades era apresentada a cópia em que Camonte era preso, depois da morte de Cesca, levado a tribunal (ocasião para outro sermão moralista) e enforcado. Foi esta a cópia que se estreou em Nova Iorque, como refere a Variety. Para além disso outras sequências foram acrescentadas sem Hawks ter tido nem achado para o caso, como a reunião do promotor com as “consciências da nação”, para declararem guerra total ao crime.
O resultado das pressões da censura, e normas de produção já vigentes que impunham a desaparição de cenas de violência explícita, como é o caso das execuções, foi que no fim de contas essa violência se tornou ainda mais flagrante dada a forma como as suas elipses foram feitas, e a marca X a que nos referimos a seguir, está aí para servir de aviso e premonição (Hawks conta a McBride que durante as filmagens atribuiu um prémio de 100 dólares a quem tivesse uma ideia que fosse aproveitada: assim surgiu o algarismo romano X na porta do apartamento de Rinaldi a anunciar o inevitável).
Scarface é talvez o filme mais elíptico da história do cinema e, neste caso, testemunha, como Paid to Love, da admiração de Hawks por Lubitsch. Talvez que a elipse mais significativa de todo o filme seja a morte de O'Hara a cargo de Rinaldi. Tudo é sugerido, sem imagens e sem uma única palavra, o que a transforma num gag trágico; Rinaldi entra no gabinete de Camonte com uma rosa na lapela (O'Hara é florista). Ou a de Gaffney em que o som da metralhadora acompanha o rolar da bola de bowling.
Scarface, como já foi dito, inscreve-se sob o signo do X. Mas esta marca tem vários sentidos. Por um lado é um sinal jornalístico, aquele que nas fotografias indica o personagem que se quer identificar (e bem Hecht deve ter pensado nisso enquanto redigia o argumento com Hawks), e adquire assim um sentido premonitório dado que serge sempre sobre as futuras vítimas, não só imediatamente (o X surge sempre no momento da execução) mas por vezes antecipando-se, como no caso de Gaffney (Boris Karloff) que no seu esconderijo tem na parede um X que resulta da luz que entra pela janela. Mas é também a marca que liga o destino das vítimas ao de Camonte, como projecção da sua cicatriz que tem a mesma forma.
Mas outra marca, também significativa, apela aos sentidos do espectador: a moeda que Rinaldi constantemente lança ao ar. Ela não só representa o trabalho de Rinaldi (durante a guerra dos gangs era geralmente deixada uma moeda na mão dos denunciante abatidos, e adquire todo esse sentido na execução de Lovo) mas serve de elemento de ligação entre Rinaldi e Cesca, ponto de partida para o último acto da tragédia: o momento mais sugestivo tem lugar ainda quase ao começo quando a irmã de Camonte lhe atira o níquel pela janela para o homem do realejo, e fica a revoluteá-lo no ar enquanto dá um dos seus. Aqui se insinua, desde logo, uma relação que mais tarde se consumará.
Mas todo o filme é pontuado por sinais deste tipo: as roupas de Camonte vão figurando a sua promoção; os vidros do gabinete (que neste caso tem a função de centro de comando, como será o dos pilotos em Only Angels Have Wings, e o do sheriff de Rio Bravo) simbolizam, ao serem quebrados (sempre por Camonte) as mudanças de chefia. Mas o mais sugestivo destes sinais de mudança é o que de imediato nos diz quem é, entre Camonte e Lovo, o chefe da organização; no restaurante, quando vai dar a notícia da morte de Gaffney, Poppy pôe um cigarro na boca num gesto marcadamente erótico: entre o isqueiro de Lovo e o fósforo de Camonte, ela escolhe o segundo. Logo a seguir, a mão de Lovo agarrando o paliteiro como um revólver esclarece-nos, sem palavras, sobre o atentado a Camonte que depois tem lugar.
Scarface é também um prodígio de encenação. No campo da iluminação o trabalho de Lee Garmes representa a herança de um expressionismo que da Alemanha chegava com os emigrantes (não só neste caso. Repare-se também no usso recorrente da ária da Lucia di Lammermoor que Camonte assobia sempre antes de uma execução, eco da melodia que Peter Lorre assobia e que também anuncia os seus crimes em M de Fritz Lang), e a luz tem neste filme “negro” (não no sentido do cinema dos anos 40) uma particular importância porque é ela que sublinha, em silhueta, a aparição desses Xs e da ameaça que representam. A sequência inicial é paradigmática, como o movimento de câmara que se conclui com a morte de Costillo abatido por uma sombra introduzida pelo referido assobio. Ela contém também todos os elementos do drama, como a que abre Rio Bravo . Mas no campo do virtuosismo (e nela se nota também a influência do Sternberg de Underworld em que Hawks teria também colaborado) ela representa um “tour de force” que julgo único na obra de Hawks: trata-se de um plano sequência que dura mais de quatro minutos e que nos leva do candeeiro com a indicação da rua à carroça do leiteiro, daí para o porteiro que se espreguiça à porta de um restaurante, acompanha-o ao interior, para a mesa de Costillo, vai com este até ao telefone, enquanto ao fundo uma porta se are deixando ver a sombra que o assobio inicial anunciava, e só termina com a fuga do porteiro depois do assassinato. Termina como começa, só que em vez do plano sequência temos uma acção extremamente “decoupada”, mas no mesmo espaço fechado, num movimento circular, que vai da entrada de Camonte, Cesca e Angelo no refúgio, à saída e morte do primeiro.
Todo o drama está contido nestas duas sequências e entre elas. Como todo o género em que se filia. Scarface é o seu momento definitivo. Nada se pode fazer de diferente depois dele. Apenas repeti-lo pior ou tentar igualá-lo. Melhor nunca se fez.